publicado dia 02/12/2022

Educação integral e tempo ampliado no Ensino Médio: quais modelos promovem direitos?

Reportagem:

O “1° Seminário Nacional de Educação Integral – Por uma agenda de direitos e políticas intersetoriais na reconstrução da democracia”, que aconteceu nos dias 25 e 26 de novembro em Diadema (SP), trouxe duas experiências de Ensino Médio para discutir como as políticas educacionais de extensão da jornada e de implementação da concepção de educação integral podem fortalecer ou minar os direitos dos adolescentes.

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A primeira experiência contou sobre o trabalho do Complexo Integrado de Educação (CIE) de Porto Seguro, na Bahia, estado que vem fazendo uma releitura das Escolas Parque de Anísio Teixeira para a rede atual e o mundo contemporâneo. A unidade, que atende estudantes de Ensino Médio em tempo integral e Educação de Jovens e Adultos, possui em seu projeto pedagógico a Estação dos Saberes. 

O 1º Seminário Nacional de Educação Integral foi organizado pela Prefeitura de Diadema (SP), pela Secretaria Municipal de Educação de Diadema, pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), pelo Observatório Nacional de Educação Integral, Cidade Escola Aprendiz e o Centro de Referências em Educação Integral.

Tratam-se de oficinas que acontecem duas vezes por semana e são ministradas por professores ou pessoas qualificadas da comunidade, como marisqueiras e estudantes da EJA. Todo ano é eleito um tema norteador das atividades e, para 2022, tem sido “Olhar a vida como um projeto”, em que abordam a consciência de si, do outro e o planejamento necessário para atingir objetivos. 

“Tem fanfarra, teatro, dança, horta, xadrez e oficina de cerâmica Pataxó. Tem professor de Física dando aula de Karatê, que ensina a luta e os conceitos da área de conhecimento”, relatou Wellington Salgado, professor de Filosofia e articulador da unidade.

No CIE, há grêmio, conselho estudantil e representantes de classe. Os professores trabalham coletivamente por área de conhecimento, buscando resgatar a rica memória do território, promover pertencimento, leitura crítica de mundo e o cuidado consigo, com o outro e com o planeta, das aulas de Química às de Educação Física. 

“Para isso, contamos com a parceria da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) desde 2016, que apoia na formação dos professores para criarmos uma nova escola”, disse Wellington.

Programa de Ensino Integral (PEI) em São Paulo 

Já na rede estadual de São Paulo está em curso desde 2012 a implementação do Programa Ensino Integral (PEI), cujas características principais são a extensão da jornada para 7 ou 9 horas diárias, com foco no protagonismo juvenil, clubes, projeto de vida e eletivas, bem como a articulação à Reforma do Ensino Médio. 

A princípio, o objetivo do PEI era alcançar 10% da rede. Em 2023, essa taxa vai chegar a 45%, atingindo 2311 escolas, um aumento que teve início em 2018, durante o governo de João Doria (PSDB).

Para avaliar o programa e entender se ele garante equidade ou reproduz as desigualdades do sistema educacional, a Rede Escola Pública e Universidade (REPU) vem se dedicando a estudá-lo. Eduardo Girotto, professor na Universidade de São Paulo (USP) e membro da REPU, afirmou: “Temos percebido que o programa significa menos direito à educação”. 

“Temos percebido que o programa significa menos direito à educação”, disse Eduardo Girotto

Isso porque o PEI não expandiu a rede para implementar o programa, fechando metade das vagas, sobretudo da EJA e do Ensino Médio noturno, para ofertar o tempo integral. “Vimos casos de escolas que tinham 800 matrículas antes do PEI e hoje tem 123”, disse Eduardo, “e isso não é dito para os estudantes, que votam a favor do tempo integral sem saber que provavelmente não ficarão lá, porque não terá vaga para todo mundo”. 

Nesse processo, a REPU identificou que os estudantes que são excluídos da escola são pretos, pardos, indígenas e beneficiários do Bolsa Família, produzindo o que o grupo tem chamado de “gentrificação escolar”. O termo, utilizado para expressar mudanças nos espaços urbanos, em que bairros ocupados pela classe trabalhadora e negra, passam por transformações que indiretamente expulsam os mais pobres e se tornam bairros de classe média e alta. 

“Há um processo semelhante com o PEI. Se não tem vaga para todo mundo, quem tem condições de ficar nessa escola? Este não é um erro de implementação da política, mas seu objetivo, a fim de colocar São Paulo entre os  melhores Idebs do país”, observou Eduardo. 

Isso porque sem oferecer uma contrapartida para os estudantes permanecerem 7 ou 9 horas estudando, como distribuição de renda e bolsa permanência, os estudantes mais vulneráveis são expulsos da escola. “O PEI constrói a escola do impossível, porque é impossível permanecer nela para a maior parte dos estudantes, diferentemente da experiência da Bahia”, analisou Eduardo. 

Para o pesquisador, é fundamental realizar uma análise concreta dos processos de implementação dos diferentes modelos de Educação Integral no país para termos um panorama de quais programas garantem equidade, servem para juventude, do ponto de vista de afirmação de seus direitos, e quais precisam ser criticados e negados.

Assista aos dois dias de evento e leia as demais reportagens de cobertura do 1º Seminário Nacional de Educação Integral:

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