publicado dia 27/12/2016
Quais as perspectivas da educação integral em 2017?
Reportagem: Ana Luiza Basílio
publicado dia 27/12/2016
Reportagem: Ana Luiza Basílio
Os cenários de recessão econômica e de novas diretrizes políticas projetam grandes desafios para a educação integral em 2017. Já em 2016, o Brasil não conseguiu cumprir seis das sete metas do Plano Nacional de Educação (PNE) previstas para o período.
O cumprimento da política, considerada a espinha dorsal para o desenvolvimento educacional no país, fica ainda mais incerto diante a escassez de recursos para estados e municípios, e a aprovação da PEC 55 que vai estabelecer um limite para os gastos primários do governo nos próximos 20 anos e deve retirar investimentos da educação. A retirada não deve se fazer sentir imediatamente, já que a regra de limite de gastos passará a valer a partir de 2018, com base no orçamento de 2017.
O redesenho de algumas políticas como o Novo Mais Educação e o surgimento de outras como a reformulação do ensino médio via Medida Provisória e o Programa Criança Feliz também reacendem o debate acerca do direito à educação e das garantias mínimas para que todas as crianças possam se desenvolver integralmente ao longo da vida.
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Para refletir sobre as questões e projetar seus pontos de vista para o próximo ano, o Centro de Referências em Educação Integral conversou com seis especialistas em educação integral. Confira!
Sou otimista em relação aos avanços da elaboração e concepção da educação integral. Além de estarmos saindo de uma visão tradicional que a entende como modalidade educativa, temos escolas realizando projetos interessantes e redes olhando para o assunto. O problema é que, para implementar uma educação integral de verdade o custo é alto e, além de estarmos vivendo um momento de crise, temos a aprovação da PEC 55, um momento delicado de concepção do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) e um governo extremamente conservador. Nenhum desses fatores são bons para sua implementação.
Então, vejo que em 2017 teremos o embate de implementar a educação com condições políticas e econômicas adversas. No entanto, como continuo acreditando nos movimentos sociais e na sociedade organizada, acho que os debates podem ser interessantes no sentido de buscar caminhos junto aos grupos instituintes.
Em relação ao financiamento da educação, seremos desafiados. Temos um PNE que determina a destinação de 10% do Produto Interno Bruto (PIB), mas este vem diminuindo em um quadro de recessão aguda. Ao mesmo tempo, há uma sinalização do Ministério da Educação (MEC) de que não vai dar cumprir o PNE inteiro, ou seja, vamos ter que fazer escolhas. Com a PEC 55, aquele acordo constituinte que educação e saúde são prioridades inegociáveis voltam à pauta da negociação, vamos ter que disputar recursos. Não se trata de pensar só em uma boa gestão porque eles não estão assegurados na agenda. É preciso rediscutir prioridades.
No bojo da educação como direito, algumas concepções estão sendo questionadas. Meu desejo é que enquanto sociedade consigamos reafirmá-la como pauta fundamental, e que em um momento de escassez de recursos, consigamos estabelecê-la em diálogo com a cultura, com redes e equipamentos já existentes, prevendo o desenvolvimento integral e a promoção das cidades educadoras.
É sensível também a pauta da reforma do ensino médio. Temos que prestar atenção quais são as redes e os sistemas que apontam soluções menos conflituosas no sentido de garantir o direito dos estudantes e o direito a educação no espaço educador. Ainda tenho um temor em relação a educação infantil, dada a urgência do ensino médio, de que ela seja a ponta mais frágil dessa corda, que tenha menos investimentos ou cortes. Temos a política federal Criança Feliz que traz essa agenda alocada no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Já vivemos esse momento no Brasil em que a creche era uma atribuição da assistência social e tivemos uma luta histórica importante para garantir que o direito a educação seja garantido desde o início da vida.
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Acho que temos coisas importantes a acontecer em 2017. Uma delas é a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) com alguns princípios e fundamentos da educação integral. Uma outra coisa que vem acontecendo é a política indutora de escolas de tempo integral no ensino médio que também coloca uma proposta de educação integral, talvez não com todos os itens que gostaríamos, mas que vejo como um avanço em relação ao que temos hoje. É um espaço de discussão importante nos estados.
