publicado dia 11/10/2022

Ideb 2021: o que os dados dizem e o papel da Educação Integral nos próximos passos

Reportagem:

O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb 2021 ) divulgado em setembro pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) traz um primeiro recorte dos impactos da pandemia sobre as escolas. Embora seja necessário cautela para analisar os dados, o Índice pode ser um ponto de partida para o planejamento escolar.

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De acordo com os resultados deste ano, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, a taxa passou de 5,9 em 2019 para 5,8. Nos anos finais, houve um crescimento, de 4,9 para 5,1, enquanto no Ensino Médio o Ideb ficou estável em 4,2. “Até o momento, os dados não apontam para uma tragédia educacional como fizeram parecer”, avalia José Marcelino de Rezende Pinto, professor da Universidade de São Paulo (USP).

Os dados também mostram as desigualdades históricas do país. Só nos anos iniciais do Ensino Fundamental, por exemplo, a região Centro-Oeste foi a que apresentou maior disparidade entre as redes pública e privada, com índices de 5,6 e 7,3, respectivamente. Já entre as regiões brasileiras, Norte e Nordeste apresentam índices em torno de 5, enquanto Sul e Sudeste estão acima de 6.

“Por um lado, isso mostra o resultado dos esforços hercúleos de professores, professoras, escolas e redes em garantir aprendizagens nos contextos mais desafiadores possíveis. Por outro, indica uma vez mais o fato de que nem todos tiveram o direito à educação garantidos”, complementa Anna Helena Altenfelder, presidente do Cenpec.

Os especialistas reforçam, contudo, que embora não se trate de uma tragédia educacional, muito menos de perdas de aprendizagem irreparáveis ou de uma geração perdida, os desafios seguem graves e preocupantes, e que os resultados do Ideb 2021 podem ser limitados em relação à realidade e difíceis de comparar com a série histórica e entre as redes, sobretudo pelas condições em que esta edição foi realizada.

O que é o Ideb? 

Criado em 2007, o Ideb reúne em um único índice dois fatores essenciais para a qualidade da educação: o fluxo escolar e as médias de desempenho nas avaliações do Ensino Fundamental ao Médio, a partir da prova do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb). 

Durante a pandemia, as redes acataram de forma diferenciada a recomendação do Conselho Nacional de Educação (CNE) de não reprovar os estudantes a fim de não responsabilizá-los pelos vários entraves a uma aprendizagem de qualidade em situação de emergência e remotamente, bem como para não comprometer suas trajetórias escolares. Mas uma maior taxa de aprovação também eleva os resultados.

Além disso, as redes enfrentaram desafios ainda mais distintos entre si durante a pandemia e as condições em que a prova foi realizada, entre novembro e dezembro de 2021, não eram ideais, já que muitos estudantes ainda não tinham voltado para a escola.

“Temos escolas que voltaram com patamares de 90% de frequência e escolas que ficaram em torno de 40%. Quem são os alunos que participaram da prova? Não temos a certeza desejável para dizer quem esses dados representam”, aponta Ocimar Alavarse, especialista em avaliação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).

A pesquisa Cenários da Exclusão Escolar no Brasil, realizada pelo Cenpec e o Unicef em novembro de 2020, dá pistas de quem podem ser estes estudantes. De acordo com o estudo, mais de 5 milhões de crianças e adolescentes tiveram seu direito à educação negados durante a pandemia, atingindo significativamente as populações historicamente vulnerabilizadas: negros, indígenas, pobres, pessoas com deficiência e das regiões Norte e Nordeste. 

“Quando os microdados do Ideb 2021 forem divulgados, será possível olhar para os recortes de raça, nível socioeconômico e território, a fim de fazer um retrato das desigualdades, mas é possível supor que os estudantes que não realizaram o Ideb são os mesmos que tiveram menos acesso ao ensino remoto e menor garantia de direitos – as mesmas desde sempre no Brasil”, indica Anna Helena. São esses estudantes, portanto, que merecem uma atenção especial no trabalho pedagógico e um olhar integral para sua proteção e garantia de direitos em todas as áreas. 

Como a educação integral pode contribuir? 

