publicado dia 12/04/2023

3 pontos para entender a relação entre segurança e violência nas escolas

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A escalada de ameaças e ataques nas escolas é uma realidade que preocupa educadores, familiares, estudantes e o poder público. Nos últimos 20 anos, 23 atos de violência extrema, inclusive com armas de fogo, atingiram as escolas no Brasil, de acordo com um levantamento da Unicamp.   

Ainda que a experiência internacional e especialistas apontem para a ineficácia de investir em medidas meramente repressivas para lidar com a violência nas escolas, a defesa da presença policial ou de serviços de segurança nos espaços já é apresentada como possível solução. No entanto, existe pouco consenso e nitidez com relação à eficácia, abordagem e protocolos nesses casos. 

Na Grande São Paulo, ao menos 4 prefeituras determinaram a presença de guardas municipais dentro das unidades escolares.

Leia + Ataques em escolas: em busca de saídas para os casos extremos de violência

A conduta dos agentes é regulamentada por cada município, que não esclarecem os protocolos quanto à abordagem, armamento e por quanto tempo o reforço das guardas municipais continuará nas escolas.

Nesta quarta-feira (5/4), o Plenário da Câmara Municipal de São Paulo aprovou em primeiro turno de discussão o PL (Projeto de Lei) 307/2019 que autoriza escolas da rede pública da capital a contratarem empresas particulares de segurança. 

Em Natal (RN), o caminho adotado para lidar com as ameaças às escolas é o mesmo. A Comissão de Legislação, Justiça e Redação Final da Câmara Municipal de Natal aprovou nesta segunda-feira (10) o PL nº 655/2022, que torna obrigatório o emprego do serviço de segurança armada durante o expediente escolar nas instituições públicas municipais de ensino.

Esse tipo de solução pede um pouco mais de ponderação devido ao histórico da relação entre a polícia e a população negra brasileira. Dados do Anuário de Segurança Pública, publicado em 2021, apontou recorde da letalidade policial no país e indicou que 78% dos mortos são negros.

Para explorar a relação entre a segurança e a violência nas escolas, preparamos três pontos para pensar a questão. Confira: 

  1. Medidas repressivas e mais segurança não resolvem o problema da violência na escola.

Desde o massacre na escola de Columbine em 1999, os Estados Unidos já tiveram mais de 300 tiroteios em escolas. Para lidar com o problema, o país passou a investir em sistemas e serviços de vigilância e proteção. 

Em 2021, as escolas americanas gastaram a cifra recorde de U$ 3,1 bilhões, cerca de R$ 15,6 bilhões, segundo estimativas da consultoria de mercado tecnológico OMDIA. O valor representa um crescimento de 14% no total de gastos se comparado ao ano de 2017, o dado anterior disponível. 

Assim, sistemas de monitoramento, interfones e detectores de metais se tornaram comuns nas escolas: mais de 90% delas possuem câmeras, 65% têm funcionários exclusivamente dedicados à segurança – em 51% delas, os agentes trabalham munidos de armas de fogo. 

Apesar desse esforço, nunca houve mais ataques do que em 2022, quando foram registrados 47 casos. O pico anterior aconteceu em 2021, com 42 casos. 

O número de mortes em escolas com guardas armados tendia a ser quase três vezes maior do que naquelas sem seguranças armados.

Além disso, o número de mortes em escolas com guardas armados tendia a ser quase três vezes maior do que naquelas sem seguranças armados. A presença de agentes armados no ambiente escolar também estaria ligada ao aumento da exclusão escolar, especialmente entre estudantes de camadas sociais mais vulneráveis, concluiu um estudo financiado pelo Instituto Nacional de Justiça dos EUA. A pesquisa avaliou todos os casos entre 1980 e 2019. Saiba mais na reportagem da BBC Brasil.

