publicado dia 31/01/2024

Educação Integral: uma reflexão sobre a concepção e suas práticas transformadoras

Reportagem:

🗒️Resumo: Em artigo, Natacha Costa reflete sobre o que é a Educação Integral e apresenta uma série de práticas transformadoras realizadas por escolas públicas brasileiras. Em diálogo com pensadores contemporâneos, a diretora geral da Associação Cidade Escola Aprendiz defende que a efetivação de uma Educação Integral, democrática, inclusiva e antirracista para todas as pessoas é urgente.

Jaqueline Moll, intelectual de referência no tema da Educação Integral, afirma que há muitos jeitos de ser escola e que o projeto de educação que orienta o modo de ser de cada escola reflete um projeto de sociedade. Isso nos leva a interrogar: qual é o nosso projeto de sociedade? Que projeto de formação nos move?

Natacha Costa é  diretora geral da Associação Cidade Escola Aprendiz, organização que coordena o Centro de Referências em Educação Integral.

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Em um país como o Brasil que historicamente negligencia direitos, é central compreender que a efetivação do Direito à Educação deve necessariamente observar a indissociabilidade entre os direitos fundamentais. Isso significa que não basta, ainda que seja inegociável, observar os fatores intraescolares relacionados às condições da oferta educacional. É necessário observar os fatores extraescolares, ou seja, as condições sociais, econômicas e a garantia de necessidades básicas como moradia, saúde, segurança, alimentação e trabalho decente a crianças, estudantes e suas famílias.

Dados do UNICEF ajudam a explicar essa ideia. Segundo o relatório “Trinta anos da Convenção sobre os Direitos da Crianças: Avanços e desafios de meninas e meninos no Brasil”,

Praticamente a metade das crianças e dos adolescentes brasileiros não tem todos os seus direitos respeitados; 19% sofrem ao menos uma vulnerabilidade extrema – como falta de acesso à escola. Isso significa que quase 27 milhões de meninas e meninos apresentam privações não monetárias moderadas e mais de 10,2 milhões privações extremas, como falta de acesso a água e saneamento. 

As crianças e os adolescentes negros são os mais atingidos: sua taxa de privações múltiplas é de 58%, enquanto a dos brancos gira em torno de 38%. As desigualdades também se concentram nas regiões mais pobres do país: no Norte e no Nordeste, mais de 60% das crianças e dos adolescentes têm ao menos um direito violado. (UNICEF, 2019, p.20)

Os impactos da pandemia de COVID-19 e o desmonte das políticas sociais em nível federal agravaram o que já era gravíssimo. Segundo estudo também do UNICEF lançado em 2023

As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil apresenta o resumo de um estudo inédito do UNICEF sobre as privações que afetam crianças e adolescentes no País e os desafios atuais, que incluem o agravamento da insegurança alimentar e da pobreza extrema, além de a piora da alfabetização e as persistentes desigualdades raciais e regionais. O estudo mostra que mais de 60% da população de até 17 anos vive na pobreza no Brasil. A pobreza a que esse dado se refere é mais do que privação de renda, tem a ver também com acesso a direitos básicos, como educação, saneamento, água, alimentação, proteção contra o trabalho infantil, moradia e informação.” (UNICEF, 2023)

Este contexto nos leva a levantar uma questão essencial, apontada pelo professor André Lazaro: o que pode a Educação frente às desigualdades? Segundo ele, se a Educação não pode tudo, tampouco pode nada. Para responder a ela, afirma que duas respostas são possíveis: a Educação pode ao menos não reproduzir as desigualdades que vêm de fora da escola. No entanto, a Educação pode mais: ela pode enfrentar e combater as desigualdades. E é nessa segunda proposta que se insere a Educação Integral. Para combater as desigualdades no Brasil, é fundamental que escolas, redes e territórios assumam uma perspectiva integral, democrática, antirracista e inclusiva.