Outro ponto importante e que estamos apoiando é a troca de prefeitos a partir do desenvolvimento do Educação Integral Na Prática, uma metodologia de apoio a implementação da política de educação integral nos municípios. Esse movimento trará boas oportunidades de discussão para o ano que vem.
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Destaco duas agendas importantes. Uma em relação a educação integral no ensino fundamental. Acho que em seu conceito mais amplo – intelectual, cultural, social, emocional e física – vejo dificuldades por questões de recursos financeiros e falta de apoio. Vejo que é preciso mais assistência às escolas que têm parceria com organizações da sociedade civil para que se faça uma busca por educação integral nos territórios. Em relação à política, vejo dificuldades e retrocessos, infelizmente. Nada indica que haverá apoio das políticas públicas nessa direção, a não ser das organizações e instituições da sociedade civil que já atuam nessa área.
Sobre a educação integral no ensino médio, temos um outro contexto. Embora eu a defenda, fizemos uma pesquisa com alguns estados – São Paulo, Goiás, Pernambuco e Ceará – e olhamos a relação entre as políticas de ensino médio e a diversificação da oferta de ensino. Comprovamos que existe uma relação positiva entre as escolas de ensino integral em relação aos objetivos de aprendizagem, porém levantamos discussões sobre a forte correlação existente entre os alunos que frequentam o ensino integral serem de maior nível socioeconômico. Se faz uma política de custo maior, com resultados, mas para poucos.
A única modalidade de ensino médio que receberá recursos em 2017 é a educação integral, atingindo mais 3% dos alunos, ou seja, é a minoria da minoria. Não podemos privilegiar apenas o ensino integral e não dar soluções e condições efetivas para uma reforma que contemple a maioria dos jovens.
Acho que o principal desafio será o de conseguir incluir o que chamamos de capacidades essenciais para o desenvolvimento integral na BNCC. Queremos inserir o multiletramento, o pensamento crítico, a sociabilidade, a participação, o autoconhecimento e os projetos de vida nos textos introdutórios das áreas de conhecimento.
Para além disso, temos a discussão da reforma do ensino médio. Precisaremos olhar para as propostas do MEC e entender como elas se organizarão em termos de tempo e financiamento, pois sabemos que será um ano difícil em termos orçamentário.
Avaliamos com risco a questão dos estados com relação aos recursos – alguns já decretaram estado de calamidade -, pois sabemos que não existe educação integral sem infraestrutura adequada, professores e equipamentos. No entanto, cientes de que precisamos preservar alguns programas de educação integral, apostamos na revisão do Educação Integral Na Prática como forma de instrumentalizar as redes e apoiar as políticas institucionalmente com planos de implementação de educação integral.
Agda Sardenberg, coordenadora executiva de Programas da Associação Cidade Escola Aprendiz
Para 2017 o cenário é desafiador devido à crise orçamentária que já vinha se desenhando e que agora se agrava com a PEC 55, congelando gastos públicos em educação e saúde. Já estávamos longe do patamar ideal de investimentos educacionais e propostas como essa colocam o direito à educação em risco. Isso também deve impactar as novas gestões municipais que assumem em 2017.
Por outro lado, a agenda da educação integral está posta no Plano Nacional de Educação (PNE) e isso é uma oportunidade. As escolas e redes avançaram no debate sobre a concepção e muitas têm ousado incorporar novas práticas ao seu cotidiano de forma consistente e dialogada com as suas comunidades. Acredito que seja uma conquista irreversível. A educação integral tem respondido à demanda por uma escola contemporânea, que ousa inovar e abrir-se para o entorno, ampliando a concepção de currículo, e garantindo uma aprendizagem mais significativa, que considera os estudantes integralmente. Se por um lado, o cenário político e econômico permanecerá ruim, por outro, há uma nova concepção de educação em jogo. É possível pensar a continuidade destas experiências em uma lógica de articulação dos recursos existentes, e em diálogo com as oportunidades do território.
Outro excelente indicador desse avanço é a crescente demanda dos municípios por apoio à implementação de politicas públicas de educação integral. Acredito que neste ano boas experiências devam se consolidar em diálogo com a sociedade civil organizada, e com universidades que têm avançado nesta agenda.