publicado dia 20/12/2017

As comunidades de aprendizagem e o novo papel do professor

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Por Francisco Imbernón

Os acontecimentos sociais do final do último quarto de século levaram a instituição educativa a uma crise. Se a escola padece de uma crise, os profissionais que nela trabalham também a compartilham. Por isso, muitos professores hoje estão desorientados sobre o seu papel. A escola não é mais o que era há alguns anos (nem pode ser), nem os professores têm o mesmo papel. Suas funções mudaram; portanto, é preciso mudar sua forma de trabalhar.

Artigo publicado originalmente na revista Pátio, nº 51, de agosto/outubro de 2009.

Tudo isso e muito mais suscita a busca de alternativas à escolarização democrática de toda população. A escola, tal como a conhecemos, criada na modernidade do século XVIII, consolidada em suas funções de educação da cidadania no século XIX e renovada pelos movimentos da escola nova durante o século XX, tenta educar crianças do século XXI com professores formados em procedimentos educativos do século XX.

Não é nada estranho que, a partir dos movimentos mais preocupados com uma melhor educação da infância, sejam buscadas alternativas de mudança. E uma das possíveis alternativas que surgiu nos últimos anos foi a de converter a escola em uma comunidade de aprendizagem, ou seja, visto que a escola mostra-se impotente para educar sozinha todas as crianças em uma sociedade democrática, ela necessita da intervenção, de pleno direito, de todas as instâncias de socialização que intervêm na educação das crianças em um determinado contexto (família, associações, empresas, organismos oficiais, voluntários, administrações, etc.).

Amplia-se a noção de sala de aula, assim como as possibilidades e funções educativas desse espaço

É uma alternativa para que todos adquirem as aprendizagens que lhes permitam desenvolver-se na sociedade do futuro, evitar o fracasso escolar, a desigualdade de aprendizagens e a exclusão social de muitas crianças.

Origem e princípio pedagógico da inovação educativa

As primeiras experiências de participação da comunidade são encontradas nos Estados Unidos e em alguns países sul-americanos no início dos anos 1980. Essas experiências recebem nomes diversos. Podem-se destacas as de Levin (Escolas Aceleradas), de Slavin (Sucess for All) e de Corner, em Yale, assim como Every Parent a Volunteer e Transforming Community Schools into Open Learning Communities.

Todas essas experiências têm em comum o objetivo de converter a escola em um verdadeiro agente de transformação social (a escola é uma das principais instituições culturais existentes), propiciar uma maior aprendizagem por parte dos alunos, potencializando sua autoestima (e naturalmente a dos professores) e possibilitando a aquisição durante a escolarização de conhecimentos e habilidades que lhes proporcionam igualdade de oportunidades com os alunos escolarizados em condições mais favoráveis. A partir daqui se propõe uma escola na qual predomina o diálogo, a participação, a cooperação e a solidariedade entre todos os que fazem parte da comunidade educativa, com o objetivo de melhorar a educação das crianças.

A mudança na organização escolas

Transformar a escola em uma comunidade de aprendizagem implica uma importante mudança nas relações de poder na escola. É imprescindível a mudança da organização da escola, já que ela está subordinada aos objetivos e às tarefas propostas por todas. A organização, a partir de agora, está subordinada às prioridades definidas pela comunidade.

O prédio escolar, com a estrutura arquitetônica e a forma de se organizar dentro dele, corresponde hoje a uma escola do passado, pensada para ensinar as crianças e para o trabalho dos professores de outras épocas. O novo projeto de educação comunitária requer uma organização diferente, que encontre fórmulas alternativas à organização escolas tradicional. É necessária uma organização escolar não estática e participativa que possibilite uma melhor aprendizagem e que rompa com o isolamento dos professores, com a estrutura de salas de aula fechadas. Além disso, a liderança escolar deve ser compartilhada mediante o convívio com iguais.

Isso implica atribuir um novo papel ao conselho escolar, à equipe de direção (que é muito importante, já que facilita as reuniões, informa, favorece a comunicação, valoriza o trabalho, delega funções e te um papel-chave no desenvolvimento da comunidade, sobretudo como estimuladora e dinamizadora das medidas de transformação adotadas) e às comissões escolares, que passarão a ser mistas (comunidade-professores) e comandarão a vida da escola (por exemplo, comissão gestora, de novas tecnologias, de relações externas, de organização ou de estratégias pedagógicas, curricular, do refeitório, do voluntariado, extra escolar, etc., ou as que a escola decidir). A organização escolar colaborará com as comissões da escola para que eles definem suas funções e sirvam como instrumentos de participação de todos os membros da comunidade.

Em resumo, a mudança na organização implica a organização de comissões de trabalho, a organização do voluntariado, a otimização de recursos, a delegação de responsabilidades e o aumento dos serviços da escola e da organização da sala de aula, já que a experiência propõe uma nova configuração de grupos, horários, entrada, saída, pátio, refeitório, biblioteca, espaços externos, etc., uma otimização real do espaço escolar e do tempo de atividades dos alunos, uma metodologia baseada nos agrupamentos flexíveis e a aprendizagem baseada na cooperação e no diálogo.

A sala de aula nas comunidades de aprendizagem

Muda, assim, a metodologia didática. Entram mais pessoas na sala de aula. Todos os professores são mestres de todos. Trabalha-se com aprendizagem recíproca e cooperativa. Amplia-se a noção de sala de aula, assim como as possibilidades e função educativas desse espaço. Não se trata necessariamente de um lugar entre quatro paredes, mas sim de qualquer âmbito onde se estabeleça uma relação educativa entre alunos e entre professores e alunos.

