publicado dia 29/03/2023
“Precisamos de programas nacionais de convivência escolar”, diz Miriam Abramovay sobre ataque em escola
Reportagem: Ingrid Matuoka
publicado dia 29/03/2023
Reportagem: Ingrid Matuoka
Quando acontece um ataque em escola – episódio caracterizado pela violência extrema contra professoras, estudantes e funcionários no ambiente escolar – medidas como a presença policial, catracas e câmeras costumam ser as primeiras a serem discutidas. Experiências internacionais, porém, avisam que políticas repressivas não são eficazes ou suficientes para enfrentar a complexa violência dentro dos muros da escola.
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Em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral, Miriam Abramovay, coordenadora do Programa de Estudos e Políticas sobre Juventude, Educação e Gênero: violências e convivência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), explicou como a escola se torna palco dessas violências, por quais motivos as medidas repressivas não funcionam e as alternativas a elas.
“Começa com grande pesquisa sobre o tema, depois falar sobre a questão da supremacia, fortalecer os grêmios, retomar as disciplinas das humanidades, criar uma política pública de convivência e realizar diagnósticos e formação nas Secretarias de Educação, e junto aos professores e todos os profissionais da Educação”, explica a especialista, que é parte do Coletivo Articulador do Centro de Referências em Educação Integral.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Miriam Abramovay: A escola é o principal espaço social das crianças, adolescentes e jovens. Ela pode ser o espaço de socialização, de criar amizades, de ter relação com o saber e com os professores. Mas ela também pode significar o espaço da não atenção, de problemas com os professores e relações sociais tensas com os colegas. De precariedade da estrutura física, da comida e dos banheiros. São detalhes importantes para a relação positiva ou negativa com a escola. Sem falar na violência institucional que algumas praticam em seu cotidiano.
Mas nesses últimos 4 anos, sobretudo, vivemos tempos difíceis. Por um lado, os discursos de ódio sendo autorizados em toda parte, e a questão da propaganda das armas, inclusive as brancas. Por outro, a perseguição a professores que abordam questões de direitos humanos. Teve também o isolamento social, que afastou as crianças e adolescentes do espaço de debate que é a escola.
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O que sobrou para alguns adolescentes e jovens isolados da sociedade, que sofrem violências na escola e fora dela, foi o acolhimento que encontraram em grupos extremistas na internet.
MA: Sempre se tenta judicializar a violência nas escolas. Existe uma percepção muito adultocêntrica de que a polícia resolve todos os problemas. Mas colocar a polícia na escola só a enfraquece. Ela é um lugar de proteção e deve ser protegida também, mas não é caso de polícia.
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As experiências internacionais mostram que quando a polícia está dentro da escola, as violências só aumentam. Os estudantes assumem que a escola não pode fazer nada e então eles podem fazer tudo. E é uma medida repressiva, que não pode estar ligada à educação. A polícia tem que estar nas ruas para que não morram jovens negros, para que não aconteça o feminicídio.
MA: Precisamos de programas nacionais de convivência escolar, que partam de um diagnóstico da questão da violência nas escolas. Esse diagnóstico vai possibilitar pensar em políticas públicas mais efetivas a nível federal, estadual e municipal. Todas essas esferas têm que trabalhar em conjunto em torno desse tema.
Assim, as escolas vão produzir seus próprios diagnósticos e as Secretarias de Educação também precisam formar e discutir esse tema com os professores. As redes sociais, por sua vez, precisam de maior controle para combater os fóruns de propagação de discurso de ódio.
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Já em relação ao trabalho pedagógico, a Educação Integral dá a oportunidade, em termos de tempo e de conteúdo, de discutir cotidianamente o extremismo da direita, as violências, as redes, as fake news e as masculinidades, já que as vítimas costumam ser meninas e mulheres, e os agressores são meninos e homens. E não precisa de uma disciplina específica sobre violência nas escolas, porque isso tem que fazer parte de todas elas.
Também é preciso discutir com as crianças e adolescentes o que é a rede social, como surge o extremismo, por que existe crime de ódio, por que esses estudantes muitas vezes usam símbolos nazistas e fascistas, o que são as masculinidades e a masculinidade tóxica, e como tudo isso leva a essa radicalização.
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A Educação Integral também olha para os sujeitos inteiros, o que significa dar espaços para que as crianças e adolescentes se expressem. Mas, muitas vezes, a escola é um espaço fechado para a expressão para eles. O que acontece com cada um não é discutido cotidianamente, e deveria. Isso não passa necessariamente por ter um psicólogo na escola, mas por criar espaços de diálogo para eles entenderem que o que eles sentem não é só deles, para que possam trocar e se fortalecer.
Em resumo, a escola precisa trabalhar Direitos Humanos. No âmbito da transição governamental para a gestão Lula-Alckmin, o Daniel Cara, um dos coordenadores do Grupo Temático de Educação, elaborou o relatório “O extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a ação governamental“. O documento traz ponto por ponto do que precisa ser feito.
Destaco alguns: começa com grande pesquisa sobre o tema, depois falar sobre a questão da supremacia, fortalecer os grêmios, retomar as disciplinas das humanidades, criar uma política pública de convivência e realizar diagnósticos e formação nas Secretarias de Educação, e junto aos professores e todos os profissionais da Educação.