Reportagens

A importância da educação integral para o enfrentamento das desigualdades no Brasil

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A pandemia e a gestão da crise sanitária agravaram as históricas violações de direitos no Brasil que atingem de forma desigual as crianças e adolescentes pobres, negros, indígenas, meninas, com deficiência e pertencentes a territórios periféricos e  comunidades tradicionais. O contexto demanda que as escolas considerem os estudantes e suas famílias como sujeitos de direitos e orientem seus trabalhos a partir da concepção de educação integral e da ampliação da jornada escolar, como reconhece o Plano Nacional de Educação (PNE). 


Hoje são 33,1 milhões de brasileiros sem ter o que comer diariamente, de acordo com a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN), marca superada no início dos anos 2000. O Brasil também foi denunciado por violações de direitos humanos dos povos indígenas e quilombolas e, mesmo antes da pandemia, já havia 1,8 milhão de crianças e adolescentes submetidos ao trabalho infantil. Dos estudantes excluídos da escola, 71,3% são pretas(os), pardas(os) e indígenas, 90,1% pertencem a famílias que recebem até 1 salário mínimo por mês e 61,9% vivem com meio salário mínimo, de acordo com o relatório Cenário da Exclusão Escolar: Alertas sobre impactos da pandemia da covid-19 na Educação, realizado pelo Unicef.


A meta 6 do PNE estabelece que até 2024 o Brasil deve oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, de forma a atender ao menos 25% dos estudantes da Educação Básica. Entre 2014 e 2020, no entanto, os principais programas federais para a meta foram descontinuados e o número de escolas com jornadas em tempo integral caiu de 42.655 para 27.969 – que representam 29% e 20.5% das escolas públicas, respectivamente. Já as matrículas caíram de 6.5 milhões para 4.8 milhões.

Dessa forma, a Agenda 227 propõe “Definir diretrizes orçamentárias e de gestão para a implementação da educação integral e ampliação da jornada escolar em toda a Educação Básica, com especial atenção ao Ensino Fundamental, com o objetivo de assegurar o alinhamento curricular e das políticas de avaliação e formação dos profissionais e de ampliar e diversificar as oportunidades educativas de crianças e adolescentes em jornada ampliada, com prioridade para aqueles em situação de maior vulnerabilidade social”.


O especial Educação no Centro do Debate — Eleições 2022 analisa em profundidade as 10 propostas para a Educação do Plano País Para a Infância e Adolescência com a participação de membros da Agenda 227, movimento apartidário que elaborou o documento. A Agenda 227 é composta por mais de 300 organizações da sociedade civil que vislumbram no processo eleitoral a oportunidade de colocar os direitos de crianças e adolescentes em foco no debate público e nos planos de governo.


“A educação integral garante direitos na medida em que constitui uma escola que, ao trabalhar com Projetos Pedagógicos contextualizados e construídos democraticamente, cria melhores condições para a permanência e aprendizagem dos estudantes. Há menos infrequência, evasão e as crianças aprendem mais. Ao ampliar a jornada com prioridade para as crianças em situação de maior vulnerabilidade social, constitui proteção social que também faz com que as crianças sejam menos vulnerabilizadas e se quebre o ciclo da pobreza”, explica Natacha Costa, diretora geral da Associação Cidade Escola Aprendiz

São, portanto, escolas atentas às potencialidades e desafios de seus territórios e que se reconhecem como porta de entrada para os demais direitos, articulando os setores da política pública, como Saúde, Assistência Social, Cultura e Esporte, para efetivar os direitos de seus estudantes e de suas famílias.

“A educação integral preza por observar e acompanhar questões ligadas ao desenvolvimento integral, como aprendizagem, fome, violências, trabalho infantil, e endereçá-las para a rede de apoio assim que surgem”, explica Natacha.

Para que esse trabalho seja feito, pode demandar reformas na infraestrutura física, contratação e formação de profissionais, aquisição e formulação de materiais pedagógicos, alimentação adequada, transporte escolar, financiamento, sobretudo investimento federal, uma vez que muitos municípios já estão sobrecarregados.

“Trata-se de um investimento na melhoria da qualidade da educação e das gestões. Um estudo do Instituto Natura mostra que apesar do investimento inicial ser maior, o retorno no longo prazo que a educação integral dá, dilui esse custo”, elucida Anna Helena Altenfelder, presidente do Cenpec

A implementação de programas de educação integral também pede intersetorialidade, respeito à autonomia das escolas no desenho das políticas de currículo, avaliação e formação, o fortalecimento de Projetos Político Pedagógicos contextualizados e participativos, valorização dos profissionais da Educação para que eles tenham remuneração condizente, formação e jornada exclusiva, e atenção ao enfrentamento das desigualdades educacionais. Uma pesquisa do Cenpec mostra que a implementação de educação integral que não considera progressivamente toda a rede ou não prioriza escolas mais vulneráveis, acirra as inequidades.

“Isso acontece porque acabam indo para as escolas de educação integral os estudantes com mais recursos sociais, culturais e econômicos, bem como professores com maior formação e tempo de carreira, e isso precariza as escolas do entorno, com alunos que sofrem com a cultura do fracasso escolar. Então é preciso um cuidado importante da gestão para olhar o todo da rede. A política de educação integral tem o potencial de combate das desigualdades e deve existir por isso, mas não pode virar política de exclusão”, alerta Anna Helena. 

Outro fator que contribui para a implementação efetiva de um programa e sua continuidade é a gestão democrática, porque ela engaja todos os atores – professores, gestores, estudantes, famílias e comunidade – em construir e manter essa escola com sentido para todos e todas. “Não é possível pensar na educação integral sem participação da comunidade escolar e articulação com o território”, reforça Anna Helena.

A questão do Ensino Fundamental

A proposição da Agenda 227 cita atenção especial ao Ensino Fundamental e isso se deve à redução de investimentos na etapa e, consequentemente, no percentual de matrículas em tempo integral. Em 2015, 19,4% dos estudantes da etapa permaneciam sete horas diárias ou mais em atividades escolares. Em 2019, esse percentual caiu para 10,9%, de acordo com o Resumo Técnico do Censo Escolar.

“O Ensino Fundamental, principalmente a sua segunda metade, tem grandes desafios, como altos níveis de distorção idade-série e evasão”, lembra Anna Helena, destacando também que a etapa também tem papel importante em levar à continuidade dos estudos no Ensino Médio.

Além disso, é a maior parte da trajetória escolar dos estudantes e um momento em que a relação com a escola e a apropriação dos conhecimentos básicos se dá. “Com a pandemia, as crianças e adolescentes ficaram mais sujeitos a vulnerabilidades e violências, então essa escola que está presente no dia a dia por mais tempo e apoia a garantia de direitos precisa ser retomada”, afirma Natacha.

Confira abaixo as reportagens que analisam em profundidade cada uma das 10 propostas para a Educação do Plano País para a Infância e a Adolescência da Agenda 227:

Proposta 1: Pacto Federativo no Sistema Nacional de Educação (SNE)

Proposta 2: Direito à Educação e ao Desenvolvimento Pleno

Proposta 3: Oferta de matrículas, acesso e permanência

Proposta 4: Financiamento

Proposta 5: Valorização dos profissionais da Educação

Proposta 6: Gestão democrática e participativa

Proposta 7: Educação inclusiva

Proposta 8: Educação com equidade étnico-racial

Proposta 9: Educação do Campo

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