publicado dia 25/06/2019
Guia apresenta metodologia para educação integral no território
Reportagem: Da Redação
publicado dia 25/06/2019
Reportagem: Da Redação
A aplicação de uma política de educação integral demanda ações que vão além da escola e envolvem parcerias com toda a comunidade. Nos projetos do “Bairro-Escola Rio Vermelho”, em Salvador (BA), e “Transformando São Miguel dos Campos pela Educação”, em São Miguel dos Campos (AL), o Instituto Inspirare, seus parceiros, fóruns e grupos locais somaram esforços para colocar em prática uma concepção de educação orientada a desenvolver crianças, adolescentes e jovens em suas dimensões física, cognitiva, intelectual, afetiva, social e ética. O resultado e a metodologia que detalha como esse trabalho foi feito agora está disponível no Guia Educação Integral no Território.
Entre os parceiros do Instituto Inspirare nos projetos “Bairro-Escola Rio Vermelho” e “Transformando São Miguel dos Campos pela Educação” estão o Centro de Referências em Educação Integral e a Cidade Escola Aprendiz
A metodologia adotada nos dois programas tem como ponto comum o fato de partir da escuta das pessoas para conhecer suas realidades, compartilhar desafios, mapear oportunidades, reconhecer o potencial do território e dos indivíduos para planejar e executar soluções em conjunto. A sistematização dessas práticas tem como objetivo demonstrar como acontece a busca e articulação de parceiros, a elaboração de um plano de educação integral, sua implementação e monitoramento com vistas à sustentabilidade.
Trata-se de um processo cíclico, que pode ser alterado dependendo das necessidades de cada comunidade, mas que no guia está organizado em oito eixos: sensibilização de lideranças, comunicação e mobilização, diagnóstico participativo, governança, planejamento, formação, acompanhamento e avaliação, e institucionalização. Além de apresentar cada um desses conceitos, o guia explica como eles foram aplicados no Bairro-Escola Rio Vermelho e em São Miguel dos Campos, resume o que foi aprendido no momento de implementação e apresenta depoimentos de diferentes atores envolvidos.
Manter uma conversa de duas vias entre a comunidade e a escola é um processo que necessariamente inclui atores com diferentes saberes, tempos e interesses. Por isso, estabelecer processos de escuta horizontais valoriza opiniões diferentes e garante o engajamento permanente das pessoas, especialmente daquelas que não integram a área da educação. “A experiência em São Miguel dos Campos e no Rio Vermelho nos mostrou o quanto é potente essa articulação intersetorial pela promoção de uma educação integral nas escolas e especialmente nas escolas públicas desses territórios”, destaca Anna Penido, diretora do Instituto Inspirare.
Se por um lado a articulação intersetorial é uma ferramenta potente para transformar a realidade das escolas, por outro, ela também traz desafios. “É preciso mapear bem os agentes e mobilizá-los para que eles desejem contribuir com esse processo de educação mais amplo. Muitas vezes, existem agentes que querem contribuir, mas não sabem qual é a melhor forma”, menciona a diretora do Instituto Inspirare. Entre os aprendizados obtidos durante a implementação do programa, ela também destaca a importância da construção de um plano coletivo com objetivos comuns, metas compartilhadas e ações complementares para que todos os atores envolvidos possam acompanhar, monitorar e avaliar as ações.
Em São Miguel dos Campos (AL), o desejo de colocar em prática uma política de educação integral mobilizou membros da comunidade, organizações e poder público do município para a construção de um plano intersetorial. Lançado em novembro de 2014, ele definiu eixos prioritários para transformar a educação no município: fortalecimento e participação das famílias; prevenção a situações de risco social e uso/abuso de drogas; desenvolvimento infantil; inclusão de crianças, adolescentes e jovens com deficiência e transtornos globais do desenvolvimento; mobilização do poder público e da comunidade; sustentabilidade socioambiental; educação integral; e formação profissionalizante.
“Foi um trabalho de formiguinha, que parecia apenas um sonho, mas em equipe conseguimos contagiar um batalhão. Foi lindo ver o movimento e a repercussão de como tudo isso impactava escolas, pais, alunos, comerciantes e a comunidade”, recorda Alexsandra Rodrigues da Costa, que foi secretária adjunta da secretaria municipal de educação durante o período de construção do plano.
