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Como priorizar o direito à educação e ao desenvolvimento pleno?

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Educação e desenvolvimento pleno são direitos de todas as crianças e adolescentes. Afinal, “somos seres de aprendizagem”, como diz Maria Thereza Marcílio, presidente da ONG Avante – Educação e Mobilização Social. A fim de efetivar tais direitos, a Agenda 227 faz uma proposta:

“Implementar políticas educacionais de formação inicial e continuada, gestão e infraestrutura, com financiamento adequado, com o objetivo de garantir o direito à educação e ao desenvolvimento pleno de todas as crianças e adolescentes desde a creche, com equidade racial, territorial, de gênero e com relação às pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação”, diz a proposição 2 de Educação do Plano País Para a Infância e Adolescência, que é embasada no Plano Nacional de Educação (PNE).


O especial Educação no Centro do Debate — Eleições 2022 analisa em profundidade as 10 propostas para a Educação do Plano País Para a Infância e Adolescência com a participação de membros da Agenda 227, movimento apartidário que elaborou o documento. A Agenda 227 é composta por mais de 300 organizações da sociedade civil que vislumbram no processo eleitoral a oportunidade de colocar os direitos de crianças e adolescentes em foco no debate público e nos planos de governo.


“É importante constar na Constituição Federal tais direitos para fazer deles realidade, porque ainda não são. Temos mais de 388 anos de tradição de violência, dominação e escravização, que até hoje estruturam as formas de funcionamento do nosso país, frente a menos de 100 anos dessa concepção de escola”, destaca Maria Thereza.

Foi só na década de 30 que começou a surgir a noção e a luta por uma educação pública para todos e todas, gratuita, laica e de qualidade no Brasil. Quem primeiro transformou as palavras em ato foi Anísio Teixeira que, enquanto Secretário de Educação da Bahia, criou escolas públicas de alta qualidade em bairros periféricos para concretizar essas ideias.  

“De lá para cá, avançamos graças ao empenho de muita gente que pensa, sonha, faz, acontece, legisla e luta todos os dias. A construção de uma nação leva muito tempo e só se efetiva na medida em que a sociedade cobra e luta por isso – já sabemos o que precisa fazer, agora falta fazer. Como disse Anísio Teixeira: ‘Estamos possuídos de um desespero mudo pela ação’”, cita Maria Thereza.

O cenário educacional brasileiro pede urgência dessa ação. Entre os alunos do 5° ano e do 9° ano do Ensino Fundamental, não só a aprendizagem em Língua Portuguesa e Matemática é insuficiente, como há uma desigualdade expressiva no percentual de estudantes brancos e pretos com aprendizado adequado. 

No 5° ano, são cerca de 65% de estudantes brancos com aprendizado adequado, ante aproximadamente 40% de estudantes pretos. No 9° ano, há 46% de estudantes brancos contra 27% de estudantes pretos, de acordo com a análise dos dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) em 2019, feito pelo Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (IEDE) a pedido da Fundação Lemann.

Financiamento, gestão e infraestrutrura na Educação

A Constituição Federal traz o financiamento como um dos pilares centrais para materializar o direito à Educação e ao pleno desenvolvimento. Tanto é que o Artigo 212 determina: “A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino”. 

Embora estrutural, o financiamento da Educação vem sendo alvo de cortes nos últimos anos. Em 2016, foi aprovada a Emenda Constitucional 95, conhecida como Teto de Gastos, que congelou os investimentos públicos em Educação e Saúde por vinte anos, dificultando a garantia de vários direitos e a implementação do Plano Nacional de Educação (PNE). Desde então, diversas organizações e entidades educacionais lutam por sua revogação.

Além do limite de investimentos, a área da Educação também sofre com sucessivos cortes e, ao menos desde 2019, o Ministério da Educação (MEC) não executa todo o Orçamento, isto é, não investe a totalidade de recursos disponíveis e aprovados para o ano. Durante a pandemia, estados e municípios seguiram o mesmo caminho e foram desresponsabilizados por não cumprirem o investimento mínimo em Educação.

“Vemos ataques cotidianos ao financiamento que conquistamos a duras penas e que é o nosso pilar básico da Educação. Foi só no século XXI que isso se efetivou, por meio do Fundeb, que é de 2007. De 2014 para cá, o Fundo vem sofrendo ataques constantes e ainda sem regulamentar o Novo Fundeb e o Custo Aluno-Qualidade”, alerta Maria Thereza.

Além do financiamento, a Constituição também estipula a necessidade de um regime de colaboração entre os entes federados por uma pactuação técnica e financeira, com mais investimento para quem mais precisa, daí a importância do Sistema Nacional de Educação (SNE), e de um planejamento, que é o PNE. “A Legislação vai dizer que é assim que se consolida o direito à Educação”, diz Cida Freire, coordenadora da secretaria executiva da Rede Nacional Primeira Infância (RNPI).

A junção de um financiamento adequado e redistributivo com uma gestão integrada entre os entes federados é o que sustenta as demais condições para uma educação de qualidade, como a valorização dos profissionais da Educação e uma infraestrutura adequada, que vai garantir desde o transporte escolar para as crianças e adolescentes chegarem à escola, até os equipamentos, materiais, livros, salas, quadra, laboratórios e merenda nutritiva, isto é, todas as condições necessárias para ensinar e aprender.

Mas o desafio é grande. Ao menos 14,7 milhões de estudantes brasileiros (31,5%) enfrentam problemas relacionados ao acesso à internet, redes de esgoto, energia e água encanada e potável, como mostra um levantamento realizado pelo Instituto Rui Barbosa com base no Censo Escolar 2021. Outro estudo, feito pela Unesco em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), confirmou que escolas com infraestrutura inadequada registram desempenho pior no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).

