Professora promove o letramento a partir da etnometeorologia em Paraty (RJ)
Publicado dia 18/11/2022
Publicado dia 18/11/2022
Joaci Reis conversa com o tempo. Marinheiro experiente, ele leva e traz as crianças que moram nas ilhas de Paraty (RJ) para a Escola Municipal João Apolônio dos Santos Pádua, onde também estudou quando criança. De leme em mãos, olha para o céu e sabe que se tem nuvem rabo de galo lá no alto, vai chover em três dias. Mas se baixar, é para hoje. Disso depende seu trabalho e a segurança das vidas que ele transporta. Os saberes mobilizados por Joaci fazem parte da etnometeorologia, isto é, a ciência que estuda o conhecimento popular sobre o tempo e o clima, inserida em um contexto cultural e desenvolvida ao longo de vários anos de observação popular sobre o mesmo ambiente.
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Miriam Fátima Esposito Macedo Pinheiro, professora de Língua Portuguesa da unidade, que atende crianças de 4 a 12 anos em uma turma multisseriada, notou a riqueza de seus saberes e fez uma proposta para ele e sua filha, Joice, que ajuda a cuidar das crianças no barco: criar um projeto pedagógico de letramento em etnometeorologia a partir desses conhecimentos.
“Se tem saber empírico, tem Ciência. Ele aprendeu tudo isso com o avô e muita paciência, desde menino, na Ilha do Algodão. Ele olha as marés, a Lua, o movimento dos pássaros e o tipo de orvalho, para saber, com muita intimidade, o que a natureza diz para ele. Então nossa proposta foi transformar tudo isso em pesquisa para nossas crianças”, conta a educadora.
Assim teve início o projeto de etnometeorologia, que está entre os dez vencedores da 6ª edição do Prêmio Territórios, uma iniciativa do Instituto Tomie Ohtake, realizada em parceria técnica com a Cidade Escola Aprendiz e o Centro de Referências em Educação Integral.
No barco, que se transformou em sala de aula, Seu Joaci foi contando para as crianças como ele prevê o tempo. Mostrou as formas das nuvens, seus nomes e variadas alturas, ensinou a sentir o vento e a identificar sua direção em relação à Rosa dos Ventos, a olhar as marés, o movimento da Lua e do Sol.
“Além de valorizar a cultura local e o conhecimento da comunidade, também é importante que essas crianças, que moram em região costeira, saibam se localizar e prever as condições do tempo”, explica Miriam.
A partir dessas observações, agora na escola, as crianças começaram a desenhar os formatos das nuvens usando giz pastel e aquarela. Enquanto criavam suas artes, conversavam sobre as expressões que Seu Joaci usou para descrevê-las e para se comunicar com a turma. Ele dizia: “Não faz alvoroço no barco” e as crianças perguntavam: “O que é alvoroço? Onde fica o entre o céu e o mar daqui? Quem é caiçara?”.
Com a ajuda dos mais velhos, as crianças começaram a formar um glossário de palavras e expressões usadas por Seu Joaci e a estudar as variações linguísticas. Criaram textos enigmáticos, estudaram rimas e, com a mediação da professora, criaram uma poesia épica para contar e homenagear a história de Seu Joaci.
Todo esse material foi, então, reunido na cartilha “Seu Joaci e o Tempo – A previsão do tempo na voz do marinheiro caiçara de Paraty”, que traz a poesia épica, os desenhos das nuvens, o glossário e outras informações e fotos do projeto.
“É um currículo diferenciado rico que promove o letramento a partir do reconhecimento da importância desse território, da comunidade e seus saberes. Isso cria condições muito favoráveis para a aprendizagem, para que as crianças se coloquem como pesquisadoras, aprendam a perguntar, para que construam sua identidade e respeitem e protejam a memória e os saberes caiçaras e, na verdade, de qualquer povo”, destaca a educadora, que enxerga a escola como um “território inserido em um território”.
Além disso, esse trabalho também contribui para que as crianças compreendam verdadeiramente o que significa preservação ambiental. “Só é possível cuidar do meio ambiente depois de se sentir pertencente ao lugar”, diz Miriam.
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