Outra frente que tenta resolver o problema histórico nos Estados Unidos parte da geração de estudantes que foi impactada por violências armadas em suas escolas nas últimas décadas. É o caso do deputado democrata Maxwell Alejandro Frost, 26, que participa desde 2012 de organizações e manifestações pelo controle do armamento da população norte-americana.

No final de março, centenas de manifestantes, entre eles parlamentares americanos, foram ao Capitólio pedir medidas de controle de armas, dias depois de um tiroteio na Escola Convenant, em que seis pessoas foram mortas, incluindo três crianças.

A movimentação estadunidense indica que o caminho passa por olhar para a raiz do problema, que na prática tem a ver com restringir o acesso a armas, mas também tem a ver com enfrentar a cultura da violência em nossa sociedade, que permeia a formação de crianças e adolescentes, bem como as escolas.

Por parte do governo federal, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva instituiu a criação de um grupo de trabalho interministerial para propor ações de promoção à cultura de paz e combate à violência na sociedade.

  1. Escola é espaço de convivência

As experiências de escolas públicas brasileiras em territórios marcados por violências vão na direção oposta ao monitoramento e armamento das unidades. São escolas que se abriram cada vez mais para a comunidade a fim de enfrentar o problema coletivamente. 

Na EMEF Campos Salles, em Heliópolis, São Paulo (SP), a escola criou a República de crianças e jovens. Os estudantes participam de forma efetiva na gestão da vida cotidiana da escola, com cargos eletivos com os quais se fazem presentes na gestão de seus diversos aspectos, entre eles o convívio. 

A associação de moradores do bairro está sempre dentro da escola. A comunidade escolar deu início a um evento que se tornou um importante acontecimento não apenas desse território, mas da cidade: a Caminhada pela Paz, que acontece uma vez por ano pelas ruas de Heliópolis.

“Há que lembrar que a saída deve ser educativa: aprender coletivamente, mobilizar o saber pedagógico e resgatar os valores humanos”, diz Beatriz de Paula Souza

Já o CIEJA Campo Limpo, no sul da capital paulista, a comunidade escolar se apropriou do espaço e a escola se tornou um oásis de paz em um território com muitos problemas de violência.

“Conhecer estas experiências, promover o diálogo entre escolas e profissionais para compartilhamento de preocupações e estratégias coletivas podem ser férteis e alentadores caminhos neste momento tão desafiador. Mas sobretudo há que lembrar que a saída deve ser educativa: aprender coletivamente, mobilizar o saber pedagógico e resgatar os valores humanos são a chave para o enfrentamento digno e efetivo a violência nas escolas. Esse é o nosso papel”, diz Beatriz de Paula Souza em seu artigo “Ataques em escolas: em busca de saídas para os casos extremos de violência”.

  1. O fenômeno é complexo e exige políticas públicas de convivência escolar e monitoramento de discurso de ódio online. 

Para começar a enfrentar o problema, Miriam Abramovay, coordenadora do Programa de Estudos e Políticas sobre Juventude, Educação e Gênero: violências e convivência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), defende que sejam criados programas nacionais de convivência escolar a partir de um diagnóstico minucioso da questão das violências nas escolas.

“A Educação Integral dá a oportunidade, em termos de tempo e de conteúdo, de discutir cotidianamente o extremismo da direita, as violências, as redes, as fake news e as masculinidades”, afirma Miriam Abramovay

Assim, cada unidade vai produzir seu próprio diagnóstico e as Secretarias de Educação também precisam formar e discutir esse tema com os professores. Ao mesmo tempo, o trabalho pedagógico pode contribuir.

“A Educação Integral dá a oportunidade, em termos de tempo e de conteúdo, de discutir cotidianamente o extremismo da direita, as violências, as redes, as fake news e as masculinidades, já que as vítimas costumam ser meninas e mulheres, e os agressores são meninos e homens. E não precisa de uma disciplina específica sobre violência nas escolas, porque isso tem que fazer parte de todas elas”, diz Miriam.

