Escola pública no DF dispensa aulas expositivas, séries e provas

Publicado dia 05/03/2018

Uma escola sem carteiras enfileiradas, provas, salas de aula, divisão por séries e turmas ainda é uma escola. É o que a Comunidade de Aprendizagem do Paranoá (CAP) quer reforçar.

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Com base em experiências de outras escolas-referência, como a Ponte, em Portugal, e a Âncora, em São Paulo, a CAP instaura mais um pólo de uma nova proposta pedagógica no Brasil, que prioriza o ensino do conteúdo previsto na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) por meio de projetos, oficinas e roteiros de estudo, deixando de lado as aulas expositivas.

“Em uma aula, pouco ou mesmo nada se aprende. Séries e turmas são segmentações fósseis, sem qualquer fundamento. Urge adotar práticas adequadas ao desenvolvimento de novas competências, às exigências do século XXI”, constata José Pacheco, um dos idealizadores da CAP.

Escolas não são prédios, são pessoas

Com previsão para ser inaugurada em março deste ano, a CAP está localizada a 15 quilômetros do centro de Brasília e atenderá 530 estudantes da Educação Infantil e dos três anos iniciais do Ensino Fundamental. Por tratar-se de uma escola pública, o acesso seguirá o mesmo procedimento de toda a rede de ensino.

Alguns dos valores escolhidos junto à comunidade para nortear a CAP

Crédito: Acervo pessoal/ Comunidade de Aprendizagem do Paranoá

A CAP também pressupõe, como explica Renata Resende, educadora do projeto, que a comunidade deve participar do processo de aprendizagem e que as crianças, por sua vez, aprendem nesta interlocução. Isto porque, no entendimento da escola, a rede de educadores vai muito além dos professores.

“Escolas são pessoas, não são edifícios. E todo o Paranoá é uma escola, que promove o encontro de pessoas”, diz Pacheco.

Assim, o edifício-sede da escola faz parte de uma rede extensa, composta por parques, bibliotecas, quadras de esporte e engloba, até mesmo, as residências. “Escolas são pessoas, não são edifícios. E todo o Paranoá [região administrativa de Brasília] é uma escola, que promove o encontro de pessoas, que aprendem umas com as outras, ‘mediatizadas pelo mundo’, como diria o saudoso Paulo Freire”, diz José Pacheco.

Erguendo uma nova educação

A origem da Comunidade de Aprendizagem do Paranoá está intimamente ligada à necessidade de transformar o modelo atual de escola. Educadores, preocupados com a evasão escolar, os altos índices de reprovação, o desinteresse e as desigualdades, reuniram-se para discutir estas questões juntos.

Foi nessa mesma época, há 4 anos, que chegaram a Paranoá cerca de 12 mil famílias por meio de um conjunto residencial do Minha Casa Minha Vida (MCMV), instalado em um bairro vulnerável, com pouca infraestrutura e quase nenhuma escola. O grupo de educadores viu, ali, uma oportunidade de abrir uma nova escola, atenta aos problemas do modelo atual de Educação.

“Fomos em todos os blocos desse residencial MCMV ouvindo as famílias, contando os nossos sonhos e ouvindo os deles. Foi surpreendente descobrir que os nossos anseios iam ao encontro das angústias das famílias. É a partir desses diálogos que nasce a comunidade de aprendizagem”, conta Renata Resende.

Adultos e crianças são ouvidos durantes o processo de construção da CAP

Crédito: Acervo pessoal/ Comunidade de Aprendizagem do Paranoá

Em seguida, a Secretaria de Educação do Distrito Federal reconheceu o projeto e a Universidade de Brasília deu o seu apoio.

Para José Pacheco, a CAP surge como alternativa a um modelo de escola produtor de analfabetismo, ignorância e desigualdade. “Substituímos a cultura da solidão da sala de aula por uma cultura de equipe, de corresponsabilização, em comunidade”, diz o educador.

Claudia Passos, coordenadora de projetos da empresa social EcoHabitare, parceira no processo de construção da CAP, afirma que não é possível haver mudanças sem entrar na escola.

“A escola é o lugar ideal para fazer transformação em escala. E, por isso, já estamos ampliando o desenho desse projeto por meio do Gaia Escola, porque ouvimos um grito de muitos educadores, famílias e alunos infelizes e insatisfeitos com a forma de se relacionar com o mundo e com a Educação”, observa Passos.

Currículo e avaliação

A iniciação começa com atividades de alfabetização linguística e lógico-matemática. E, em oficinas, são aprofundados conhecimentos de matemática, língua portuguesa, artes, e demais áreas disciplinares. A todo momento e em qualquer relação entre os diferentes pares, prevalece o foco no desenvolvimento integral dos estudantes.

No lugar de provas com notas de 0 a 10, a avaliação é feita de maneira contínua, processual e cumulativa, como já preconiza a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).

As rotinas não são fixas e respeitam as necessidades de cada aluno, de acordo com seu projeto de vida, roteiros de pesquisa e ritmo de aprendizagem. O método também estimula a autonomia dos estudantes.

No lugar de provas com notas de 0 a 10, a avaliação é feita de maneira contínua, processual e cumulativa.

Segundo o projeto, os alunos partem da identificação de necessidades pessoais e comunitárias, para empreender projetos de pesquisa em trabalho de equipe. Isso faz com que a aprendizagem tenha sentido e conexão com a realidade dos alunos. Em seguida, o conhecimento produzido é partilhado e transformado em ações, gerando competências.

“Os alunos produzem currículo numa tripla dimensão: a da subjetividade, a da comunidade e a universal, em equipes de pessoas autônomas e responsáveis, todas cuidando de si mesmas e de todo o resto, numa escola realmente pública”, explica Pacheco.

“Eu queria uma escola que ensine a viver em comunidade”, diz um dos pedidos vindos da comunidade

Crédito: Acervo pessoal/ Comunidade de Aprendizagem do Paranoá

O conteúdo a ser ensinado e aprendido segue as diretrizes da Base Nacional Comum Curricular. A maneira de ensinar e aprender é que muda. Por exemplo, no lugar de uma aula expositiva, as crianças podem construir um carrinho de rolimã e experimentar velocidades em chão liso, áspero, calcular quanto tempo leva de um lugar a outro, e como ele se comporta em uma subida ou descida.

“E para construir esse carrinho, por que não chamar um pai marceneiro?”, questiona a educadora da CAP Renata Resende. “Além de estar na legislação que a comunidade participe, não queremos uma escola em que a família só é chamada para as festas de sempre ou quando o filho faz uma coisa errada”, complementa.

Espaço físico

A estrutura principal da Comunidade de Aprendizagem do Paranoá é dividida em três espaços amplos, semelhantes a galpões, alugada pela secretaria de Educação. Haverá ainda salas multimídia, parquinho infantil, laboratório, refeitório e ateliê de artes, entre outros.

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Cláudia Passos, da EcoHabitare, que coordenou o projeto arquitetônico da CAP e a formação com os educadores, explica o intuito do formato da escola: “a nossa proposta são espaços em rede, amplos, abertos, que se conectam com outros espaços do território”.

Ela afirma, ainda, que a CAP é uma oportunidade de enraizar os recém-chegados pelo Minha Casa Minha Vida ao território e fortalecer um senso de comunidade e rede de apoio.

Para Pacheco, essas conexões são premissas para uma educação integral de todos e todas. “A aprendizagem não está centrada no professor, nem no aluno, mas na relação. E é da qualidade da relação que depende uma boa qualidade educacional”, finaliza.

Fundamentos básicos de Comunidade de Aprendizagem

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