publicado dia 05/09/2023

II Seminário Nacional de Educação Integral debate escola pública e democracia

por

🗒Resumo: A concepção de Educação que um país adota dita os rumos da nação. Daí a necessidade de pensar políticas públicas educacionais e o trabalho das escolas coletivamente e em meio a um contexto histórico e social. Esse foi o norte das discussões da primeira mesa do II Seminário Nacional de Educação Integral, que debateu democracia, currículo e garantia de direitos. 

Nesta segunda-feira (04/09) começou o II Seminário Nacional de Educação Integral, realizado na Universidade Federal da Bahia (UFBA), em Salvador (BA). O debate que abriu o evento defendeu que definir a concepção de Educação que vai nortear as políticas públicas e os trabalhos das escolas significa debater a sociedade que se deseja formar e, portanto, os rumos do Brasil.

Leia + Educação Integral: mais tempo na escola para quê?

A reflexão aconteceu durante a mesa “Política nacional de Educação Integral em tempo integral: aprendizagens históricas e perspectivas atuais”, mediada por Natacha Costa, diretora executiva da Associação Cidade Escola Aprendiz.

“Precisamos redemocratizar ou democratizar pela primeira vez a sociedade brasileira e isso não vai acontecer sem a escola pública”, disse.

Nesse sentido, a Educação Integral se insere nesse debate enquanto concepção, não como modalidade, que prevê, dentre outros fatores, um compromisso com o enfrentamento às desigualdades e a preservação da autonomia das escolas. 

“Temos professores recebendo planilhas do que tem que ensinar, com fiscais que verificam se foi ou não ensinado. As escolas não são implementadoras de planos de aula, elas precisam ser formuladoras de política”, afirmou Natacha. 

A especialista denunciou, ainda, o silenciamento nas escolas das questões identitárias, sociais, raciais, de gênero, sexualidade, territoriais e religiosas, sobretudo de matriz africana.

Assista à mesa de abertura e ao primeiro debate na íntegra: 

Educação Integral e democracia

Retomando John Dewey (1859-1952), que afirmou que “a democracia deve renascer a cada geração e a educação é sua parteira”, e Anísio Teixeira (1900-1971), que escreveu “somente esta [a educação] não é consequência da democracia, mas sua base, o seu fundamento, a condição mesma para sua existência”, Jaqueline Moll abriu sua fala. 

Pesquisadora e professora na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Jaqueline atuou como diretora de Currículos e Educação Integral da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), onde foi responsável pelo desenho e implementação do Mais Educação. 

“Todos os nossos grandes projetos para a Educação foram golpeados, e o Mais Educação foi o primeiro, porque eles sabem que estávamos no caminho que ia superar o servilismo da maior parte da população brasileira, o que ia mudar o país. Isto foi interrompido em 2016 e temos que ser muito vigilantes, porque é um pensamento vivo na sociedade”, alertou a educadora.

“A Educação Integral não significa mais tempo na escola para fazer mais prova e selecionar melhor quem vai servir ao capitalismo. É para todo mundo viver com mais qualidade”, diz Jaqueline Moll

Para tanto, é preciso uma escola que atenda a todas as pessoas com qualidade – uma mesma escola para ricos e pobres. Jaqueline explicou que isso passa por fortalecer a Educação de Jovens e Adultos (EJA) e impedir que outras pessoas sejam excluídas das escolas. Promover o acesso aos museus, teatros e salas de cultura para todos e que a cultura clássica e popular façam parte dos currículos.

Também depende de articulação intersetorial, recursos públicos para a educação pública e formação de professores pelas universidades públicas. Em poucos termos, uma escola pública, comunitária, universal, integral, integrada e de qualidade social. Que seja acolhedora, viva, dialógica, inclusiva, democrática e cidadã, a exemplo das Escolas-Parque de Anísio Teixeira, dos CIEPS de Darcy Ribeiro e os Ginásios Vocacionais de Maria Nilde Mascellani.

“A Educação Integral não significa mais tempo na escola para fazer mais prova e selecionar melhor quem vai servir ao capitalismo. É para todo mundo viver com mais qualidade”, afirmou a professora.

Do ponto de vista das políticas públicas, Jaqueline destacou a importância de revogar o Novo Ensino Médio, implementar o Sistema Nacional de Educação e retomar as aprendizagens que o Mais Educação deixou, sobretudo por permitir autonomia para as escolas organizarem seus trabalhos à luz da legislação, mas também da sua vida e de suas comunidades.

“Nosso grande desafio é fazer o ritmo do coração do Brasil pulsar nas nossas escolas. Como pode haver tanta quietude em um país que tem dança, canto, teatro, vida? Precisamos descolonizar nossa escola e mudar o currículo, para que o PISA deixe de ser a medida da educação nacional. Queremos que as crianças aprendam Matemática e Língua Portuguesa, mas para compreender o Brasil, a América Latina e mundo e para se colocarem de outro jeito nesse mundo”, disse.

Século 21, a era dos direitos

O historiador britânico Eric Hobsbawm (1917 – 2012) propunha que o século 18 era o século das revoluções, o 19, dos imperialismos e o 20, dos extremos.

