publicado dia 05/08/2022
Dez propostas para retomar a agenda da Educação Integral no Brasil; leia manifesto
Reportagem: Ingrid Matuoka
publicado dia 05/08/2022
Reportagem: Ingrid Matuoka
O programa Mais Educação, principal política indutora da educação integral no Brasil, que chegou a mais de 60 mil escolas e 7,5 milhões de estudantes, foi interrompido em 2016, mas seu legado permanece vivo. É o que mostrou a Conferência Nacional e Popular da Educação de 2022 (Conape), que reuniu centenas de educadores e educadoras para discutir as prioridades para efetivar o direito à educação com qualidade por todo o Brasil – entre elas, uma educação integral, em tempo integral.
Leia + Conape 2022 consolida propostas por uma educação pública de qualidade no Brasil
Entre os dias 15 e 17 de julho, reunidos em Natal (RN), especialistas e profissionais da Educação consolidaram o Manifesto Por uma Educação Integral, em Tempo Integral. O documento, respaldado pela meta 6 do Plano Nacional de Educação (PNE), que estabelece diretrizes e estratégias para a implementação da educação integral até 2024, apresenta dez propostas para convocar o compromisso do Estado em implementar uma política pública de educação integral.
“Precisamos construir cultura de paz e esse Manifesto vem mostrar os caminhos e dizer que essa luta continua”, diz Jaqueline Moll
“Essa agenda é uma urgência da sociedade brasileira, uma grande tarefa histórica sempre postergada. Essa concepção de educação, com mais tempo formativo, pode ajudar a construir uma compreensão ampla do mundo, a compaixão pelos outros, o compromisso com o meio ambiente, a afirmação da agenda de direitos humanos – o racismo mata, o machismo mata, a homofobia mata. Precisamos construir cultura de paz e esse Manifesto vem mostrar os caminhos e dizer que essa luta continua”, diz Jaqueline Moll, pesquisadora e professora na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que foi responsável pelo desenho e implementação do Mais Educação.
O documento é fruto de debates entre educadores e educadoras que compartilharam os desafios e os avanços que conquistaram trabalhando a partir da concepção de educação integral, gestores que relataram os esforços para ampliar a jornada, estudantes que contaram suas vivências nessas escolas e especialistas que trouxeram estudos e outras articulações com a política pública e os marcos legais.
“É um encontro de um coletivo de instituições, professores e gestores envolvidos nesse trabalho na escola pública há anos, com muitas pesquisas e experiências que revelam a importância dessa alternativa para o país”, afirma Claudia Cristina Pinto Santos, membro da coordenação do Observatório Nacional de Educação Integral e do Comitê Territorial Baiano de Educação Integral.
O fato de o manifesto ter sido consolidado por pessoas que estão no chão da escola garante que as propostas sejam viáveis, contextualizadas e possam ser efetivamente implementadas, além de destacar seu caráter de política de Estado, não de governo. “Já conhecemos bem o resultado das políticas educacionais que não passam pela escola e a comunidade. É fundamental mudar os conteúdos e as políticas educacionais, inclusive o modo de fazê-las”, reforça Jaqueline.
“Educação integral é um projeto de sociedade, de maneira de viver nesse planeta, nessa sociedade, porque é uma educação que não se priva aos muros e aos tempos da escola”, aponta o professor Diovane de César Resende
Para o contexto atual do Brasil, de ampliação das desigualdades estruturais e históricas do país, que afetam sobretudo as populações negras, indígenas e periféricas, garantir às crianças e adolescentes uma educação de qualidade é central.
“Educação integral é um projeto de sociedade, de maneira de viver nesse planeta, nessa sociedade, porque é uma educação que não se priva aos muros e aos tempos da escola. É retomar um projeto de sociedade e, ao mesmo tempo, um projeto de vida, fundamental hoje, com tantas vidas sendo menosprezadas, subjugadas. Temos um povo sobrevivendo, não vivendo”, aponta Diovane de César Resende, professor na Escola Municipal Adolfo Bezerra de Menezes e coordenador pedagógico na Secretaria Municipal de Educação de Uberaba (MG).
Para Jaqueline, a Conape 2022 mostrou que “a educação integral está viva” e que as experiências apresentadas mostram a efetividade dessa concepção de educação em promover uma sociedade mais equitativa. “A agenda da educação integral dá respostas estruturais e vem caminhando pouco a pouco promovendo mudanças efetivas nas escolas e na sociedade. Uma escola injusta, seletiva e despreparada é reflexo de uma sociedade que se autoreproduz através da escola como seu espelho. Então precisamos pensar nessa relação orgânica e no impacto que causa a mudança das escolas: é mudança na sociedade”, pontua.
Para tornar esses propósitos concretos e retomar o fortalecimento da agenda da educação integral no Brasil, o Manifesto elenca 10 pontos para pensar uma escola democrática, bem estruturada, dinâmica, aberta ao território e com condições de ofertar uma educação de qualidade que promova o desenvolvimento humano em todas as suas dimensões: intelectual, física, afetiva, social, cultural, ética, estética e política, entre outras.
Leia na íntegra o Manifesto Por uma Educação Integral, em Tempo Integral.
Um dos pontos centrais do Manifesto diz respeito a ampliar a jornada, garantindo aos estudantes mais oportunidades de aprendizagem. “Além de promover sua formação acadêmica, isso possibilita o sujeito autônomo, consciente, dominando novas tecnologias, em contato com a comunidade, aprendendo em diferentes territórios”, explica Nazineide Brito, integrante do Comitê Territorial de Educação Integral do Rio Grande do Norte.
Nazineide também destaca a importância da intersetorialidade, não só para ampliar as oportunidades educativas, mas também para promover a proteção integral dos estudantes e de suas famílias. “A escola precisa ser um centro de coordenação do enfrentamento à exclusão escolar e à pobreza, apoiada pela Saúde e a Assistência Social, principalmente”.
Para que essa escola seja possível, a valorização do magistério é essencial. Por isso, o documento estipula que os professores tenham piso salarial, plano de carreira, política de formação continuada, espaço na formulação de políticas públicas e condições adequadas de trabalho.
“A aproximação da Educação Básica ao Ensino Superior é outro ponto importante do Manifesto. Esse é um movimento iniciado pelo Mais Educação e necessário para uma formação de professores mais qualificada e para pensarmos uma escola diferente e mais acolhedora”, afirma Nazineide.
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