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Hoje, Alexsandra é gestora geral da Escola Estadual de Ensino Integral Professora Edleuza Oliveira da Silva, a primeira da modalidade no município. “Ela foi inaugurada há dois anos. Aqui funcionam e acontecem experiências incríveis”, compartilha a educadora, que percebe na atual escola o impacto de ter participado das formações e vivências de educação integral realizadas nos últimos cinco anos. “No fundo, o que nos faltava eram oportunidades educativas, espaços dialógicos em que todos pudessem ter vez e voz, o redesenho do currículo escolar e a ressignificação dos objetivos da escola na vida pessoal, individual e coletiva dos estudantes. Era o fazer social da escola com a comunidade local”, destaca.
E mesmo quando sugestões partem de dentro de uma escola, deve-se pensar em como essa mensagem vai chegar à comunidade. “Se a proposta vier da escola, já se pressupõe que exista uma comunidade escolar relativamente mobilizada. Caso parta de um professor, ele pode buscar a adesão de seus pares, conversar com a equipe gestora e promover uma reunião aberta a quem tenha interesse de estar com estudantes e seus familiares, para transformar tudo isso numa onda”, explica Carla Aragão, que foi gestora do Inspirare para os programas na Bahia e em Alagoas.
Com o apoio de parceiros do Instituto Inspirare, diversas iniciativas também foram levadas para os territórios para ajudar a fortalecer a práticas de educação integral das escolas. Entre elas, o projeto Primeiro Livro, que dá apoio e tempo para estudantes escreverem sua primeira obra.
Quem logo se voluntariou para desenvolver o projeto Primeiro Livro na Escola Municipal Rui Palmeira, em São Miguel dos Campos, foi a professora de língua portuguesa Valdirene Vieira, que hoje trabalha com formação na equipe da secretaria. “Com essa iniciativa, nós descobrimos talentos e histórias interessantes. Percebemos o desenvolvimento dos alunos de forma pessoal, intelectual e humana. Isso foi o ponto de partida para os alunos se tornarem mais autônomos”, conta a educadora, que acompanhou 97 alunos do nono ano durante o processo de elaboração dos seus livros, com apoio do idealizador do projeto, Luís Junqueira, e sua equipe.
No Rio Vermelho, em Salvador (BA), o envolvimento com a política de educação integral trouxe novas perspectivas para educadores e estudantes da Escola Estadual Alfredo Magalhães. Os trabalhos voltados para a valorização de experiências e vivências dos jovens já faziam parte da rotina escolar, mas com o apoio do Bairro-Escola Rio Vermelho (BERV) foi possível ampliar essas atividades, que envolvem desde visitas à comunidade até eventos e reuniões para estreitar os laços. “As atividades e o apoio pedagógico que os educadores do BERV nos trouxeram se encaixaram ao nosso PPP (Projeto político-pedagógico)”, conta o vice-diretor Orlando Góes.
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O impacto da política de educação integral, segundo Orlando, trouxe resultados tanto no desenvolvimento dos estudantes, como nos resultados de avaliações em larga escala. “Os meninos melhoraram significativamente seu desempenho, com isso a estima deles foi lá para cima. Eles e os professores perceberam que esse era o caminho. O Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) também melhorou. Formamos um aluno mais crítico e pronto a transformar a si e a sua comunidade”, destaca.
A onda mobilizadora que atinge não apenas as escolas, mas também as ruas da comunidade, também é vista como positiva por quem mora no bairro. Antônio Carlos de Jesus Filho, um químico que seguiu carreira na indústria , disse que um dos principais resultados do projeto tem sido a conscientização de adolescentes e jovens sobre o papel transformador da educação. “Hoje, apesar do momento do país, o que foi plantado está dando frutos. A gente conseguiu transformar alunos que antes eram excluídos nos melhores líderes de suas escolas depois que eles conseguiram entender sua importância na sociedade”, disse.
Seis anos após o início do projeto, Antônio permanece como integrante do grupo gestor do projeto no Rio Vermelho. A troca contínua de experiências “sem olhar a comunidade de cima para baixo”, segundo ele, permitiu que recebesse mais ensinamentos do que pensava oferecer quando entrou no projeto. “É muito bom lidar com todo mundo e aprender com os doutores das faculdades, os doutores das ruas, os doutores pescadores, os doutores lixeiros, os doutores ambulantes, os doutores… da vida”.
De acordo com Anna Penido, diretora do Inspirare, as histórias reunidas no Bairro-Escola Rio Vermelho e em São Miguel dos Campos agora estão prontas para serem multiplicadas com a publicação do guia. “Temos uma expectativa muito grande de que o guia possa orientar redes, escolas e territórios que querem implantar iniciativas semelhantes. Oferecemos uma série de dicas, estratégias metodologias, caminhos, casos e aprendizados que podem ser inspiradores”.
Conteúdo publicado originalmente no Porvir