“O terceiro milênio inaugurou a era dos direitos. Dos direitos civis, políticos, sociais, econômicos, ecológicos, de gênero, e é nessa era que temos que retomar a luta pela educação digna, humanizada, de qualidade, para todos os brasileiros e brasileiras”, afirmou César Nunes, professor de Filosofia da Educação na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e livre docente em Educação pela mesma instituição.

Assim, revogar o Novo Ensino Médio se faz fundamental, defendeu o educador: “Querem mercantilizar a etapa, vender itinerários formativos, material didático, fazer do professor um mero distribuidor precarizado”. 

A influência do Ensino Superior na Educação Básica também merece atenção. Ele destaca que 86% da formação de professores é feita em instituições privadas e que “o Ensino Superior busca colonizar o Ensino Médio, que por sua vez coloniza o Ensino Fundamental, que vem tentando colonizar a Educação Infantil”. 

Seria necessário, portanto, inverter a lógica e promover uma Educação Infantil e Integral que transforme as demais etapas, a partir da construção de diretrizes curriculares e de gestão elaboradas a partir dos ideais dos trabalhadores, das aldeias, dos quilombos e das comunidades.

“Temos que retomar a Educação como direito, recuperar o Mais Educação, reconstituir o conteúdo afrobrasileiro na escola, o nome social e todos os direitos. A precarização da Educação é para produzir a precarização do trabalho, o que fundamenta a nova lei do Ensino Médio e da reforma trabalhista, que precisam ser revogadas porque estão destruindo por dentro a Educação e a escola brasileira”, disse César.

O currículo na Educação Integral

Um currículo padronizado, que vem de fora das escolas, somado a uma formação tecnicista e sucateada de professores, em meio a um capitalismo selvagem, vem formando sujeitos mais competitivos, egoístas e que veem o mundo a partir das lentes da dicotomia: “eu quero ser mais do que o outro”, disse Branca Jurema Ponce, filósofa, pedagoga, pesquisadora e professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

“A economia neoliberal nega a formação do ser humano. O ser e a vida deixaram de ser uma preocupação da escola. Foca-se apenas na reprodução do sistema”, complementou.

Combater essa lógica passa por garantir a todos o acesso ao conhecimento que, enquanto forma de humanização, deve estar nas mãos dos professores e professoras. 

“O capitalismo vê professores como funcionários do currículo. Ouço muitos educadores dizendo que essa BNCC não funciona e é porque ser humano não é para funcionar, é para ser. As escolas precisam produzir os currículos e temos sabedoria para isso. Ele é a alma da escola quando produzido pelos professores, gestores, crianças e pais”, definiu Branca. 

Educação Integral como barreira à necropolítica 

“As vidas que chegam todos os dias na nossa escola, como diz Miguel Arroyo, muitas delas são vidas ameaçadas por um sistema de morte e a educação integral é uma fronteira que pode empurrar essas pessoas para a morte ou enlaçá-las no laço social da vida”, disse Alexsandro Santos, diretor nacional de Políticas e Diretrizes da Educação Integral Básica do Ministério da Educação e doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP).

“O silenciamento de vozes negras, dos povos originários, de LGBTQIA+ e pessoas em situação de vulnerabilidade social, é um testemunho da necropolítica que temos praticado no sistema social brasileiro e que, ao entrar na escola, invisibiliza esses sujeitos no currículo e faz com que eles desapareçam da escola, mesmo que o corpo ainda esteja lá”, afirma Alexsandro Santos.

É assim que o especialista explica a Educação Integral: aquela que olha por inteiro para os sujeitos e para os processos sociais. Dessa forma, é impossível um fazer pedagógico que desconsidere os demais direitos dos estudantes, o que demanda atuação intersetorial da rede de proteção social. 

Ao fazer isso, garantindo mais direitos para quem mais precisa, a Educação pode ser fonte de promoção de equidade, desde que o currículo também acompanhe o movimento.

“O silenciamento de vozes negras, dos povos originários, de LGBTQIA+ e pessoas em situação de vulnerabilidade social, é um testemunho da necropolítica que temos praticado no sistema social brasileiro e que, ao entrar na escola, invisibiliza esses sujeitos no currículo e faz com que eles desapareçam da escola, mesmo que o corpo ainda esteja lá”, afirmou Alexsandro.

Práticas educativas conectadas à vida comunitária e ao território são o antídoto, uma vez que dão sentido à existência da escola e à sua função social. “Não significa que as escolas não terão o compromisso com a garantia do conjunto de saberes que é pra todo mundo ter, mas vão fazer a partir da sua história, comunidade, identidade”, definiu.

Para o especialista, há esperança de construir essa Educação e, portanto, este país. “A Nilma Lino Gomes nos lembra que o Movimento Negro é educador da sociedade brasileira, porque ele pratica a política social, de disputa de mundos, todos os dias. Nos mantemos ativos e pautando os avanços da sociedade. Temos que entender que a sociedade é organizada para excluir, matar e produzir desigualdades, mas podemos desorganizar essa organização a partir da luta coletiva, com uma visão sobre o que é emancipação humana e sobre para onde a Educação deve ir e respeitando e aprendendo com a nossa história”, finalizou.

Começa o II Seminário Nacional de Educação Integral na UFBA

As plataformas da Cidade Escola Aprendiz utilizam cookies e tecnologias semelhantes, como explicado em nossa Política de Privacidade, para recomendar conteúdo e publicidade.
Ao navegar por nosso conteúdo, o usuário aceita tais condições.