É comum o pensamento de que a luta por uma escola democrática é suficiente para garantir a igualdade de tratamento a todos/as. Essa crença é um grande equívoco. Em alguns momentos, as práticas educativas que se pretendem iguais para todos acabam sendo as mais discriminatórias. Essa afirmação pode parecer paradoxal mas, dependendo do discurso e da prática desenvolvida, pode-se incorrer no erro da homogeneização em detrimento do reconhecimento das diferenças. (GOMES, 2001, p.86)

A história da Educação no Brasil oferece elementos que fundamentam a defesa de que a Educação Integral é uma resposta necessária ao enfrentamento dos desafios estruturais da nossa educação. 

Primeiro, o Direito à Educação é um direito tardio no Brasil. Só foi efetivado de maneira universal (e ainda restrito ao ensino fundamental) a partir da Constituição de 1988. Segundo o artigo 205, passa a ser papel da educação garantir o pleno desenvolvimento dos sujeitos, o preparo para a cidadania e a qualificação para o trabalho.

No entanto, para atender a demanda de acesso de milhões de crianças e adolescentes em todo país foi necessário agrupar o maior número de alunos com mais de um turno letivo em cada unidade. Além disso, a organização das aulas e a alocação dos profissionais seguiu um padrão mais burocrático do que pedagógico, o que reforçou um modelo fragmentado (pautado em horas-aula), massificado e, portanto, descontextualizado e gerador de desigualdades.

Em um país marcado por desigualdades estruturais e por uma rica diversidade étnico-racial, territorial e cultural modelos de educação com essas características silenciam as diferenças, as subjetividades e tendem a reduzir as propostas educativas a “entrega” de certas aprendizagens consideradas essenciais.

Nesse contexto, as diferentes epistemologias, culturas, códigos e valores perdem espaço e a escola se torna um espaço homogeneizante e, portanto, excludente. Frente aos desafios, a educação brasileira historicamente transferiu o fracasso escolar para os estudantes deixando de problematizar as políticas, as práticas escolares e suas matrizes epistemológicas.

Como afirma a professora Gina Vieira Ponte, ao considerar a experiência das elites como referência, a escola e os sistemas educacionais desprezam as experiências de crianças, adolescentes e famílias de classes populares. Deste modo, paradoxalmente as desigualdades se aprofundam em nome da igualdade.

As tensões passam pela possibilidade ou não de reconhecer os educandos e educadores reais que trabalham, estudam nas escolas públicas. Se serão considerados como estranhos no ninho do nobre conhecimento, se suas experiências e coletivos de origem serão respeitadas. Se eles como questão serão ignorados como estranhos a nobreza do conhecimento, da cultura e das ciências (ARROYO, 2013, p.265)

Bergman de Paula Pereira, historiadora e pesquisadora especializada em Educação para as relações étnico-raciais afirma

A gente nunca pode perder de vista que a gente está falando aqui sobre garantia de direitos, a educação é um direito e um direito conquistado. Até a década de 30, a população negra não tinha acesso ou tinha pouquíssimo acesso às instituições oficiais de ensino porque só poderia frequentar essas instituições quem não fosse analfabeto. Então, ao longo da história do Brasil, o nosso processo de letramento foi prejudicado e isso foi um dos motores principais desse processo de luta e de reivindicação em relação a esse direito. A garantia desse direito de poder estudar, de poder estar na escola, de poder ter acesso integral a essa educação como direito, mas também que essa educação traga aquilo que a gente tem enquanto nossa história, nossa memória e nossa identidade. Então, essa história ela precisa incluir a história de todos que fizeram parte da formação deste país. (PEREIRA, 2023)

Diante deste cenário, a Educação Integral se apresenta como uma concepção de Educação que afirma ser direito de cada criança e de cada estudante brasileiro uma Educação que garanta a aprendizagem e o seu desenvolvimento integral. Isso significa que para além da formação intelectual, é papel da Educação garantir a formação social, emocional, física e cultural de todos e de cada um. Isso pode acontecer na jornada regular, na jornada ampliada dentro da escola ou na jornada ampliada que articula espaços dentro e fora da escola. Não é, portanto, o tempo que define uma Educação Integral. É o compromisso com esta concepção. 