O próximo Ideb, que provavelmente será mais fiel à situação real das redes e escolas, só será divulgado daqui a dois anos. Enquanto isso, é preciso agir, partindo dos resultados já existentes do Ideb e dos diagnósticos que cada rede e escola realiza. 

“Os resultados indicam dois pontos: que a escola pode comparar gerações de estudantes e explicar seus próprios resultados. O Saeb responde apenas o que os estudantes sabem em leitura e resolução de problemas, mas não vai dizer por que motivo sabe mais ou menos. Essa é uma resposta que as escolas precisam construir, sabendo que esta edição pode não refletir a totalidade dos seus estudantes”, afirma Ocimar, lembrando que esse processo é essencial para promover a qualidade da educação e já deveria ocorrer desde antes da pandemia, uma vez que os problemas educacionais já existiam, embora possam ter sido agravados pela crise sanitária. 

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“Políticas públicas que trabalhem a partir da concepção de Educação Integral são especialmente interessantes”, indica Anna Helena Altenfelder, do Cenpec.

Crédito: iStockphoto

Ao mesmo tempo, também é preciso avançar nas políticas públicas para dar condições para que escolas e redes façam um trabalho adequado. “Em primeiro lugar, os professores precisam ser muito ouvidos. Eles foram especialmente castigados durante a pandemia e submetidos a decisões autoritárias. Depois, muitos voltaram às atividades presenciais sem condições para isso e como se nada tivesse acontecido”, aponta José.

Quer saber mais sobre saúde mental nas escolas? Ilana Katz fala sobre convocar os estudantes para a vida, diante do luto, e Paulo Bueno destaca a relação entre sofrimento psíquico e garantia de direitos. Nas escolas, não é o trabalho com competência socioemocionais que vai ajudar a lidar com conflitos e os professores(as) também precisam de atenção.

Para Anna Helena, a chave está em confiar que as crianças e adolescentes podem aprender apesar de todos os entraves, e lembrar que o que faz a diferença é a quantidade e a qualidade de experiências educativas que vivenciam. Portanto, políticas públicas que garantam isso possibilitariam uma trajetória escolar de sucesso.

“Políticas públicas que trabalhem a partir da concepção de Educação Integral são especialmente interessantes, porque envolvem a escola, a comunidade escolar, outros espaços educativos e de proteção do território e a noção de que todos são responsáveis por educar e cuidar das crianças e adolescentes”, afirma Anna Helena. 

Educação Integral, vale lembrar, não é sinônimo de tempo integral. A concepção de educação integral, que pode ser realizada em tempo estendido ou regular, requer considerar cada estudante em sua integralidade. “Se for pensar em tempo integral, que não se pense em reforço de Português e Matemática”, indica José.

Para Anna Helena, também é preciso atenção à saúde mental, dado o trauma histórico que a pandemia causou, bem como a relação entre privação de direitos e sofrimento psíquico. “Na escola, isso não significa desenvolver habilidades e competências socioemocionais isoladamente, nem ocupar um lugar que é dos serviços de Saúde, mas reconhecer que na escola o professor deve trabalhar de forma integrada, ouvindo, dando espaço e várias linguagens para expressar as emoções e experiências, construir projetos que os ajudem a retomar o vínculo com a escola e com os colegas, e que eles possam realizar atividades em que sejam protagonistas e autores”, explica a gestora do Cenpec.

A Educação Integral também tem a ver com romper com decisões automáticas e buscar reorganizar tempos e espaços de acordo com as demandas de cada turma, bem como trabalhar com os estudantes de forma heterogênea e, além da busca ativa, encontrar meios de despertar a vontade de aprender nos estudantes para que eles permaneçam na escola aprendendo com qualidade. 

“Aprendemos com Paulo Freire que educar exige esperança e ele ensina que ter esperança não é do verbo esperar, mas do verbo esperançar. Isso é construir junto, buscar soluções ouvindo as pessoas e essa é a essência da Educação Integral. Precisamos nos apropriar do conceito, do que a educação integral traz, e olhar para experiências bem sucedidas de escolas e redes para pensar como enfrentar os desafios e garantir direitos e aprendizagens”, finaliza Anna Helena.

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