publicado dia 12/02/2025

Seminário na Câmara Municipal discute privatização de escolas públicas em SP 

Reportagem: | Edição: Tory Helena

Resumo: Conheça o que a experiência internacional e paulistana com a gestão compartilhada de escolas públicas revela sobre o modelo e entenda os prejuízos que podem derivar de tal medida. 

Nesta segunda-feira, 10/2, especialistas se reuniram na Câmara Municipal de São Paulo (SP) para discutir as várias frentes de ataque à Educação pública brasileira, sobretudo a recente proposta de conceder à iniciativa privada a gestão de escolas públicas municipais.

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Durante o Seminário Educação Pública sob Ameaça, César Callegari, do Conselho Nacional de Educação (CNE), retomou outras tentativas recentes de ferir o direito à Educação.

“As prioridades dos primeiros 100 dias do governo anterior [de Jair Bolsonaro] foram o homeschooling e o Escola sem Partido, que podemos traduzir como Lei da Mordaça. Estes não são movimentos isolados, mas uma disputa pelos recursos da Educação”. 

Em novembro do ano passado, também foi aprovada uma Proposta de Emenda à Constituição de autoria do governador do Estado Tarcísio de Freitas que diminui os investimentos em Educação de 30% para 25%. 

“Estamos falando de 10 bilhões de reais por ano a menos para a Educação, que era um financiamento obrigatório, um compromisso constitucional. É um conjunto de ataques permanentes e que pretendem ser um mecanismo de controle social e manutenção de privilégios”, sintetizou o presidente do CNE.

Já no âmbito municipal, no final de janeiro o Secretário de Educação de São Paulo (SP) Fernando Padula anunciou que vai cumprir uma das metas do prefeito Ricardo Nunes (MDB): serão escolhidas 50 escolas consideradas vulneráveis para serem geridas por iniciativas privadas. 

“É importante lembrar que essa proposta foi feita em 2021 pelos vereadores Cris Monteiro (Novo), Rubinho Nunes (União) e [ex-vereador] Fernando Holiday, que infelizmente não estão presentes aqui hoje. Eles alegam que identificaram uma crise na Educação e propõem a gestão compartilhada como saída. Mas Darcy Ribeiro já nos ensinou: não é crise, é projeto”, alertou Azuaite Martins de França, diretor do Centro do Professorado Paulista (CPP).

De acordo com a proposta, Organizações Sociais (OS) passariam a ser responsáveis pela contratação e demissão de professores, coordenadores pedagógicos e diretores escolares. 

“Quais interesses uma entidade privada poderia ter em fazer isso? A Educação pública tem que ir atrás de interesse público”, defendeu Eliseu.

O vereador também compartilhou as conclusões do livro Vida e morte do grande sistema escolar americano: como os testes padronizados e o modelo de mercado ameaçam a educação (Editora Sulina, 2011). 

Escrito por Diane Ravitch, que foi secretária-assistente de Educação e líder do movimento para a criação de um currículo nacional, a autora examina sua carreira na reforma educacional e repudia posições que ela anteriormente defendeu firmemente. 

“O livro mostra o desastre que foi. Aumentou a desigualdade social, o interesse financeiro ficou acima da qualidade, houve impactos irreversíveis para professores concursados, estudantes e comunidades e resultados educacionais abaixo das expectativas. E o Brasil querendo copiar o que deu errado”, apontou Eliseu.

A cidade de São Paulo já vivencia a prática de gestão compartilhada com OS. Durante a gestão de Marta Suplicy entre 2001 e 2004, parte das creches municipais se tornaram conveniadas, terceirizando alimentação, vigilância e limpeza.

“O que era uma medida de caráter emergencial se tornou regra”, lamentou Margarida Genofre, vice-presidente da Aprofem, o Sindicato dos Professores e Funcionários Municipais de São Paulo.

“Naquela época, vi muitos colegas exultantes, partindo da ideia de que o público é ruim e o que é privado tem qualidade. Mas isso não é verdade, tanto é que essas escolas hoje estão com uma série de problemas e de falta de condições para ofertar uma Educação de qualidade”, acrescentou Margarida.

Desde 2019, está em processo a investigação da Máfia das Creches, que atinge 152 unidades conveniadas da cidade. A Polícia Federal indica que, em um período de quatro anos, apenas um dos grupos criminosos ligados às OS investigadas movimentou mais de 1 bilhão de reais.

A falta de respaldo legal para a gestão compartilhada

Ceder a gestão das escolas públicas à iniciativa privada não encontra base legal para se materializar, explicaram os especialistas. O Artigo 37 da Constituição Federal, que regula os cargos, empregos e contratações públicas, exige que seja feito um concurso público para acessar a gestão escolar e a docência.

“Essa proposta significa intervenção, um drible na Constituição. O projeto é dividir cada vez mais, ter categorias diferentes de professores e salários para criar animosidade e governar na confusão”, analisou Azuaite.

Em relação aos recursos, a Carta Magna também estipula que os recursos públicos sejam destinados a escolas públicas, exceto quando o poder público não tem condições de ofertar com qualidade a demanda necessária, como no caso das creches conveniadas.

No caso da cidade de São Paulo, Callegari estima que a rede perderia 242,5 milhões de reais por ano de recursos do Fundeb, já que 50 escolas teriam suas matrículas privatizadas. Além dessa perda, a rede ainda precisaria destinar mais recursos para manter essas entidades privadas. 

“É um desfalque profundo nos recursos da cidade, que não tem respaldo na legislação brasileira. Trata-se de uma bandeira ideológica e mercadológica, não educacional, de quem faz um esforço enorme para ficar bem na fita com os setores ultra liberais e conservadores que dão sustentação política à Prefeitura de São Paulo”, disse Callegari. 

Se a proposta avançar, os especialistas garantem: é importante que a população acione os meios judiciais para enfrentá-la. 

“O governo Bolsonaro sempre foi contrário à vinculação de verbas para a Educação e Saúde. Ainda assim, conseguimos colocar o Fundeb como parte permanente da Constituição. Mesmo quando a correlação de forças parece adversa, ela pode ser vitoriosa quando há vigilância e mobilização necessária”, afirmou o presidente do CNE.

Assista ao seminário na íntegra:

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