publicado dia 09/02/2024

Racismo recreativo: “A Educação é o melhor para combater esse tipo de prática”, diz Thales Vieira

Reportagem:

🗒️ Resumo: Saiba mais sobre o conceito de racismo recreativo e como a Educação pode contribuir para seu enfrentamento, em entrevista com Thales Vieira, do Observatório da Branquitude.

Casos de racismo recreativo, que recobrem a violência com um véu de um suposto humor, voltam a se repetir continuamente em nossa sociedade e podem ser mais difíceis de identificar e combater do que o racismo mais explícito. 

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Para explicar o conceito, o que está em jogo na situação e as formas de combatê-la, o Centro de Referências em Educação Integral ouviu Thales Vieira, co-diretor executivo do Observatório da Branquitude.

“A escola, enquanto lugar de educação, e não de punição, precisa nomear as coisas tal qual elas são. Se não nomeia, diminui a importância e não dá a resposta condizente para a vítima”, diz Thales. 

Centro de Referências em Educação Integral: Qual é a definição de racismo recreativo e como identificar esses casos?

Thales Vieira: O livro Racismo Recreativo, do Adilson Moreira, foi paradigmático para consolidar esse conceito e fazer com que a gente possa falar de racismo e não de piada. 

O racismo recreativo não é um tipo de racismo, mas uma expressão dele, de uma ideia racista. O racismo opera em uma via de mão dupla: desumaniza, constrói estereótipos, estigmas negativos sobre a vítima, pelo que ela é de forma imutável, ao mesmo tempo em que reforça uma superioridade do algoz. 

O racismo recreativo não foge a essa regra básica, mas faz isso por meio do que chamam de piada, mas é tão grave quanto o racismo direto.

CR: Por que esse suposto humor pode tornar mais difícil o combate ao racismo na hora em que ele acontece?

TV: É porque tem camadas perversas a mais. Uma delas é porque se faz esperando que o outro ria, que não reaja, afinal de contas “é só uma piada”, então quem combate o racismo recreativo cai no lugar de chato, que não aceita brincadeiras, quando na verdade esses argumentos desprezam a dor da vítima. 

A outra coisa é que dificilmente vai partir de alguém que não conheço – estes costumam ser os casos de racismo direto – vai vir de alguém com quem estou convivendo, que tenho algum tipo de afeto. Então combatê-lo envolve um atrito, um rompimento com uma pessoa próxima.

CR: A escola é feita das mesmas pessoas formadas em nossa sociedade racista. Nestes espaços educativos, como o racismo recreativo costuma se manifestar e quais as consequências para as crianças se não houver uma intervenção adequada?

TV: O racismo recreativo entre crianças também tem esse lugar de falar que alguém é superior e alguém é inferior, e vem desde a Educação Infantil. Elas aprenderam isso em algum lugar, em casa, na rua e na escola, e reproduzem.

Nessa fase de formação de personalidade e de cognição, pode ter consequências devastadoras na autoestima, e isso transborda para as dificuldades de aprendizagem e de relacionamento. Toda a literatura sobre bullyingque na verdade é a homofobia, o racismo, a gordofobia – demonstra esses prejuízos. 

CR: Como a Educação pode contribuir para o enfrentamento ao racismo no Brasil?

TV: Por meio da Lei 10.639/03, que instituiu a obrigatoriedade do ensino da história e cultura africana e afrobrasileira nas escolas, porque reforça um lugar positivo da cultura e da população negra na formação do Brasil. 

Isso valoriza a população negra e diminui seu lugar de desumanização, porque se alguém passa 8 anos estudando e tudo que vê sobre a população negra é a escravização, sua representação fica fixada nesse lugar.

A escola tem o papel de embaralhar essas representações, não de reforçar lugares estanques. Para isso precisa de condições de trabalho, formação docente e de funcionários, e tem que ser um assunto de primeira importância na escola, não um penduricalho de novembro. 

Também é trabalhar de frente, porque está no dia a dia e no léxico das crianças. Então a escola, enquanto lugar de educação, e não de punição, precisa nomear as coisas tal qual elas são. Se não nomeia, diminui a importância e não dá a resposta condizente para a vítima. 

Mesmo que seja na Educação Infantil. É chamar os pais e explicar que o que a criança fez é racismo, e dialogar sobre onde ela está aprendendo aquilo. 

CR: O racismo recreativo é crime no Brasil. O que acha dessa caracterização e dos impactos para o seu enfrentamento? 

TV: Embora seja crime, há quase nada de relatos de pessoas efetivamente punidas por isso. Tem algum nível de importância  porque cria protocolos de ação que a vítima pode acionar. 

Também porque firma um compromisso social de que é errado em nível de crime, equiparado a outros comportamentos abomináveis. Mas só a criminalização, sem uma mudança comportamental, de educação, da representação simbólica da população negra na sociedade, não é capaz de resolver.

A criminalização das drogas nunca diminuiu o consumo, porque a criminalização não é lugar de mudança de comportamento em sociedade nenhuma. O espaço da Educação é o melhor para combater esse tipo de prática.

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