A cooperação e o diálogo exercem um papel fundamental na construção das aprendizagens das crianças

Essa reconceitualização amplia o grau de responsabilidade e de autonomia dos profissionais na sua gestão e destaca o papel ativo que têm também os próprios alunos na regulação dos intercâmbios, assim como os parâmetros de referências sob os quais atuam: o tempo, os espaços, as normas, seus referentes e os estilos comunicativos, tudo isso possui um enorme potencial explicativo e de possibilidades formativas e autoformativas para os professores.

Entre as novas conceitualizações que as diferentes linhas de trabalho fizeram emergir nas salas de aula: destacam-se que estas:

  • são contextos que permitem a elaboração, por parte dos indivíduos, de uma cultura própria no seio do grupo, e não apenas a reprodução padronizada da cultura social ou acadêmica dominante;
  • representam instâncias relevantes para a elaboração, por parte dos próprios integrantes, de suas concepções e práticas de ensino e aprendizagem, a partir das tarefas realizadas, das experiências e das interações vividas;
  • criam múltiplas situações de comunicação e de uso tanto da linguagem oral e escrita quanto dos diversos códigos de relação interpessoal, a partir dos níveis, registros e códigos dos próprios integrantes;
  • constituem um espaço significativo na tomada de consciência do indivíduo como ser social e para a realização da aprendizagem das relações de poder, seja entre adulto e alunos ou entre iguais;
  • produzem no indivíduo oportunidades para a reelaboração de imagens mais ou menos positivas sobre si mesmo e para a reinterpretação do ser social de cada um de seus componentes a partir das situações vividas.

Nesse sentido, todas as pessoas que ocupam os espaços educativos desempenham papéis de agentes ativos na construção de normas, na reelaboração das normas sociais, dos valores e na construção de regras de relação social. Além disso, os efeitos de natureza social e afetiva que se produzem no seio do grupo são extraordinariamente importantes para os indivíduos, porque incidem na sua própria autoestima e mitigam o impacto de uma determinada ação educativa ou institucional sobre o indivíduo.

O papel dos professores na sequência do trabalho didático

Na experiência de comunidades de aprendizagem, a cooperação e o diálogo exercem um papel fundamental na construção das aprendizagens das crianças. Essa cooperação e esse diálogo são considerados de quatro pontos de vista.

  1. Como estratégia de desenvolvimento cognoscitivo: o enfoque sociocultural reelaborou três noções para explicar o processo segundo o qual um indivíduo desenvolve habilidades cognoscitivas, noções que serão básicas em toda a corrente histórica da pedagogia ativa, mas que agora possuem uma maior fundamentação e base operativa, a saber:
  • a noção de aprendizagem, na qual se destaca o papel ativo dos alunos em seu desenvolvimento, o apoio também ativo de outros atores sociais na organização de certas atividades ou tarefas e a dimensão sociocultural dos contextos institucionais, das tecnologias e dos propósitos da atividade cognoscitiva, um apoio que requer uma relação de interdependência. A partir dessa conceitualização, o desenvolvimento na compreensão dos conceitos não é apenas um fato intelectual, mas também um objetivo social;
  • a noção de participação guiada, que implica necessariamente a interação interindividual, o cara a ara, o ombro a ombro em uma determinada atividade;
  • a noção de apropriação, que define o desenvolvimento como um processo dinâmico, resultante da participação ativa individual em atividades organizadas culturalmente. Não distingue entre o externo e o interno, em contraste com a noção de interiorização, tal como a conceitualizaram as teorias condutistas.
  1. Como metodologia para a interação: para a comunicação na resolução de problemas, no contraste de procedimentos ou na construção de conceitos e de esquemas, sejam aqueles de caráter cognoscitivo, ético ou procedimental.
  2. Como organização do trabalho: favorece hábitos metacognoscitivos e de autoavaliação.
  3. Como estratégia para a socialização: traz implícitos determinados valores sociais (de integração acadêmica, de gênero, social e cultural) de cooperação, assim como a participação e o favorecimento da autonomia moral e da iniciativa pessoal dos alunos.

Quatro pontos de vista a considerar

Do ponto de vista social, a comunidade de aprendizagem é uma proposta orientada à construção de cenários educativos inovadores na escola, mediante a participação dos vários agendes sociais que formam a comunidade de aprendizagem: os alunos, a universidade, a escola, as equipes docentes, as família, a comunidade local, etc. Cada um desses agentes traz ao programa elementos valiosos, que contribuem para que este perdure a longo prazo.

Do ponto de vista acadêmico, o projeto de comunidades de aprendizagem busca essencialmente desenvolver habilidades socioafetivas, cognoscitivas e psicolinguísticas nos alunos mediante sua participação ativa em comunidades educativas, cujos membros realizam atividades demarcadas em um ambiente de aprendizagem. Esse programa oferece amplas oportunidades cotidianas para a interação social, a comunidade oral e escrita e a prática na solução de problemas de natureza diversa.

Do ponto de vista do processo de transformação, o projeto das comunidades de aprendizagem é construído mediante o desenvolvimento de uma série de fases, das quais participam de forma cooperativa e baseada no diálogo dos diferentes agentes socializadores que intervêm no “ato educativo”.

Do ponto de vista de formação, assessoramente e coordenação, o projeto das comunidades de aprendizagem está aberto à comunidade e deve ser entendido como tal. Esse projeto de inovação das comunidades de aprendizagem é uma alternativa possível à instituição escolar que pretende alcançar uma melhor e maior aprendizagem dos alunos e evitar que, em uma sociedade democrática, muitas crianças sejam excluídas socialmente.

Francisco Imbernón é professor do Departamento de Didática e Organização Educativa da Universidade de Barcelona. Contato: [email protected]

Os caminhos trilhados pelas Comunidades de Aprendizagem na América Latina

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