Assumimos aqui uma concepção de Educação Integral que vai além da expansão da jornada escolar, embora compreendendo que esta ampliação pode contribuir para o desenvolvimento da Educação Integral. Pressupõe-se que a questão do tempo estendido esteja aliada à ampliação das possibilidades formativas dos sujeitos. Aponta-se assim, para uma compreensão de Educação Integral que seja capaz de desenvolver uma formação de crianças e jovens que tangencie os campos da cultura, da relação com a comunidade e com a família e do diálogo com o território. A ampliação do tempo dialoga, nessa perspectiva, com a vivência desse tempo estendido. (LEITE; CARVALHO, 2016, p.1206) 

Segundo o Centro de Referências em Educação Integral, portanto, 

A concepção de Educação Integral versa sobre compreender os estudantes como sujeitos integrais e, a escola, como agente central para desenvolver suas múltiplas dimensões – intelectual, física, emocional, social e cultural. Também diz respeito a trabalhar para fazer valer os direitos dos estudantes e suas famílias, apoiados pela rede de proteção integral. Ainda, a realizar um processo de ensino e aprendizagem conectado ao território, à comunidade e às demandas dos estudantes e do mundo contemporâneo. (MATUOKA, 2023) 

O binômio escola e território como eixo estruturante da Educação Integral 

Independentemente do modelo de jornada, por reconhecer a diversidade de infâncias, adolescências e juventudes e por posicioná-las como o centro de seu projeto educativo, a Educação Integral tem como eixo estruturante a relação escola-território. Esta relação visa garantir a territorialização da ação pedagógica com atenção às necessidades e interesses dos estudantes, como sujeitos determinantes do processo educativo.

Deste modo, a compreensão da centralidade da relação entre escola e território na Educação Integral depende, basicamente, de dois entendimentos: de que é função da educação garantir condições para o desenvolvimento integral de todos os estudantes e de que aquelas condições estão ligadas à ampliação do universo escolar para além do que tradicionalmente o modelo escolar oferece (disciplinas, aulas, avaliações de desempenho), a partir da contextualização das práticas e da territorialização do projeto pedagógico. 

Assim, ao afirmar que a relação escola-território é um elemento estruturante, a Educação Integral entende que o reconhecimento da criança e do estudante — dos seus códigos, dos desafios enfrentados e dos valores de sua comunidade — é algo fundamental para uma educação de qualidade.

Ao considerar que processos educativos expressivos dependem de vínculo e pertinência, compreende-se, portanto, que tudo aquilo que for apresentado ao sujeito deve lhe fazer sentido, na medida em que as estratégias pedagógicas são capazes de mobilizar o engajamento e a curiosidade.

O contexto de sentido, por assim dizer, é erguido desde a observação das condições de vida, dos interesses e dos desejos de futuro de cada aluno; estando a escola comprometida em fortalecê-lo como indivíduo capaz de refletir, dialogar e produzir um tipo de conhecimento comprometido com a formação cidadã e a transformação da realidade.

Uma escola que se nega a ser mero espaço reprodutor de desigualdades e hierarquias sociais predeterminadas precisa se constituir como espaço de formação centrado nos sujeitos e não nos conteúdos ou nos processos burocráticos. Tudo dito — matriz curricular, espaços, recursos e processos — devem estar a serviço da formação dos estudantes e nunca o contrário. 

