publicado dia 12/12/2016
Especialistas avaliam impactos da reforma do Ensino Médio
Reportagem: Ana Luiza Basílio
publicado dia 12/12/2016
Reportagem: Ana Luiza Basílio
A Medida Provisória (MP) nº 746 que reforma o Ensino Médio e propõe alterações na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394, de 20 de dezembro de 1996) foi aprovada na última quarta-feira (7/12), na Câmara dos Deputados, com 263 votos a favor.
Nesta terça (13/12), haverá uma sessão extraordinária na Câmara dos Deputados em que a medida volta a ser pauta. Segundo informações da Câmara, após acordo entre os líderes partidários, serão votadas algumas emendas.
Para aprofundar o debate sobre a reforma, o Centro de Referências em Educação Integral elencou algumas das principais alterações na etapa da educação básica e convidou três especialistas para avaliarem os possíveis impactos: o professor do programa de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), Carlos Roberto Jamil Cury, também ex-integrante do Conselho Nacional de Educação (CNE); o professor da Universidade Federal do ABC (UFABC), Salomão Ximenes; e a professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), também coordenadora do Observatório do Ensino Médio da mesma instituição, Mônica Ribeiro da Silva. Confira!
§ 1º A carga horária mínima anual de que trata o inciso I do caput deverá ser ampliada de forma progressiva, no ensino médio, para mil e quatrocentas horas, devendo os sistemas de ensino oferecer, no prazo máximo de cinco anos, pelo menos mil horas anuais de carga horária, a partir da publicação desta lei.
O tema da ampliação da jornada possui diferentes leituras e pontos de atenção. Mônica entende que ampliar o tempo de permanência na escola pode ser interessante mas que, para tanto, é necessário se ter clareza sobre a proposta pedagógica. A especialista acredita ser necessário reestruturar o ambiente das unidades e diversificar as atividades oferecidas. Ao seu ver, o texto aprovado deixa clara a intenção de ampliar o tempo de estudo em função das provas e exames realizados pelo MEC.
Outra questão, aponta Mônica, é que o fomento ao tempo integral ignora que no Brasil há aproximadamente 2 milhões de jovens de 15 a 17 anos que estudam e trabalham.
Cury também entende que, embora desejada, a ampliação da jornada deve levar em conta diferentes contextos e características das escolas, como o turno em que atende, a localização e os aspectos financeiros. Segundo proposta do governo federal, serão destinados aos estados da federação, ao total, R$1,5 bilhão na ampliação da jornada, de forma a atender 500 mil estudantes, mas apenas por um período de 10 anos.
Em entrevista à EBC, o secretário de Educação Básica do MEC, Rosseli Soares explicou: “a ideia é: vou ajudar vocês, estados, durante quatro [a proposta inicial era apenas 4 anos] anos e durante esse processo um dos requisitos de monitoramento é que ele tem que apresentar um planejamento de sustentabilidade. A ideia do planejamento é que ele tem que ser sustentável após quatro anos, senão a gente não consegue fomentar outras escolas”, explicou. Cury questiona: “e depois do período de dez anos, como ficarão os Estados?”, questionou.
Ele também comentou os impactos da PEC 55, que está em tramitação no Senado, e que estabelece um limite de gastos para a educação. “A presidência da República e os ministros dizem que não haverá redução [de recursos], mas é claro que vai haver. Eles não mexerão nas transferências obrigatórias, da ordem de 18% das Receita Líquida de Impostos (RLI) da União, mas vão mexer nas transferências voluntárias que é onde a União complementa seus repasses para chegar a 24%”, refletiu. Como manter uma jornada ampliada sem os recursos necessários?, questiona.
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Por fim, Cury defende que a dimensão do tempo integral deveria estar voltada ao ensino fundamental etapa que, a seu ver, possui uma rede instalada e um sistema que já funciona de modo predominante no diurno e vespertino. “Uma boa base no ensino fundamental é condição de possibilidade de um melhor desempenho no ensino médio”, considerou.
#2. Currículo
§ 1º A parte diversificada dos currículos de que trata o caput do art. 26, definida em cada sistema de ensino, deverá estar harmonizada à Base Nacional Comum Curricular e ser articulada a partir do contexto histórico, econômico, social, ambiental e cultural.
§ 4º A carga horária destinada ao cumprimento da Base Nacional Comum Curricular não poderá ser superior a 1800 horas do total da carga horária do ensino médio, de acordo com a definição dos sistemas de ensino.
O texto considera que 60% da carga horária seja dedicada aos conteúdos da Base Nacional Comum Curricular (BNCC); os 40% restantes devem ser utilizados para a chamada “parte diversificada”, constituída de itinerários formativos que deverão se enquadrar em um dos cinco eixos:
1. Linguagens e suas Tecnologias;
2. Matemática e suas Tecnologias;
3. Ciências da Natureza e suas Tecnologias;
4. Ciências Humanas e Sociais Aplicadas;
5. Formação Técnica e Profissional.
Mônica conta que esse modelo foi experimentado no Brasil nos tempos da ditadura militar. Ela questiona se as escolas brasileiras terão condições de oferecer todos itinerários, deixando a opção realmente na mão do estudante. “Não será o estudante que fará a escolha, de acordo com a sua afinidade. O sistema de ensino é que vai acabar definindo, conforme a sua disponibilidade, de acordo com o que cada unidade escolar poderá oferecer”, frisa.
