publicado dia 18/11/2021

Expansão do Programa Ensino Integral (SP) pode acentuar exclusão escolar

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A Secretaria Estadual de Educação de São Paulo anunciou em outubro a expansão do Programa Ensino Integral (PEI), que oferta jornada estendida em algumas escolas de Ensino Fundamental ao Médio no estado paulista desde 2012. A rede vai passar de 1.077 escolas, em 308 cidades, para 2.030 escolas estaduais distribuídas em 457 municípios. Embora a notícia pareça oferecer motivos para comemoração, é preciso olhar o programa atentamente.

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No estudo “A Desigualdade é a Meta: Implicações Socioespaciais do Programa Ensino Integral na Cidade de São Paulo”, publicado em 2018, pesquisadores já alertavam para a característica indutora e reprodutora de desigualdades do PEI. 

A Secretaria de Educação do Governo do Estado de São Paulo foi questionada a respeito do programa e sua expansão; leia a entrevista completa com Bruna Waitman (coordenadora da EFAPE e do Centro de Mídias SP).

Agora, com a expansão do programa, preveem um sucateamento ainda mais intenso da política pública e o agravamento das disparidades, conforme demonstraram na “Nota Técnica sobre o Programa Ensino Integral”, produzida pela Rede Escola Pública e Universidade (REPU). Os estudos concentram-se na cidade de São Paulo, mas os mesmos pontos são observados nos outros municípios do estado em que a política está presente.

Em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral, Fernando Cássio, que integra a REPU e esteve à frente de ambas as pesquisas, explicou que os estudos mostram a exclusão escolar de estudantes negros, das camadas sociais mais vulneráveis e de pessoas com deficiência nas escolas que integram o PEI. 

Fonte: Nota Técnica sobre o Programa Ensino Integral

Fonte: Nota Técnica sobre o Programa Ensino Integral

“O objetivo último não é garantia de direitos, mas a produção de resultados para o projeto eleitoral do próximo ciclo”, disse o também professor de políticas educacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC) e membro do comitê diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Confira os principais trechos da conversa: 

Centro de Referências em Educação Integral: Um primeiro ponto a ser elucidado diz respeito à natureza do Programa Ensino Integral. Trata-se de uma política de educação integral, enquanto concepção pedagógica que prevê o desenvolvimento integral dos sujeitos em todas as suas dimensões e atrelado ao território, ou apenas de uma extensão da jornada escolar? 

Fernando Cássio: O PEI não promove educação integral, é uma política de ensino e a escolha do nome não é gratuita, porque é uma ampliação da jornada escolar. Mas o problema vai além.

O objetivo do PEI é ter um grupo de escolas dentro da rede que tenha indicadores melhores, a fim de vender isso como uma política pública, como se o aumento da variável “jornada escolar” pudesse levar a uma melhoria nos indicadores de avaliação. 

Só que esse processo é feito na rede estadual de forma perversa, como demonstram nossas pesquisas, que nunca foram refutadas: a melhoria dos indicadores nas escolas PEI se dá excluindo os estudantes mais pobres e com deficiência e é, portanto, um programa que induz desigualdades educacionais e sociais. É um programa que rompe com a universalidade do direito à educação e, portanto, com a própria ideia da educação integral.

CR: Como acontece essa indução às desigualdades no programa?

FC: Isso tem a ver com a história do programa, desde 2012, quando as escolas escolhidas para integrar o PEI estavam todas em áreas centrais, atendendo a classe média — o capital cultural e acesso a bens culturais dessas famílias é um dos principais fatores que melhora os indicadores.

Mesmo mais tarde, quando as escolas começaram a chegar nas periferias, elas também foram para as zonas centrais dessas regiões, onde também são povoadas pela classe média. Ao longo dos anos, crianças e adolescentes mais pobres foram saindo dessas escolas. 

Fonte: Nota Técnica sobre o Programa Ensino Integral

Um dos motivos para isso é que o programa não oferece nenhum tipo de auxílio ou política robusta de permanência para que os estudantes tenham condições de estudar em tempo integral. Se fosse um programa de educação integral, a proteção social deveria fazer parte.

Mas não é apenas isso: as escolas do PEI têm mais quadras, bibliotecas, laboratórios de Ciências e Informática, mas também têm menos por demanda por Atendimento Educacional Especializado (AEE), porque os estudantes com deficiência também foram sendo excluídos. 

Além disso, a instalação da escola PEI já implica no fechamento do turno da noite, reduzindo a oferta de atendimento para o público da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Em resumo, é um programa que seleciona a população que menos precisa de jornada ampliada.

CR: Do ponto de vista da concepção pedagógica dessas escolas, os mecanismos de exclusão também estão presentes? 

FC: Sim, porque se trata de escolas regidas por uma lógica que coloca no centro o individualismo e a concorrência. É uma visão parecida com a que a classe média tem em relação à escola privada: a escola boa, a escola forte. 

Então são escolas que não vão se esforçar para lidar com estudantes que precisam recuperar aprendizagens, não organizam uma estrutura interna para nivelar os alunos porque se concentram na produção de resultados para que a política possa se provar boa e eficaz.

Os estudantes que vão ficando para trás são taxados como os que “não se adaptaram” ao modelo e acabam reprovando ou mudando de escola. Mais uma vez, o PEI exclui quem mais precisa da escola.

CR: Como a ampliação do PEI deve agravar esse cenário? 

FC: Em seu formato inicial, o programa não é escalável e todos os secretários de Educação anteriores tinham clareza disso, inclusive se manifestaram assim publicamente, porque não haveria mais recursos por parte do governo para investir no PEI.

Então o que está acontecendo agora é um sucateamento do programa, porque estão colocando cada vez menos recursos e ampliando cada vez mais seu alcance. Antes havia uma certa homogeneidade nos critérios de escolha das escolas e agora não tem mais. Por um lado, isso está certo, porque não adianta só escolher as escolas que já tem uma boa infraestrutura. Por outro, exige que o Estado invista mais dinheiro, e isso não vai acontecer.

Fonte: Nota Técnica sobre o Programa Ensino Integral

Assim, temos um quadro variado: escolas de PEI que têm jornadas de 7 ou 9 horas, que abrem ou não abrem mão do turno da noite, fazendo uma jornada ampliada ser menos ampliada. Tem escolas que não têm quadro docente suficiente, e aí colocam oficinas no contraturno.

Esse movimento eleitoreiro de afirmar que estão ampliando a escola integral está, na verdade, erodindo o próprio programa, o que não é de todo ruim, pois é uma política segregadora, mas também não deveria acontecer dessa forma.

CR: Que tipo de lógica política e governamental está por trás de programas como o PEI? 

FC: Há uma tensão grande entre as políticas de austeridade econômica, que colocam em xeque a garantia de direitos sociais pelo Estado, e as elites econômicas, que mandam no país e estão dentro dos governos, influenciando inclusive as políticas educacionais. Essa tensão se traduz em políticas focalizadas, sob o argumento de que “não dá para todos”.

O oposto disso é exemplificado, por exemplo, pelas políticas de cotas, que são redistributivas: escolhe-se uma parcela da população para atender, que é justamente a que mais precisa. O objetivo último não é garantia de direitos, mas a produção de resultados para o projeto eleitoral do próximo ciclo. 

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