Nesse sentido, a especialista também explica que as redes sociais precisam de maior controle ​​para combater os fóruns de propagação de discurso de ódio. Ainda, que é importante discutir com as crianças e adolescentes o que é a rede social, como surge o extremismo, por que existe crime de ódio, por que esses estudantes muitas vezes usam símbolos nazistas e fascistas, o que são as masculinidades e a masculinidade tóxica, e como tudo isso leva a essa radicalização.

Em seu perfil no Twitter, Luka Franca, jornalista que participou da elaboração do relatório O ultraconservadorismo e extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil (Campanha Nacional pelo Direito à Educação), observa que no contexto atual há uma massa de ameaças que servem apenas para gerar pânico.

Letícia Oliveira, outra jornalista que também participou da elaboração do relatório sobre extremismo de direita, notou que o crescimento do número de ameaças às escolas em um curto período de tempo, além de sua caracterização como se fosse algo que tivesse partido de facções criminosas é um esforço coordenado para causar pânico, que não teria partido de adolescentes. 

Como denunciar em casos de ameaça à escola 

De acordo com especialistas ouvidos pelo Aos Fatos, as principais recomendações ao encontrar conteúdos online com ameaças à escola são não interagir com a publicação (com curtidas, comentários ou compartilhamentos) e denunciar imediatamente para autoridades e plataformas.

O Ministério da Justiça lançou um canal no site para que sejam denunciados sites, blogs e publicações nas redes sociais. O site para denúncia é o www.mj.gov.br/escolasegura

Confira, a seguir, uma lista de recomendações de ações no espaço escolar para combater os casos de violência extrema:

  • Reconhecer e compreender esse fenômeno específico que conecta a juventude aos movimentos supremacistas, especialmente jovens brancos e heterossexuais.
  • Impulsionar a criação e fortalecimento dos grêmios estudantis, associações de familiares/responsáveis dos estudantes e conselhos escolares como “círculos” agregados de mobilização frente ao desafio colocado sobre a violência extremista contra o espaço escolar.
  • Retomar o fortalecimento das disciplinas de humanidades como História, Geografia, Sociologia e Filosofia com foco nos diferentes sujeitos/espaços/conceitos que constroem à vida por meio de uma abordagem antirracista, feminista e emancipadora.
  • Viabilizar a formação continuada de trabalhadores em Educação para identificação de sinais de aproximação a grupos extremistas e no combate às múltiplas violências.
  • Implementar educação crítica da mídia em transversalidade, incluindo componentes curriculares de todas as áreas do conhecimento, com enfoque no combate à desinformação e ao negacionismo científico.
  • Criar uma política pública de Convivência Escolar que proporciona a possibilidade de transformação da Instituição e a ressignificação da educação.
  • Realizar diagnósticos sobre a situação das violências nas escolas, complementar ao desafio de mapeamento do extremismo de direita.
  • Realizar uma proposta de formação das Secretarias e dos atores sociais que trabalham nas escolas (professor, diretor, coordenador etc.), além de envolver os membros das comunidades escolares sobre o tema, incorporando questões como: armas, acesso e consequências; as redes sociais, discurso de ódio, masculinidade; sexualidade, quebrando o tabu da “ideologia de gênero”, racismo, homofobia, e outras discriminações.
  • Acompanhar e avaliar o trabalho realizado, com instrumentos e ferramentas pertinentes.
  • Abrir espaços para que os estudantes possam dialogar com seus pares e os adultos, buscando reforçar sua autonomia e cultura juvenil e construir estratégias de trabalho sobre convivência escolar.
  • Criar mecanismos mais fluidos com as famílias sensibilizando-as com os problemas de violência.
  • Criar parcerias com outras instituições que atuam na rede de proteção de crianças, adolescentes e jovens.

Fonte: O ultraconservadorismo e extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil (Campanha Nacional pelo Direito à Educação).

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