Para ela, além de significar uma perda de direito e um prejuízo com relação à formação da juventude, a decisão fere a autonomia das escolas na decisão sobre seu projeto político pedagógico, o que hoje está assegurado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB).
Sob o comando do ministro da educação e saúde Gustavo Capanema, durante a Era Vargas (1930-1945), a reforma previa uma correspondência entre o sistema educacional e a divisão econômica-social do trabalho. Assim, a educação deveria servir ao desenvolvimento de habilidades e mentalidades de acordo com os diversos papéis atribuídos às diversas classes ou categorias sociais.
Cury também se preocupa com uma possível restrição das oportunidades, referindo-se à escolha que os estudantes terão de fazer entre as demais áreas e a educação profissional. “Para uns, a possibilidade do ensino superior; para outros, o mercado de trabalho”, constatou fazendo referência à Reforma Capanema, realizada durante a Era Vargas.
“A diferença é que lá isso era colocado como o destino do pobre e aqui aparece como opção. Você acha que uma cidade pequena do sertão vai ter condições de ofertar os cinco itinerários formativos? Por que o que vem de uma família mais vulnerável não tem direito a saborear um Jorge Amado antes de se embrenhar nos caminhos da educação técnica?”, considerou.
#3. Ensino a distância
Salomão Ximenes entende ser o ponto da educação a distância o mais estrutural e o mais grave da reforma. Ele coloca que a oferta da educação regular sempre foi entendida como presencial e regulamentada pela LDB. A possibilidade da sua oferta a distância contraria a ideia de progresso no que diz respeito a qualidade da educação: “A ideia de valorizar itinerários formativos demandaria mais investimentos para a educação. No entanto, em um contexto de redução de custos, o que se busca é dar a resposta via privatização, sem que seja necessário mexer em quadro de professores, estrutura, sem considerar o efetivo das escolas”, avalia.
Embora reconheça a educação a distância como uma necessidade contemporânea e entenda que a articulação entre as metodologias possa ser benéfica, Cury também pondera alguns pontos em relação ao ensino não presencial no ensino médio. “Quando pensamos uma educação a distância para jovens de 15 a 17 anos, precisamos considerar as dificuldades e imperfeições que temos no ensino presencial. Corremos o risco de que essa vertente contemporânea aparentemente positiva se transforme em uma grande panaceia”, colocou o especialista. Ele afirma ter dificuldade de entender como serão avaliadas as competências e habilidades dos estudantes dentro da dinâmica.
Outro motivo de atenção para Cury é o “notório reconhecimento” das instituições que, segundo o texto da reforma, ficará a critério dos sistemas de ensino, sem que haja especificações e garantias de que essas instituições sejam de qualidade de fato. “Tendo em vista a pouca separação que muitas vezes vemos entre as esferas pública e a privada, tenho minhas desconfianças”, coloca Cury.
Mônica é taxativa: “a medida visa claramente atender aos interesses do empresariado da educação e suas necessidades de exploração e lucro”.
#4. Contratação e formação docente
Art. 61. Consideram-se profissionais da educação escolar básica os que, nela estando em efetivo exercício e tendo sido formados em cursos reconhecidos, são:
IV – profissionais com notório saber reconhecido pelos respectivos sistemas de ensino para ministrar conteúdos de áreas afins à sua formação para atender o disposto no inciso V do caput do art. 36. (Incluído pela Medida Provisória nº 746, de 2016)
Art. 62.
A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura plena, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos 5 (cinco) primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade normal.
Para Mônica, a abertura ao “notório saber” vai na contramão da ideia de que o aprimoramento da qualidade do ensino se relaciona diretamente com a formação de profissionais de educação, preferencialmente em cursos superiores.
Essa abertura, na lei, está cincunscrita à formação técnica e profissional (como se explicita com o disposto no inciso V do caput do art. 36). A medida, na opinião de Salomão, abre um precedente junto à legislação para um retrocesso em termos da profissionalização do trabalho docente. “Hoje, depois de muita luta, garantimos que o exercício do magistério cabe a profissionais com formação específica”, reforça.
Por isso, ele entende que a preocupação dos docentes não é infundada, principalmente se considerado o número de grupos existentes que pleiteiam a abertura das escolas para profissionais não docentes. “Me parece que há uma forte influência do Sistema S, que parece funcionar nesse modelo e se interessar por alocar bons técnicos como professores”, avaliou.
Para Ximenes, incorporar na educação básica a atuação de professores não licenciados é um problema. “É diferente de pensar uma educação técnica e profissional de maneira complementar, articulada, paralela ou posterior ao ensino médio, uma vez assegurados os conteúdos, as práticas e os tempos comuns a todos os estudantes”, considerou. Ele também problematiza a inserção desses profissionais nas escolas.
“Pra mim eles não são orgânicos do ponto de vista das redes, é preciso pensar sobre como eles vão dialogar com a escola e com o seu planejamento, como vão se inserir nos contextos locais, são questões que precisam ser consideradas”, ponderou
Cury aponta que a presença dos profissionais com notório saber na educação profissional foi regulamentada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). No entanto, reconhece que a redação da Medida Provisória traz ambiguidades que preocupam e que devem ser acompanhadas de perto.
A nova redação, que ainda carece de aprovação, também suprime a necessidade da formação docente ser feita em universidades e institutos superiores de educação. Para Cury, isso abre a possibilidade legal para que faculdades isoladas possam ofertar licenciaturas, o que para ele não é uma novidade visto que atualmente 85% dessa oferta é feita por instituições privadas.