publicado dia 24/06/2022

PL 573/21: Por que autorizar o 3º setor a gerir escolas de São Paulo é um problema?

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Tramita na Câmara Municipal de São Paulo (SP) o projeto de lei (PL) 573/21, que visa autorizar organizações sociais sem fins lucrativos (OSs), o 3º setor, a gerir escolas municipais de Ensino Fundamental e Médio. Especialistas apontam ilegalidades e inconsistências na proposta que podem ferir o direito a uma educação equitativa e de qualidade dos estudantes da rede paulistana.

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O PL, apresentado pela vereadora Cris Monteiro (Novo), afirma que o objetivo de transferir a responsabilidade para as OSs é melhorar a qualidade da educação. A prioridade será dada a escolas em territórios mais economicamente vulneráveis e com piores resultados nas avaliações de desempenho. 

“Estabelecer dois patamares de educação pública – uma para pobre e uma para classe média – por si só já é um problema, porque rompe com o caráter distributivo da rede pública”, afirma Fernando Cássio, professor na Universidade Federal do ABC (UFABC) e membro da Rede Escola Pública e Universidade (Repu).

Confira a moção de repúdio do Fórum de Educação Integral Para uma Cidade Educadora (FEICE) ao PL 573/21, que conta com 577 assinaturas.

No Brasil, a maior parte das grandes redes de ensino estaduais e municipais, como é o caso de São Paulo (SP), já estabelecem parcerias com o 3º setor. “Elas têm um papel de auxílio e colaboração com o poder público, desenvolvendo metodologias, pesquisas, formação continuada, entre outras ações, mas nunca substituem o Estado”, relata Romualdo Portela de Oliveira, diretor de pesquisa e avaliação do Cenpec e presidente da Associação Nacional de Política e Administração da Educação (Anpae).

É muito difícil, portanto, separar a influência do público e do privado nas gestões educacionais. “A lógica do PL é de que o problema das escolas mais vulneráveis é uma gestão ruim – o que não é verdade – e que só a gestão privada poderia resolver. Mas não há dados, pesquisas ou evidências que mostrem isso, inclusive porque não existe essa separação. A responsabilidade pelo fracasso de políticas públicas da educação também precisa ser dividida com essa gestão privada que há muito tempo já faz parte da gestão pública”, pontua Fernando. 

Se o PL 573/21 for aprovado, as organizações também poderão definir currículo, projeto político pedagógico (PPP) e metodologias de ensino das unidades. “Há uma violação do princípio básico de gestão democrática da escola porque pelo projeto as OSs poderão alterar o PPP sem necessariamente a participação do conselho de escola”, destaca o professor da UFABC.

De acordo com o projeto, as OSs também serão responsáveis por contratar professores, diretores, vice-diretores e secretário escolar, inclusive de fora da rede de ensino, sem concurso público. “Os concursos garantem qualidade e essa é uma ideia consolidada no Brasil. A rede paulista, por exemplo, funciona historicamente com alto percentual de não concursados, o que prejudica diretamente a qualidade da educação, porque não há estabilidade, não há uma série de condições”, lembra Romualdo.

O financiamento deste modelo de gestão é outro impasse. Atualmente, o Fundeb, que é a maior política distributiva da Educação em todo o país, não permite o uso de seus recursos para escolas privadas sem fins lucrativos, exceto quando há falta de vagas. O tema foi debatido durante a constitucionalização e regulamentação do Novo Fundo e o Congresso Nacional vetou essa modalidade de contratação.

“Permitir o Estado se desobrigar de sua responsabilidade induz processos de privatização, de subfinanciamento e de desigualdades”, diz Romualdo.

A experiência com as creches conveniadas de São Paulo (SP)

O município de São Paulo já conta com a atuação de organizações sociais na Educação Infantil e o PL 573/21 compara essa experiência à proposta de transferir escolas de Ensino Fundamental e Médio para o 3º setor. Tal paralelo, contudo, é inadequado. 

“A legislação prevê a possibilidade de contratar creches conveniadas quando o Estado não consegue atender a demanda de vagas, mas esse não é o caso do Fundamental e Médio na cidade”, explica Fernando.

Além disso, os resultados dessa parceria preocupam: em 2021, 72% das creches conveniadas não tinham acessibilidade e 58% não possuíam áreas internas de recreação, de acordo com o Tribunal de Contas do Município. Tais percentuais são superiores aos das creches geridas pela Prefeitura. Além disso, os professores das creches conveniadas trabalham em média 10 horas a mais por semana do que os educadores da rede direta e possuem uma remuneração menor. 

“Em geral, as creches da Prefeitura possuem um atendimento melhor do que as conveniadas. Isso é resultado da submissão do investimento ao controle público e a um padrão de qualidade, o que nem sempre acontece nessas parcerias”, indica Romualdo.

Desde 2019, o Ministério Público (MP) apura a “Máfia das Creches”. Há suspeitas de que OSs responsáveis por escolas e escritórios de contabilidade desviavam verbas municipais. Em 2021, a Folha de S.Paulo revelou que uma das empresas investigadas repassou cerca de R$ 31 mil para o atual prefeito Ricardo Nunes (MDB), que nega irregularidades, e a uma empresa da família dele na época em que ele era vereador. 

As alternativas ao PL 573/21

Para melhorar a qualidade da educação ofertada em territórios vulneráveis, os especialistas defendem o fortalecimento da gestão pública e mais investimentos para quem mais precisa. 

“Qualidade depende de dar condições, de garantir o investimento mínimo por aluno. Toda tentativa de dar volta nisso gera pior qualidade e não cumprimento do papel do Estado de garantir uma educação de qualidade”, analisa Romualdo.

Tampouco é necessário mudar métodos de gestão. “Isso é uma visão insensível sobre vulnerabilidade social, de que bastaria contratar alguém que saiba gerir a miséria, e é uma falácia dizer que a gestão privada é melhor do que a pública: não há dados ou estudos que comprovem isso”, conclui o professor Fernando.

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