Em um país diverso e desigual como o Brasil, a busca pela contextualização local das iniciativas em educação e o compromisso com o enfrentamento das desigualdades são fatores profundamente vinculados à compreensão do território para além de sua noção espacial e em uma compreensão alinhada àquela da geografia crítica de Milton Santos: 

O território não é apenas o conjunto dos sistemas naturais e de sistemas de coisas superpostas. O território tem que ser entendido como o território usado, não o território em si. O território usado é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é o fundamento do trabalho, o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida (SANTOS, 1999, p.10).

O autor ergue, assim, os alicerces para a compreensão do território na Educação Integral. Articular escola e território não se limita a deixar o espaço físico da sala de aula para aprender na praça ou embaixo da árvore de modo a tornar a experiência “mais divertida”. Trata-se de investigar, compreender e incorporar espaços, agentes e saberes dos estudantes, de suas famílias e comunidades para construir uma escola comprometida com a constituição crítico-reflexiva de sujeitos.

Não por acaso, em 2009 — na ocasião do debate nacional em torno do processo de implementação do Programa Mais Educação — a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação (MEC) apresentava um texto referência que sublinhava a importância do lócus escola-território: 

A escola desempenha um papel fundamental no processo de construção e de difusão do conhecimento e está situada como local do diálogo entre os diferentes saberes, as experiências comunitárias e os saberes sistematizados historicamente pela sociedade em campos de conhecimento e, nessa posição, pode elaborar novas abordagens e selecionar conteúdos. Assim, o desenvolvimento integral dos estudantes não pode ser considerado como responsabilidade exclusiva das escolas, mas também de suas comunidades, uma vez que, somente juntas podem re-significar suas práticas e saberes. Desse modo, a instituição escolar é desafiada a reconhecer os saberes da comunidade, além daqueles trabalhados em seus currículos, e com eles promover uma constante e fértil transformação tanto dos conteúdos escolares quanto da vida social (SECAD MEC, 2009, p. 33).

As experiências orientadas pela perspectiva de educação integral proposta pelo Programa Mais Educação mostram que a articulação entre a escola e o território cria condições para quatro aspectos fundamentais: a ampliação e diversificação das interações educativas com a articulação de novos tempos, espaços, agentes e linguagens ao cotidiano formativo, o engajamento das famílias e das comunidades; a aprendizagem em contexto, com enorme ganho em relação ao sentido do que se aprende e a possibilidade da escola se articular a uma rede de proteção social (assistência social, saúde) que garanta direitos que impactam a aprendizagem e o desenvolvimento das crianças e estudantes para além do que cabe a escola.

Deste modo, em síntese, a Educação Integral propõe além da ampliação da jornada com a consequente superação da “escola de turnos” como denunciava Anísio Teixeira, também uma reorganização curricular que supere o “mais do mesmo”.  Ou seja, não se trata de manter as aulas de 50’de forma fragmentada e incluir no dia a dia atividades de contraturno. No lugar disso, a ideia é promover a integração das diferentes experiências dos estudantes e da comunidade às diferentes áreas do conhecimento – linguagens, território e agentes. Além disso, é promover uma gestão intersetorial que permita à escola estar articulada a rede de proteção social e aos demais agentes educadores do seu território.

Trata-se de reconectar os tempos da escola com os tempos da vida de nossos estudantes, procurando entender o continuum, entre esses tempos e a presença dos estudantes com seus saberes e múltiplas possibilidades de aprendizagens. Trata-se de, a partir dos processos de reflexão e ação instituídos há muito em muitas escolas, avançar na qualificação do espaço escolar como espaço de conhecimentos e valores, como espaço no qual a vida transita em sua complexidade e inteireza, como espaço no qual cada estudante, com razão e emoção, possa conhecer e operar com a música, com as ciências, com as artes cênicas, com a matemática, com a literatura, onde cada um e todos em relação possam se humanizar e se singularizar, entendendo o mundo e entendendo-se no mundo. Trata-se de fazer acontecer o encontro entre a escola e a cidade, a escola e a comunidade, a escola e a rua, ampliando-se e garantindo-se territórios para percursos formativos de nossas crianças e nossos jovens. (MOLL, 2013, p. 45) 

Nesse sentido, a Educação Integral propõe um conceito de qualidade que reconhece a singularidade dos sujeitos e territórios, compreende o estudante como sujeito social, histórico, multidimensional e competente e o/ a professor/a como profissional que pesquisa, reflete e produz conhecimento relevante à medida que conhece seus estudantes e sua realidade.

