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Educação com equidade étnico-racial é estratégica para um Brasil mais justo

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Para que o direito à Educação seja efetivamente garantido no Brasil, é urgente promover equidade étnico-racial ante ao racismo estrutural de nosso país. Dos estudantes excluídos hoje da escola, 71,3% são pretas(os), pardas(os) e indígenas, de acordo com o relatório Cenário da Exclusão Escolar: Alertas sobre impactos da pandemia da covid-19 na Educação, realizado pelo Unicef. 

Já os que estão na escola, enfrentam racismo, são alvo majoritário da cultura do fracasso escolar e desigualdades de aprendizagem. As informações do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) de 2019 mostram que no 5° ano são cerca de 65% de estudantes brancos com aprendizado adequado, contra aproximadamente 40% de estudantes pretos. No 9° ano, há 46% de estudantes brancos com aprendizado adequado, contra 27% de estudantes pretos. Essa diferença se dá mesmo quando os estudantes brancos e negros são do mesmo grupo socioeconômico, evidenciando o fator racial.

Por isso, a proposta 8 da Agenda 227 estipula “Implementar mecanismos permanentes e políticas públicas de equidade racial e de gênero na educação de todos os bebês, crianças e adolescentes desde a creche, especialmente para a população negra, as/os quilombolas e povos indígenas, com o objetivo de reduzir as desigualdades étnico-raciais na educação”.


O especial Educação no Centro do Debate — Eleições 2022 analisa em profundidade as 10 propostas para a Educação do Plano País Para a Infância e Adolescência com a participação de membros da Agenda 227, movimento apartidário que elaborou o documento. A Agenda 227 é composta por mais de 300 organizações da sociedade civil que vislumbram no processo eleitoral a oportunidade de colocar os direitos de crianças e adolescentes em foco no debate público e nos planos de governo.


“Precisamos promover uma educação pautada na equidade e que atinja os grupos historicamente mais vulnerabilizados socialmente, a fim de combater desigualdades, evidenciar as contribuições de negros, indígenas e quilombolas para a formação do Brasil e constituir uma sociedade que valorize diferentes raças, gêneros e outras expressões da diversidade”, afirma Giselle dos Anjos Santos, pesquisadora no Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), instituição que possui um banco de práticas antirracistas para inspirar educadores e educadoras.

Além de garantir os direitos básicos às populações historicamente marginalizadas, a perspectiva antirracista na Educação também contribui para promover uma sociedade melhor para todas as pessoas. “É comum acharem que políticas públicas com equidade racial sejam para negros, mas estamos falando de uma sociedade menos violenta, mais justa e igualitária, o que beneficia todo mundo”, diz Letícia Leobet, ativista do Movimento Negro, pesquisadora e cientista social que atua na área de Educação e Pesquisa de Geledés – Instituto da Mulher Negra.

Isso é especialmente necessário no Brasil, país mais negro fora do continente africano e o último do Ocidente a abolir a escravização. Por aqui, embora mais da metade da população seja negra, a estrutura sobre a qual o país foi construída, e que se mantém até hoje, faz com que essas pessoas ocupem os piores lugares nos índices de garantia de direitos básicos e de acesso ao Ensino Superior, renda e postos de trabalho, e sejam vítimas de violências que se sobrepõem e, em vários momentos, são perpetradas pelo próprio Estado. 

Já as populações indígenas brasileiras enfrentam desde a chegada dos colonizadores europeus a dizimação de seus povos e culturas, a invasão de suas terras e a poluição e exploração de seus meios de subsistência – um cenário verdadeiramente pós-apocalíptico, como definiu o Xamã Yanomami Davi Kopenawa em seu livro “A Queda do Céu”.

Para romper com esse ciclo de racismo, necropolítica e desigualdade, o Movimento Negro no Brasil destaca a escola como uma das ferramentas mais estratégicas, tanto por acessar quase a universalidade dos brasileiros ao longo de um extenso período de tempo, quanto por sua contribuição para a constituição cidadã dos sujeitos. Dessa forma, pode funcionar como a porta de entrada para os demais direitos e contribuir para a reconstrução do imaginário brasileiro em torno de negros, indígenas e quilombolas, ampliando as versões sobre a história do Brasil para além da visão cristã e europeia que predomina.

