publicado dia 30/06/2023
Educação Integral: qual o sentido de mais tempo na escola?
Reportagem: Ingrid Matuoka
publicado dia 30/06/2023
Reportagem: Ingrid Matuoka
Nos últimos anos, a agenda da Educação Integral pôde se manter viva graças ao trabalho de educadoras(es), escolas e redes municipais e estaduais de Educação.
No âmbito federal, só em 2023 é que as discussões em torno da concepção, bem como do tempo integral, puderam ser retomadas enquanto política pública nacional.
Mas, afinal, para que serve mais tempo na escola e que diferença faz ampliar a jornada a partir da concepção de Educação Integral?
A concepção de Educação Integral versa sobre compreender os estudantes como sujeitos integrais e, a escola, como agente central para desenvolver suas múltiplas dimensões – intelectual, física, emocional, social e cultural.
Também diz respeito a trabalhar para fazer valer os direitos dos estudantes e suas famílias, apoiados pela rede de proteção integral. Ainda, a realizar um processo de ensino e aprendizagem conectado ao território, à comunidade e às demandas dos estudantes e do mundo contemporâneo.
O tempo integral, por sua vez, é definido por um período letivo de, no mínimo, 7 horas por dia nos 5 dias da semana, como determina o Conselho Nacional de Educação (CNE). A jornada ampliada pode acontecer, ou não, a partir da concepção de Educação Integral.
As pesquisas de Julia Dietrich, que é consultora em políticas educacionais, pesquisadora e doutoranda da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), mostraram que ampliar o tempo diário na escola de 4 para 5 horas já traz ganhos expressivos, mas a faixa de 6 a 7 horas foi dada como ideal. Mais do que isso, não costuma haver benefícios significativos.
“Essa faixa horária é a que melhor concilia o tempo da escola com outras experiências do sujeito, como o tempo com a família, na comunidade, o tempo de fruir e descansar. Levar tudo isso em consideração é olhar para o sujeito integral”, define Julia.
Também é importante indicador de sucesso na trajetória escolar dos estudantes quando se amplia o tempo na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, muito mais do que quando o aumento da jornada se dá ao final da Educação Básica, nos Anos Finais ou no Ensino Médio.
Para o contexto atual do Brasil, considerar como vai a aprendizagem dos estudantes também precisa envolver se perguntar se eles estão com fome, submetidos a trabalho infantil ou outras violências e privações de direitos, que foram agravadas nos últimos anos.
“A educação não pode andar ao largo dessa realidade e precisa se comprometer com o enfrentamento destas violações de direitos”, diz Natacha Costa, diretora executiva da Associação Cidade Escola Aprendiz.
Para tanto, as escolas não podem atuar sozinhas. “É preciso que cada escola possa contar com uma rede de proteção, como a Cultura, Esporte, Saúde e Assistência Social”, explica Tereza Perez, diretora-presidente da Comunidade Educativa CEDAC.
Passar mais tempo em uma escola que considera bebês, crianças, adolescentes, jovens e adultos em suas múltiplas dimensões é, dessa forma, uma maneira de promover direitos e diminuir desigualdades.
“É dar mais tempo para que os estudantes tenham a possibilidade de criar novas e melhores relações com seus pares, com os professores, com o conhecimento e o território, especialmente para quem o acesso a tais oportunidades foi menos garantido hoje, mas também ao longo da história do Brasil”, afirma Tereza.
Quando a ampliação do tempo não leva em conta a integralidade do sujeito, as escolas podem acabar promovendo a exclusão dos estudantes, seja porque usam a jornada estendida de forma idêntica ao tempo regular, o que costuma afastar ainda mais os estudantes da escola, ou porque não garantem condições para que se permaneça o dia todo na escola.
Confira, a seguir, alguns dos pontos que contribuem com especial importância para promover a Educação Integral em tempo integral.
A escola pública é para todos e todas. Gratuita e laica. Por isso seu princípio fundante é garantir as várias condições para que todos possam acessar, permanecer e aprender na escola, trazendo para dentro dela toda a potência da diversidade que compõe cada sujeito, como sua raça, identidade de gênero, religião, sem deixar de lado a inclusão de estudantes com deficiência.
No Brasil, quem primeiro sonhou com essa escola foi Anísio Teixeira (1900-1971) que, junto a várias educadoras e educadores, lutaram ou seguem ativos por uma Educação de qualidade para todos.
“Essa escola vem sofrendo uma série de ataques nos últimos anos, como desfinanciamento, propostas de homeschooling, do Escola Sem Partido, até ataques físicos, e a função social da escola foi colocada em questão. Mas qualquer país que se digne a proteger e garantir direitos precisa de uma Educação que seja para todas as pessoas e que, no caso do Brasil, supere a histórica negligência ao direito à Educação”, diz Natacha.