Os profissionais da Educação não são, portanto, meros implementadores das políticas, executores de estratégias que lhes chegam prontas ou ministrantes de aulas. Eles são os especialistas na docência com enfoque na realidade em que atuam e por isso precisam contar com autonomia, formação continuada e condições de trabalho para coletivamente construírem os caminhos mais efetivos para seus estudantes e suas comunidades. 

Educação Integral: Aprendizagem e Desenvolvimento Integral

Como já mencionado anteriormente a Educação Integral como concepção de qualidade entende que a aprendizagem e o desenvolvimento integral devem caminhar juntos. Isso significa dizer que é compromisso da educação o desenvolvimento integral criança e do estudante nas diferentes etapas da vida. Isso implica reconhecer as singularidades de cada etapa. Educar uma criança na primeira infância não é o mesmo que educar uma criança maior ou um adolescente, um jovem ou ainda um adulto. Deslocar a centralidade dos conteúdos para os sujeitos implica em reconhecer estas especificidades e organizar tempos, espaços, recursos e propostas a partir delas. 

Além disso, compreende-se que aprendizagem é fruto das relações do sujeito não apenas com os objetos do conhecimento, mas com tudo que o cerca. Por isso, pressupõe a integração dos diversos tempos, espaços e agentes ao cotidiano educativo e orienta as escolhas pedagógicas pela compreensão de que a educação é um processo contínuo e não se limita a trajetória escolar.  Deste modo, o papel da educação é garantir que os sujeitos constituam autonomia para aprender e agir no mundo. E esse exercício pode e deve ser proposto desde a primeira infância. 

Esta perspectiva articuladora da aprendizagem ao desenvolvimento integral pressupõe um currículo integrador. Isso significa que muito além da definição dos objetos do conhecimento de cada componente das diferentes áreas, um currículo orientado pela educação integral é resultado da construção coletiva em torno das seguintes questões fundamentais: por que ensinar e avaliar (qual o projeto formativo) e a partir disso o que ensinar e avaliar, como, onde, quando, para quem e por quem? (ANDRADE, WEFFORT, COSTA, 2019). 

De maneira breve, isso significa que se o projeto formativo for a instrumentalização dos estudantes com vistas a reprodução passiva dos conhecimentos adquiridos, o que ensinar pode ser uma definição externa como a BNCC, a aulas expositivas são suficientes, assim como a sala de aula como único espaço, as aulas de 50’, qualquer que seja o aluno sempre e apenas com o professor de cada componente.

No entanto, se a perspectiva for da educação integral e o projeto for a formação de sujeitos com autonomia para aprender, construir conhecimento de forma crítica e atuar na realidade com responsabilidade pessoal e coletiva, neste caso as práticas pedagógicas devem ser mais integradoras oferecendo múltiplas formas de estudo e de investigação, múltiplas linguagens e interações e fazendo da avaliação um processo formativo em si.

Essa perspectiva tem implicações na organização dos tempos, espaços e recursos. Implica em articular saberes envolvendo como mestres não apenas os professores, mas outros agentes da escola e do território, incorporar espaços dentro e fora da escola no cotidiano, integrar disciplinas e promover modalidades organizativas mais favoráveis a uma aprendizagem ativa como projetos disciplinares e interdisciplinares, roteiros de estudo, laboratórios, assembleias, entre outros.

