publicado dia 15/03/2023

“Não conseguimos estudar”: atos contra Novo Ensino Médio mobilizam estudantes  

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Estudantes de todas as regiões brasileiras foram às ruas em atos para pedir a revogação do Novo Ensino Médio (NEM), que começou a ser implementado em 2022. Convocadas por entidades estudantis e de trabalhadores da Educação e protagonizadas por uma maioria de adolescentes, as manifestações ecoam o descontentamento do segmento com os rumos da última etapa da Educação Básica. 

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A política do Novo Ensino Médio foi aprovada em 2017, por meio da Lei 13.415, e trouxe uma série de mudanças para a etapa. Entre elas, os itinerários formativos, que ocupam 40% da carga horária. 

A proposta era permitir aos jovens escolher áreas do conhecimento para se aprofundar, de forma interdisciplinar e contextualizada. Na prática, isso não se concretizou, sobretudo nas escolas que já sofriam com falta de recursos, professores e infraestrutura. Além disso, há críticas sobre a falta de participação de quem está na ponta na elaboração da política educacional. 

No protesto em São Paulo (SP), que transcorreu pacificamente, os estudantes levantaram faixas e cartazes, ocuparam uma das faixas da Avenida Paulista e entoaram cantos como “Trabalhador, olha pra cá, eu tô na rua para o seu filho estudar” e “Tem dinheiro para a milícia, mas não tem para a Educação”. Com seus próprios cartazes, educadores (as) acompanharam e apoiaram da calçada os estudantes que ocuparam a rua.

“A grade curricular parecia uma maravilha, porém está sendo muito ruim. O governo não disponibiliza materiais corretos para a gente estudar e passam qualquer coisa no itinerário formativo e acham que a gente está aprendendo”, critica Giovana, 16 anos, que segurava um cartaz dizendo “Somos o grito dos que não estão aqui”.

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Falta de condições para ensinar e aprender foi um dos principais problemas apontados pelos estudantes.

Crédito: Ingrid Matuoka

“A gente merece um futuro, uma educação de verdade e aprender coisas que são importantes para a nossa vida”, complementa a jovem estudante de uma escola pública da cidade.

Patrick, 16 anos, que está no 3° ano da etapa, lamenta a redução da carga horária de áreas básicas como História, Geografia e Filosofia. “Só temos Português e Matemática. E aí teriam os itinerários, mas nenhum professor foi preparado para dar o curso, então os estudantes não conseguem estudar”, conta. 

Novo Ensino Médio: estudantes relatam frustração e despreparo

Junto à divulgação do Censo Escolar 2022, em fevereiro, o Inep publicou uma Nota Técnica sobre o Novo Ensino Médio. Ela aponta as dificuldades de implementação da política pelo país e a falta de coerência entre as redes, que interpretam cada uma à sua maneira a forma de dar corpo à política. Esse entrave deu origem, por exemplo, a itinerários formativos sobre “Brigadeiro caseiro”, “Mundo pet” e “O que rola por aí”. 

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Frustração com as aulas move os jovens a pedirem a revogação da política.

Crédito: Ingrid Matuoka

“O que a gente precisava era entender a nossa própria história para não repetir os mesmos erros. Não podemos esquecer do histórico escravocrata do país, da ditadura militar, dos mortos e desaparecidos. Sem isso, não vamos mudar e o país precisa urgentemente mudar”, reflete Bruna, 16 anos.

Além da frustração de ter que acompanhar atividades sem sentido, os estudantes também demonstraram especial preocupação com as condições que estão sendo oferecidas a eles para acessar o Ensino Superior. “Nosso estudo está virando motivo de chacota. Vou prestar vestibular no próximo ano e não me sinto preparada”, lamenta Camile, jovem de 16 anos que segurava um cartaz pedindo a revogação da política.

Outro problema que os jovens enfrentam diz respeito à forma como o tempo integral está sendo implementado nas escolas, muitas vezes fechando vagas e sem oferecer condições de permanência, como bolsas de estudo para os adolescentes que precisam trabalhar para ajudar no sustento da família. 

De acordo com o Censo Escolar 2022, 20,4% dos estudantes da rede pública do Ensino Médio estavam matriculados em tempo integral em 2022, enquanto em 2019 esse percentual era de 12%. Para especialistas, mais tempo na escola, apenas, não significa mais aprendizagem.

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Em seu cartaz, B. pede a igualdade de acesso ao Ensino Superior

Crédito: Ingrid Matuoka

“Sou um homem trans da periferia e vim lutar pela educação, porque tive que sair da minha escola, que era perto da minha casa, quando ela virou de tempo integral, e agora tenho que vir até o centro da cidade. Essa reforma precisa ser revogada e não queremos que volte o antigo Ensino Médio, mas que sejam elaboradas propostas para que o jovem da periferia, para que o filho do trabalhador, ocupe as cadeiras das universidades públicas”, defende B., de 17 anos.

Consulta pública e propostas para um outro Ensino Médio

Junto aos estudantes, especialistas e professores de escolas públicas, ativistas pelo direito à Educação se somam na crítica ao modelo. Eles apontam que a política vai levar ao agravamento das desigualdades já existentes entre estudantes de diferentes redes, bairros ou cidades, além de ampliar a distância entre os oriundos das escolas privadas e públicas no acesso ao Ensino Superior e ao mercado de trabalho. 

Após as críticas e cobranças, o Ministério da Educação (MEC) anunciou a abertura de uma consulta pública para ouvir a sociedade civil, especialistas, professores e os próprios estudantes, que não foram ouvidos, embora sejam os mais afetados pela política. Estão previstas audiências públicas, oficinas de trabalho, seminários e pesquisas nacionais.

“Precisa acontecer a deflagração de debates nas escolas sobre como deve ser o Ensino Médio, inclusive envolvendo os alunos do Ensino Fundamental 2”, afirma Helena Singer

Segundo a portaria do MEC, publicada no Diário Oficial da União, a consulta durará 90 dias, podendo ser prorrogada. A partir dela, a Secretaria de Articulação Intersetorial e os sistemas de ensino elaborarão um relatório final e o encaminharão para a pasta.

Para a educadora e socióloga Helena Singer, é fundamental que o MEC crie condições efetivas para a participação da comunidade escolar, uma vez que as audiências públicas costumam acontecer em horário de trabalho e aula. 

“Precisa acontecer a deflagração de debates nas escolas sobre como deve ser o Ensino Médio, inclusive envolvendo os alunos do Ensino Fundamental 2, porque as mudanças vão impactá-los até mais do que quem está no 3° ano Médio”, diz Helena, que também é vice-presidente da Ashoka América Latina e coordenadora do Movimento de Inovação na Educação.

Em 2018, a educadora, junto a parceiros, conduziu oficinas, ao longo de um ano, em São Paulo, Rondônia e Brasília para ouvir mais de 500 estudantes, professores e funcionários de escolas sobre o que desejam para o Ensino Médio. As conversas deram origem a 27 propostas.

“As escolas são espaços públicos da sociedade, de formação da cidadania, e que deveriam sediar, no mínimo a cada dois anos, o início dos debates sobre políticas públicas em geral, não só de Educação, com a presença de representantes dos Três Poderes e candidatos para ouvir as comunidades escolares”, pontua Helena.

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