Gestão democrática e Projeto Político Pedagógico (PPP)
Por ser de todos(as), a escola precisa ser construída por todos(as). Um instrumento que pode servir para promover o debate em torno do projeto de escola e de pactuação coletiva é o PPP.
“Participar é um direito garantido pela LDB [Lei de Diretrizes e Bases] e uma necessidade, porque a comunidade interna e externa precisa pensar a educação e se corresponsabilizar com aquele percurso. Isso desenvolve o senso de autonomia e de coletividade em todos. Também firma uma pactuação importante, tanto com o desejo de transformação, quanto com o cumprimento de combinados”, explica Tereza.
A gestão democrática também vale em relação à escola e a Secretaria de Educação, explica Natacha: “Precisamos fortalecer a escola enquanto espaço de formulação e criação, e não apenas de implementação de políticas públicas e de recursos como planos de aulas que chegam prontos e não levam em consideração os sujeitos e o contexto local”.
Conheça a metodologia do Centro de Referências em Educação Integral de currículo e avaliação de políticas e programas de Educação Integral.
É comum que se compreenda o tempo integral como aulas em um período e, no contraturno, atividades e oficinas de Artes, Esportes, entre outros – uma cisão que precisa ser superada.
“É preciso um currículo integrado que vai unir diferentes experiências às áreas do conhecimento, diversificar as interações, trabalhar com várias linguagens, a partir do território, com os agentes desse local e de fora dele, e que é um documento vivo, a ser construído com os estudantes, com a comunidade escolar, sempre pensando na aprendizagem associada ao sentido de aprender”, explica Natacha.
Já ouviu falar em currículo decolonial? Saiba mais sobre este conceito.
Nisso, é essencial que se discuta como a diversidade que se apresenta na escola é refletida nesse documento. “O currículo também diz o que queremos como sociedade. Se temos uma postura antirracista, esse currículo vai valorizar uma visão mais ampla do mundo, trazendo saberes africanos, afrobrasileiros e indígenas. Também vai favorecer a interação, aprender a dialogar, refletir, o convívio democrático, o respeito às diversidades e a convivência entre diferentes idades e culturas”, define Tereza.
A Finlândia, referência em qualidade educacional no mundo, vem progressivamente diminuindo a jornada escolar. “O Brasil vai na direção oposta porque lá eles já criaram políticas públicas complementares de Educação e Infância no país, então os estudantes passam uma parte do tempo na escola e, outra, na cidade”, relata Julia.
Essa é uma forma, inclusive, de financiar o tempo integral, ao dividir as responsabilidades e o financiamento de políticas públicas, projetos e atividades com outros setores, como museus, parques, praças e centros esportivos e de convivência.
“As pesquisas mostram, e Paulo Freire já dizia, que não é só na sala de aula, nem só com os professores que as crianças aprendem. As atividades que se dão com outras pessoas, fora da sala de aula, como socializar, entrar, sair e se alimentar, são tão pedagógicas quanto o que acontece nas salas de aula e também contribui a aprendizagem dos conteúdos curriculares como Português e Matemática”, explica Julia.
Uma escola que se conecta ao território e à comunidade também contribui para superar a massificação e descontextualização do que os estudantes aprendem, dando lugar às potências de cada cultura.
Se cada escola se transforma a partir das características de cada comunidade, ela também passa a alterar esse território. “A escola e o conhecimento são fontes de transformação individual e coletiva, especialmente quando os saberes circulam entre escola e comunidade”, diz Tereza.
É por meio da ação de educadoras e educadores que toda essa concepção de Educação pode se materializar. Por isso, políticas de valorização financeira e de formação do magistério, bem como a garantia de condições de trabalho, são cruciais.
“Nossos professores são inteligentes, criativos, produtivos. Não podemos tratá-los como implementadores, mandando material pronto e fazendo prova. Eles são muito mais do que isso”, reafirma Tereza.
Outra condição importante para o tempo ampliado funcionar bem é garantir que os professores possam trabalhar em equipe. “Ter acesso à retroalimentação de práticas pedagógicas, como discutir com um coordenador, diretor ou coletivo de professores sobre sua prática, para construir conhecimento junto, é central”, aponta Julia.
Além de salas bem iluminadas, ventiladas e que não estejam superlotadas, é essencial que toda a infraestrutura da escola garanta condições dignas para estar e aprender na escola, como a alimentação, o transporte, quadras esportivas, laboratórios de ciências e material pedagógico, didático e acessível. “A infraestrutura também dita o currículo”, diz Julia.
Saiba mais sobre os marcos legais da Educação Integral no Brasil.