publicado dia 01/06/2023

Programa Escola em Tempo Integral é conquista, mas precisa de definição sobre concepção

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Com o objetivo de ampliar a oferta de tempo integral nas escolas, o governo federal lançou em 12 de maio o Programa Escola em Tempo Integral, idealizado pelo Ministério da Educação (MEC).

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“Só o fato de existir um programa, do MEC pautar com prioridade a agenda da Educação Integral, é muito positivo”, celebra Claudia Cristina Pinto Santos, doutoranda em Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) que atua na coordenação do Observatório Nacional de Educação Integral e no Comitê Territorial Baiano de Educação Integral. 

A especialista aponta, contudo, pontos de preocupação. Por exemplo, que o Programa não preveja recursos para as redes e escolas que, há anos, vêm trabalhando arduamente para sustentar seus programas de Educação Integral apesar de vários entraves, como a falta de financiamento e de coordenação nacional. 

“É um tiro no pé”, diz Claudia Cristina Santos Pinto sobre manter o Fundeb no arcabouço fiscal e as condições de implementação do Programa Escola em Tempo Integral

“É preciso mostrar que projeto é esse de Educação Integral, dizer exatamente de qual concepção estamos falando, o que é preciso fazer. O Programa não deixa claro o que ele respalda, qual é a proposta curricular, que pode ser qualquer uma. É preciso ter mais elementos para o convite à adesão além da questão financeira”, acrescenta Claudia, que também foi consultora do MEC/UNESCO, do Programa Mais Educação e é coordenadora pedagógica na rede municipal de Educação de Nazaré (BA).

A especialista comentou ainda como o Programa pode ser impactado se o Senado Federal decidir pela manutenção do Fundeb no arcabouço fiscal, como fez a Câmara dos Deputados no final de maio: “é um tiro no pé”. Leia a entrevista completa a seguir: 

Centro de Referências em Educação Integral: Esta é a primeira vez em que o governo federal lança um programa de Educação Integral em tempo integral desde o Mais Educação. Qual a importância disso, considerando também o contexto atual do Brasil?

Claudia Cristina Pinto Santos: Só o fato de existir um programa, do MEC pautar com prioridade a agenda da Educação Integral, é muito positivo. O Programa vai abrir adesão com a expectativa de atingir um número expressivo para que novas escolas passem a construir um currículo e um trabalho na perspectiva da Educação Integral. 

A ampliação é bacana no sentido de se aproximar da meta 6 do Plano Nacional de Educação (PNE), uma medida necessária que determina que as escolas públicas ofereçam vagas desse tipo em, no mínimo, 50% das unidades da rede.

A educação pública ficou órfã durante esses longos 6 anos, porque não houve uma coordenação para ajudar os municípios e as redes a pensarem as suas políticas de educação. Ter a coordenação nacional à frente de uma proposta é fundamental porque direciona, dá diretrizes e, sobretudo, respalda o financiamento.

CR: O que acha da proposta de financiamento que o Programa Escola em Tempo Integral apresenta?

CCPS: Me preocupada não ver nenhuma ação diretamente prevista no campo do financiamento para as escolas antigas que vem, desde outros anos, resistindo a duras penas para seguir trabalhando em uma perspectiva de Educação Integral em tempo integral

Considerando as dificuldades dos municípios, que estavam ávidos pela retomada da pauta e da agenda para que pudessem ter mais incentivo financeiro para melhorar o que estão fazendo hoje, o programa apresentado pelo MEC não direciona nenhum tipo de recurso para essas escolas. 

Também é preciso ter o cuidado de construir essa pauta com diversos setores, de maneira dialogada e transparente, e retomar a luta da autonomia da unidade escolar. 

É o governo de Lula quem efetivamente fortalece o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) no começo dos anos 2000, e não se fala disso na gestão atual, que está retomando um programa de Educação Integral em tempo integral, e não pensa em como criar autonomia e fortalecimento da unidade escolar. 

CR: Fica nítida a concepção de Educação que vai respaldar a jornada ampliada nas escolas?

CCPS: Acredito que os municípios tenham interesse em aderir ao Programa porque querem alcançar uma meta, mas é insuficiente puxar uma adesão apenas como promessa financeira. 

É preciso mostrar que projeto é esse de Educação Integral, dizer exatamente de qual concepção estamos falando, o que é preciso fazer. O Programa não deixa claro o que ele respalda, qual é a proposta curricular, que pode ser qualquer uma. É preciso ter mais elementos para o convite à adesão além da questão financeira. 

Um exemplo de como isso pode ser prejudicial são as escolas militarizadas, um modelo que já deveríamos ter superado, mas que na Bahia há municípios que seguem implantando o modelo, e que podem aderir ao Programa e virar de tempo integral. Mas qual concepção de Educação Integral uma escola militarizada pode ter? 

Sem considerar o desenvolvimento das diversas dimensões dos sujeitos, a perspectiva humanística, de articulação com o território, podemos criar depósitos de crianças e adolescentes – muito mais uma gaiola do que uma escola que liberta. Pode virar um espaço que potencializa o ódio, o preconceito, as desigualdades da sociedade como um todo, porque não se pensa nessa formação integral.

CR: O Brasil tem um longo histórico com políticas de Educação Integral, em tempo integral. O que valeria considerar dessa experiência prévia para o Programa atual?

CCSP: Os próprios fundamentos e concepções da Educação Integral são conquistas históricas que encontramos em Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro e tantos outros que pensaram a Educação Integral

Do que já vivemos e temos vivido, precisamos considerar a formação de professores para esse cotidiano de jornada estendida. Não dá para o tempo a mais na escola ser um apêndice, um contraturno. Deu para aprender que não é isso que queremos, porque precisamos de um currículo integral

Tem que olhar para o Mais Educação, que traz os macrocampos e como eles podem acompanhar melhor o desenvolvimento da aprendizagem enquanto direito. Precisamos de uma escola que seja democrática, à medida que lida com outros setores da sociedade e se articula ao território. 

Tem que ir aperfeiçoando o que já vem sendo construído. Ver o que outras políticas e tentativas de implementação acertaram e erraram. É isso que tem que ser visto para podermos avançar.

CR: A Câmara dos Deputados aprovou a inclusão do Fundeb no arcabouço fiscal. Se o Senado seguir o mesmo caminho, como isso afeta a viabilidade do Programa Escola em Tempo Integral?

CCSP: É um tiro no pé. Lutamos tanto e vencemos a luta do Novo Fundeb em meio a um governo reacionário. Agora, entregamos ele de bandeja, e ele é o que há de mais precioso, porque é investimento na educação pública. 

Manter o Fundeb no arcabouço fiscal vulnerabiliza o financiamento para a Educação Básica, o processo de investimento na valorização do magistério, então infelizmente vamos pagar um preço muito alto. 

Sem dúvida alguma vai afetar o Programa Escola em Tempo Integral, porque a Educação Integral depende de progressivamente aumentar os investimentos na malha física, na contratação de funcionários e na melhoria da qualidade da alimentação. Qualquer redução de investimentos compromete um projeto de Educação Integral. 

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