publicado dia 25/11/2022

Educação integral é chave para enfrentar os atuais desafios do Brasil

Reportagem:

O “1° Seminário Nacional de Educação Integral – Por uma agenda de direitos e políticas intersetoriais na reconstrução da democracia”, que acontece entre 25 e 26 de novembro, com transmissão online e de forma presencial em Diadema (SP), começou com a mesa “Concepção e políticas de Educação Integral: retrocessos e perspectivas para o país”. 

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As convidadas debateram em que medida a educação integral, inspirada no legado de Paulo Freire, Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira, Maria Nilde Mascelani, entre outros e outras, pode apoiar no enfrentamento aos desafios contemporâneos do Brasil.

Na experiência de implementação da educação integral em Diadema (SP), inspirada no Programa Mais Educação, a construção coletiva das escolas, pelos estudantes, suas famílias, educadores e funcionários, têm sido o caminho para garantir que ela faça sentido para a vida desses sujeitos. 

“Nosso programa de educação integral tem o pressuposto da proteção integral acima de tudo, que ela sirva a esse povo pobre, preto, periférico que estamos atendendo, para que a escola seja um ambiente limpo, organizado, feliz e que as crianças tenham as melhores oportunidades educativas”, disse Ana Lúcia Sanches, Secretária Municipal de Educação de Diadema (SP).

Parte estruturante deste trabalho é a realização permanente de assembleias populares envolvendo toda a comunidade escolar e a construção coletiva do Projeto Político Pedagógico de cada unidade, que começa, todo ano letivo, com educadores e educadoras percorrendo o entorno de suas escolas para conhecer a realidade com que estão lidando e as potências educativas desse território.

“Chamamos a isso de leitura de mundo. Nenhum educador pode dar aula em uma sala fechada, sem olhar para o lugar onde está, sem um compromisso ético, político e pedagógico com esse território”, reforçou Ana Lúcia.

Desse território fazem parte, por exemplo, os saberes indígenas e africanos, que não podem ficar de fora de qualquer proposta pedagógica que vise construir novos horizontes para o Brasil. É o que defendeu Jaqueline Moll, professora na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e membro do Observatório Nacional de Educação Integral.

Citando Paulo Freire, a especialista disse que só existe futuro para o Brasil se o presente for transformado, e os primeiros passos nessa direção está na construção de uma escola menos dividia, que valorize sua diversidade e construa coletivamente seu papel para aquela comunidade. 

“Não precisaríamos de uma educação integral se não tivéssemos escolas parciais, em muitas dimensões, como um currículo que divide conhecimento nas disciplinas e com o que está além dos muros da escola”, disse Jaqueline.

Retomando a formulação de Anísio Teixeira sobre a importância da escola pública para a construção da máquina da democracia no Brasil, Jaqueline destacou que esse é o principal desafio para o país hoje. 

“Nossa democracia frágil, descontinuada e sem densidade, só pode ser efetivamente fortalecida se tivermos a escola pública de Anísio Teixeira, sempre obstruída pelas forças reacionárias. O atraso educacional está intimamente ligado à fragilidade da democracia, então precisamos de uma escola que todos, todas, todes entrem, permaneçam e aprendam, para além da necessidade de prestar provas”, pontuou Jaqueline. 

Macaé Evaristo, deputada estadual (PT) eleita por Minas Gerais e ex-secretária de Educação de Belo Horizonte (MG) e do Estado de Minas Gerais, que também participou da mesa, reforçou que para atingir o objetivo de fortalecer a democracia é preciso uma educação que olhe verdadeiramente para os negros, indígenas, mulheres e as populações empobrecida, e construa com eles uma educação de qualidade.

“Com direito a formação humana plena, que respeite a especificidade de cada tempo humano: as infâncias, adolescências, juventudes e vidas adultas. E digo isso no plural porque existem diferentes vivências desse tempo. Sabemos, por exemplo, que viver essa pandemia para as infâncias das periferias, negras, guarda muita distância das infâncias da classe média, rica do país”, disse Macaé.

Tudo isso demanda, portanto, recuperar um conjunto de políticas públicas que articulem a política educacional às políticas de diversidade, igualdade de raça e gênero, de proteção, direito à vida, à terra e ao teto, de transferência de renda, segurança alimentar e saúde, à exemplo do que propunha o Programa Mais Educação.

“É fazer um trabalho com dessas crianças, adolescentes e adultos a partir da sua história de vida e cultura, não como se fossem sujeitos sem história”, disse Macaé Evaristo.

“Nas escolas, é garantir a centralidade dos estudantes, repensar os modos de organização do trabalho escolar, da lógica dos conteúdos e da seriação. É fazer um trabalho com dessas crianças, adolescentes e adultos a partir da sua história de vida e cultura, não como se fossem sujeitos sem história, sem vários aprendizados, inclusive no seu corpo físico”, explicou Macaé. 

Ao construir uma escola que parte de seus sujeitos, combate-se, também, a exclusão escolar. “O risco de se pensar modelos únicos e centralizados de escola é reforçar a trajetória de exclusão. Estamos dizendo que cabem aqueles que couberem, porque a centralidade está nos dispositivos e não nos sujeitos”, afirmou Natacha Costa, diretora executiva da Cidade Escola Aprendiz e do Centro de Referências em Educação Integral.

Natacha também reafirmou que a importância da educação integral, enquanto concepção, está no fato de que ela compreende cada criança, adolescente, jovem, adulto e idoso como sujeitos inteiros, para além de sua dimensão cognitiva. “Queremos romper com a tradição de que corpo e afetos atrapalham a escola. As pessoas são tudo isso ao mesmo tempo”, disse.

Para tanto, faz-se necessário diversificar as oportunidades pedagógicas para além da lousa e da sala de aula. “Não por inovação, mas para dar conta do fato de que as pessoas são inteiras”, defendeu Natacha. 

Os desafios para concretizar essa perspectiva, contudo, são grandes. Há 33 milhões de pessoas sem ter o que comer no Brasil, a exclusão escolar durante a pandemia foi grave e há falta de dados para mensurá-la, a universalização do Ensino Fundamental não é mais uma realidade, a cobertura e o número de estudantes atendidos pela educação integral passou de 42 mil escolas para 27 mil, e as metas do Plano Nacional de Educação (PNE) não apenas não avançaram, como retrocederam.

“Estamos sempre voltando para um ponto de ruptura porque nosso projeto não é facilmente aceito por um país estruturalmente racista, classista, machista”, explicou Natacha, afirmando que, hoje, criar e recriar essa escola, por todo o território nacional, demanda quatro tarefas centrais:

“O direito à educação é indissociável dos demais direitos sociais”, afirmou Natacha Costa.

“A educação integral precisa ser pensada como referencial para o currículo das redes e escolas. Que debate curricular vai ser feito no âmbito do PPP, do planejamento dos professores e da rede, para dar conta de um currículo contextualizado que olha para os desafios colocados? A avaliação externa, que tem seu papel, precisa ser repensada, no sentido de pensar a avaliação como aprendizagem, porque avaliação da aprendizagem é controle, não parte do currículo, parte do processo de aprender, de reflexão para os professores”, explicou Natacha sobre os dois primeiros pontos. 

Em seguida, ela pontuou a necessidade de retomar o investimento em ampliação da jornada para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, com o objetivo de fazer todos os estudantes alcançarem o Ensino Médio com qualidade e promover a perspectiva intersetorial. “O direito à educação é indissociável dos demais direitos sociais”, finalizou.

Assista aos dois dias de evento e leia as demais reportagens de cobertura do 1º Seminário Nacional de Educação Integral:

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