Para elas, aulas de 50’, provas e testes e o isolamento dos professores em suas áreas não atendem. Mas o sentido de transformar estas práticas não está em uma ideia vazia de “inovação”. Está no horizonte formativo. Ou seja, quaisquer que sejam as escolhas em torno das estratégias e da organização dos tempos e espaços elas respondem a um projeto formativo e devem ser feitos de forma reflexiva, aprofundada e coletiva na escola.      

A possibilidade de tornar permanentes e cotidianas as experiências educativas que mobilizam os corpos, as relações interpessoais, as culturas, as emoções e o intelecto estão na base de um currículo na Educação Integral. Significa tornar mais presentes oportunidades de observação, experimentação, formulação e investigação de hipóteses, resolução de problemas, comparação de diferentes estratégias e, muito importante, a valorização da tentativa e do erro.

O pior que um processo educativo pode fazer (e o faz, de diferentes formas e em diferentes contextos) é hipervalorizar o acerto sem olhar para o processo. É o que testes de múltipla escolha, por exemplo, reforçam. Não cria, não produz conhecimento e não reflete criticamente quem não se propõe a tentar e a errar. É nesse processo de experimentação que mora a autonomia. A possibilidade de valorizar a capacidade e a abertura dos sujeitos a reinvenção da realidade só é possível se aprender for um processo de descoberta e não de mera reprodução de esquemas prontos. 

Há muito já escrito, pesquisado e produzido pelas escolas públicas, redes, universidades e organizações sociais brasileiras. Escolas como a EMEF Waldir Garcia (Manaus/AM), a EMEF Espaço de Bitita (São Paulo/SP), a E.M. POEINT – Polo de Educação Integrada de Belo Horizonte/MG, municípios como Contagem (MG), Diadema (SP) e Porto Seguro (BA), entre tantos outros, mostram que esta educação não é utopia. Por todo o país, a Educação Integral se mantém como horizonte para milhares de educadores, pesquisadores e ativistas. 

Os desafios sociais, econômicos, ambientais e políticos que se interseccionam no Brasil apontam para a persistência das desigualdades estruturais que desde sempre submetem uma grande parte de nossa população a uma condição de cidadania incompleta marcada pela violação de direitos. Esse contexto demonstra que efetivar uma Educação Integral, democrática, inclusiva e antirracista para todas as pessoas não é apenas um imperativo ético, mas também uma tarefa inadiável. 

Obs: Agradeço a leitura crítica e as contribuições de Ana Paula de Pietri, André Lazaro, Carlos Eduardo Fernandes Junior, Gina Vieira Ponte e Maria Thereza Marcílio.

Referências bibliográficas

ANDRADE, Julia Pinheiro; COSTA, Natacha; WEFFORT, Helena Freire. Currículo e Educação Integral na Prática: uma referência para estados e municípios. Caderno 1. São Paulo: Centro de Referências em Educação. Disponível em: https://educacaointegral.org.br/curriculo-na-educacao-integral/wp-content/uploads/2019/01/caderno-1-curriculo-e-ei-na-pratica.pdf

ARROYO, Miguel. Currículo, território em disputa. 5.ed. Petrópolis: Vozes, 2013.

BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Texto Referência para o debate nacional. Série Mais Educação – Educação Integral. Brasília: SECAD/MED, 2009.

Integral/British Council, 2019. Disponível em: http://educacaointegral.org.br/curriculo-na-educacao-integral

MATUOKA, Ingrid. Educação Integral: qual o sentido de mais tempo na escola? São Paulo: Centro de Referências em Educação Integral, 2013. Disponível em https://educacaointegral.org.br/reportagens/educacao-integral-qual-o-sentido-de-mais-tempo-na-escola/

COSTA, Natacha. É hora de territorializar a escolar pública brasileira, https://educacaointegral.org.br/reportagens/e-hora-de-territorializar-escola-publica-brasileira/, 2020

COSTA, Natacha e BRANDÃO, Daniel. Avaliação na Educação Integral – Elaboração de novos referenciais para políticas e programas. Centro de Referências em Educação Integral e MOVE. São Paulo: 2020.