“A infraestrutura importa porque um ambiente adequado é necessário para que o direito à Educação possa se materializar, para os profissionais, as famílias e os estudantes possam se encontrar e trocar e construir ideias, reflexões e debates, a fim de encaminhar aquilo que as pessoas acreditam ser o projeto ideal de Educação e de sociedade”, resume Cida.

Formação inicial e continuada para os professores

Outro ponto crucial para garantir o direito à Educação e ao pleno desenvolvimento das crianças e adolescentes, é ofertar uma formação inicial e continuada de qualidade para os professores. Afinal, são eles que estão em contato direto com os estudantes. 

“Não se faz educação improvisadamente. É preciso partir de uma formação inicial, idealmente com estágio desde o primeiro ano, e seguir estudando permanentemente, porque quem lida com conhecimento nunca está formado”, explica Maria Thereza, lembrando que a responsabilidade pela formação continuada é do empregador.

Na Educação Infantil, reforçar a necessidade de tal formação é especialmente importante, pois é recente a concepção da etapa enquanto promotora do cuidado e da educação mutuamente, adequada às especificidades dos estágios de desenvolvimento dos pequenos. 

Foi só em 2013 que a obrigatoriedade de matrícula das crianças passou de 6 para os 4 anos e em 2017 a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) da Educação Infantil vem reforçar tal concepção de educação. Em oposição a isso, há a ideia de que a etapa é um lugar para ficar enquanto a família trabalha ou como uma preparação para o Ensino Fundamental, ambas superadas pela Ciência da Educação.

“A LDB [Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional], no artigo 29, preceitua que a Educação Infantil é o lugar que as crianças precisam estar porque é lá onde existem profissionais competentes, que estudaram, que estão em formação contínua e é onde podem desenvolver seus aspectos físicos, afetivos, sociais, cognitivos e corporais”, afirma Cida. 

Embora central na garantia do direito à educação, a formação dos professores vem sofrendo desmontes, com ofertas de formação a distância, cursos rápidos e as defesas de que profissionais de outras áreas podem lecionar por notório saber, como um engenheiro dando aulas de Matemática, por exemplo. 

Em 2020, de acordo com o Censo Escolar, 86,6% dos professores da Educação Básica apresentavam escolaridade de nível superior, mas ao considerar a adequação da formação para lecionar em suas respectivas turmas ou áreas, verifica-se que, nos Anos Finais do Ensino Fundamental, apenas 60,3% das turmas possuíam professores com formação compatível e, no Ensino Médio, essa taxa passa para 65,3%. Em relação à formação continuada, apenas 39,5% dos professores possuíam cursos com mínimo de 80 horas.

“Vemos uma fragilização da formação, o que dá a ideia de que qualquer pessoa pode dar aula, e como pano de fundo uma desconstrução do papel do professor e de sua importância para a sociedade”, observa Maria Thereza.

Para Cida, a importância do professor reside em sua própria natureza de pesquisador movido pela necessidade de transformar o mundo. “Quanto mais eles tiverem a oportunidade de estudar, debater e refletir, mais vão se inquietar e é isso que faz a escola: provocar inquietações sobre o projeto de sociedade que construímos e reconstruímos no dia a dia – o que se faz na política começa na escola”, afirma.

Direito à Educação para todos

Para se efetivar enquanto um direito, tem que ser para todo mundo. “Se não for assim, não é Educação”, reforça Maria Thereza. Isso significa considerar cada ser humano em sua integralidade, inserido em um território que também tem suas características que permeiam a escola e os sujeitos, e tudo isso em um processo histórico e político. 

“O conceito de sujeito é individual, não temos uma categoria universal, então cada sujeito tem uma especificidade e ela precisa ser reconhecida e considerada. Nesse sentido, não há uma infância, há várias infâncias, várias juventudes, cada um com seus recortes”, explica Cida.

Assim, é preciso pensar em todo o trabalho pedagógico, nas imagens que decoram as paredes da escola, no perfil de contratações, sobretudo para cargos de coordenação e gestão, a partir de alguns marcadores sociais da diferença que, em alguns casos, se sobrepõem. 

“Raça é fundamental de ser olhada, sobretudo para os povos negros e originários que foram e ainda tem seus corpos, culturas, identidades e territórios violentados. Tem que se considerar a distribuição desigual de renda nos territórios e dar o melhor para quem tem menos. É reconhecer que violência não é da escola, é da sociedade e demanda a troca, respeito e acolhimento da comunidade e do território. É necessário atenção às pessoas com deficiência, que merecem e precisam da convivência, porque isso fará todos melhores. Muito cuidado com a população LGBTQIA+, meninas e meninos pela vulnerabilidade pela violência e exclusão escolar. Tem que se considerar isso tudo para de fato transformar a realidade de cada um e garantir aprendizagem e desenvolvimento pleno para todos e todas”, finaliza Maria Thereza.

Confira abaixo as reportagens que analisam em profundidade cada uma das 10 propostas para a Educação do Plano País para a Infância e a Adolescência da Agenda 227:

Proposta 1: Pacto Federativo no Sistema Nacional de Educação (SNE)

Proposta 3: Oferta de matrículas, acesso e permanência

Proposta 4: Financiamento

Proposta 5: Valorização dos profissionais da Educação

Proposta 6: Gestão democrática e participativa

Proposta 7: Educação inclusiva

Proposta 8: Educação com equidade étnico-racial

Proposta 9: Educação do Campo

Proposta 10: Educação Integral

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