“A escola é espaço de constituição de identidades, de novas leituras sobre o mundo, de compreensões plurais que desconstruam perspectivas limitadas sobre a representação das várias identidades de gênero e de raça. Que os estudantes possam acessar um conhecimento que valorize de forma equitativa os diferentes grupos e consiga superar os estereótipos, valorizando a cidadania e os espaços dessas diferentes pessoas que foram historicamente invisibilizadas”, afirma Giselle. 

A promoção da equidade étnico-racial nas escolas

A escola, por ser composta pelas mesmas pessoas que circulam pela nossa sociedade estruturalmente racista, também reflete e opera pela manutenção de práticas racistas se não houver um trabalho permanente de enfrentamento, respaldado por políticas educacionais antirracistas. 

Na escola, o racismo se expressa de diferentes formas, como no perfil de quem é professor e gestor, de quem são os estudantes reprovados e excluídos, nos materiais didáticos e nas imagens pelos corredores das escolas, nas relações interpessoais, entre outras, e todas essas dimensões e seus atores devem ser envolvidos para promover uma educação com equidade étnico-racial. 

“Pensar educação para as relações étnico-raciais é desconstruir o currículo e adotar a transversalidade desse tema em todas as áreas, o ano inteiro, tanto para pensar a construção da identidade de crianças negras, indígenas e quilombolas, mas também para formação das identidades brancas que precisam compreender seu papel na sociedade enquanto descendentes de uma história que precisa ser reparada e seu papel na luta antirracista”, diz Giselle, que também destaca a necessidade de contextualização e diálogo com cada comunidade e território.

Esse trabalho é ancorado por marcos legais da Educação como a Lei nº 10.639 e a Lei nº 11.645, conquistas históricas que instituíram a obrigatoriedade do ensino da história e cultura africana, afro-brasileira e indígena em toda a Educação Básica, mas que ainda patinam para serem implementadas.

“As Secretarias de Educação têm um papel importante na garantia e acompanhamento dessa implementação, mas também é preciso um suporte intersetorial entre vários campos que possam fortalecer e promover essa materialização no campo educacional”, explica Letícia. 

Um dos primeiros pontos é rever e fornecer mais materiais didáticos pautados pela perspectiva de equidade racial e que valorizem as três principais matrizes culturais do Brasil: indígena, africana e europeia. “Isso é contar a história do Brasil com dignidade e honestidade, mostrando o enriquecimento que a cultura africana trouxe para o país, porque é a influência de um continente inteiro no Brasil, e a diversidade das culturas indígenas que, mesmo após o processo de extinção, ainda é muito rica”, afirma Letícia.

Para tanto, é indispensável formação para os professores, gestores e equipes das Secretarias de Educação, bem como a promoção de um processo de ensino e aprendizagem mais contemporâneo.

“Essa escola antirracista precisa de infraestrutura digna, garantir o protagonismo dos estudantes, ter compromisso em formar cidadãos críticos e com autonomia, porque estamos falando de construir um ambiente de identificação e valorização. Isso impacta diretamente em mais aprendizagem e menos exclusão, porque todos os estudantes, especialmente os negros, negras e indígenas, podem se sentir pertencentes a esse espaço e com a possibilidade de se desenvolverem em todas as suas potencialidades”, diz Letícia. 

Para complementar, Giselle afirma: “Que a escola possa ser mais plural e mais respeitosa. Um espaço de formação de pessoas comprometidas com o enfrentamento ao racismo e que, consequentemente, esse debate se amplie para promover alternativas para uma sociedade mais justa”.

Confira abaixo as reportagens que analisam em profundidade cada uma das 10 propostas para a Educação do Plano País para a Infância e a Adolescência da Agenda 227:

Proposta 1: Pacto Federativo no Sistema Nacional de Educação (SNE)

Proposta 2: Direito à Educação e ao Desenvolvimento Pleno

Proposta 3: Oferta de matrículas, acesso e permanência

Proposta 4: Financiamento

Proposta 5: Valorização dos profissionais da Educação

Proposta 6: Gestão democrática e participativa

Proposta 7: Educação inclusiva

Proposta 9: Educação do Campo

Proposta 10: Educação Integral

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