LEITE, Lúcia Helena Alvarez; CARVALHO, Paulo Felipe Lopes de, Educação (de Tempo) Integral e a Constituição de Territórios Educativos, Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 41, n. 4, p. 1205-1226, out./dez. 2016.

GOMES, Nilma Lino. Educação cidadã, etnia e raça: o trato pedagógico da diversidade. In: CARVALHEIRO, Eliane (org.) Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa escola. São Paulo: Selo Negro Edições, 2001 (p. 83-96).

MOLL, Jaqueline. Os Tempos da Vida nos Tempos da Escola: em que direção caminha a mudança? In: MOLL, Jaqueline, Os Tempos da Vida nos Tempos da Escola: Construindo Possibilidades. Editora Penso, Porto Alegre, 2a edição, 2013.

PEREIRA, Bergman. 22º – Webinário Municipal – Educação – Montanha-ES, 2023.  Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=F2nAamqw9RE

SANTOS, Milton. Território e Dinheiro. In: Território e Territórios Niterói: Programa de Pós Graduação em Geografia, 2002.

TEIXEIRA, Anísio. Centro Educacional Carneiro Ribeiro. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v.31, n.73, jan./mar. 1959. Disponível em www.bvanisioteixeira.ufba.br/artigos/cecr.htm.

UNICEF. 30 anos da convenção sobre os direitos da criança: avanços de desafios para meninas e meninos no Brasil. Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF): Brasília, 2019. Disponível em https://www.unicef.org/brazil/relatorios/30-anos-da-convencao-sobre-os-direitos-da-crianca

UNICEF. As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil. Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF: Brasília, 2023. Disponível em https://www.unicef.org/brazil/relatorios/as-multiplas-dimensoes-da-pobreza-na-infancia-e-na-adolescencia-no-brasil

Sobre as experiências citadas:

Não há paz sem luta por direitos: EMEF Espaço de Bitita e o Antirracismo no centro

Waldir Garcia: escola transforma vida de estudantes em Manaus e inspira o Brasil e o mundo 

Sem provas ou salas de aula, escola atrela currículo ao território em Belo Horizonte (MG)

Em Jundiaí (SP), crianças aprendem fora da escola e com a natureza 

Parceria entre Educação Básica e Superior faz o tempo integral acontecer em Porto Seguro (BA)

Almirante Tamandaré (PR): onde o tempo integral acontece no território 

Com antirracismo, GET Dorcelina Gomes da Costa enfrenta desafio da violência no território 

Tutoria: um dos eixos da Educação Integral em Contagem (MG)

Território de Direitos: conheça o programa de Educação Integral de Diadema (SP) 

Especiais temáticos do Centro de Referências em Educação Integral

Educação Integral: Mais Tempo para Quê? 

Apresenta experiências e políticas públicas de escolas e redes que atuam com o tempo integral, além de reflexões e análises de especialistas sobre a atual política pública federal de Educação Integral.  

Educação Decolonial: O futuro da escola é ancestral

Retrata escolas que transformam a Educação a partir das ancestralidades africanas, afro-brasileiras e indígenas 

Escola Segura: Cultivando a Cultura de Paz 

Conteúdos que buscam apoiar a reflexão e a elaboração de estratégias e ações coletivas para prevenção das violências a partir de uma perspectiva educativa e acolhedora.

Exclusão escolar: Estratégias de enfrentamento à exclusão escolar e garantia do direito à educação no Brasil

Experiências e estratégias que podem apoiar redes e escolas no enfrentamento à exclusão escolar.

O Especial Educadores 
Material do 
Centro de Referências em Educação Integral traz 10 especialistas fundamentais para compreender a educação integral e a importância da escola pública no Brasil. 

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