publicado dia 03/08/2018

Educadoras brasileiras contam suas experiências em Reggio Emilia

Reportagem:

“Os adultos costumam desenhar um Sol com carinha feliz porque acham que as crianças vão gostar. Mas na Reggio Emilia eles perguntam como é o Sol”, conta a educadora Renata Americano, resumindo um dos principais aspectos da pedagogia criada por Loris Malaguzzi (1920-1994) no final da II Guerra Mundial: o respeito à criança e sua visão de mundo.

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Foi na cidade italiana de Reggio Emilia que Malaguzzi implementou uma Educação Infantil que prioriza a arte como ferramenta de aprendizagem e onde os professores atuam de forma a escutar, dialogar e reconhecer as múltiplas potencialidades de cada criança para atendê-la em seu desenvolvimento integral.

A abordagem pedagógica mostrou-se potente e hoje engloba 13 creches e 21 pré-escolas, que representam 40% das escolas públicas da cidade. Essa rede conta com o apoio da Fundação Reggio Children e do Centro Internacional Loris Malaguzzi.

pedagogia de Reggio Emilia também inspira diversas escolas pelo mundo. No Brasil, o Instituto Singularidades, por exemplo, dedica um curso de pós-graduação à metodologia. Renata Americano e Ana Tatit, professoras da instituição e especialistas em Reggio Emilia, visitaram as escolas da cidade italiana e compartilham com o Centro de Referências em Educação Integral suas impressões sobre o jeito Reggio de educar. Confira:

A criança e a aprendizagem à luz de Reggio Emilia

Uma das questões centrais que norteiam a experiência de Educação Infantil de Reggio Emilia é a curiosidade. A pedagoga Renata Americano, que já esteve quatro vezes nas escolas de Reggio Emilia na última década, relata que em uma das atividades desenvolvidas as crianças visitaram um centro cultural. Ao invés da exposição, o que chamou a atenção dos pequenos foram as sombras vindas de uma janela.

“Na Reggio Emilia, se presta atenção nos interesses, necessidades e curiosidades dos alunos a fim de criar condições para que desenvolvam conhecimento”, conta Renata Americano.

“Eles ficaram observando as sombras, interessadíssimos. Quando voltaram para a escola, conversaram sobre isso, e compararam com outras sombras”, conta Renata. As crianças decidiram, então, que precisavam voltar ao local para uma análise mais atenta. Quando chegaram, a sombra não estava mais lá.

Intrigados, os alunos de cerca de 5 anos passaram a levantar hipóteses a fim de entender como uma sombra surge e se move.

Quando compreenderam que depende de uma fonte de luz, começaram a se perguntar sobre o Sol e seu movimento. Nesse meio-tempo, também se interessaram pelos sons dos passarinhos e aviões na região, que depois representaram por meio de desenhos.

“Esse processo todo só foi possível porque tinham professores apoiando a pesquisa das crianças, instigando, e deixando elas fazerem sozinhas, sem dar respostas prontas ou impor a visão adulta sobre o mundo. Na Reggio, se presta atenção nos interesses, necessidades e curiosidades dos alunos a fim de criar condições para que desenvolvam suas pesquisas e conhecimentos”, explica Renata.

Ana Tatit e o desenho “Minha irmã em uma bicicleta”, feito por uma criança de oito anos, em Reggio Emilia

Crédito: Arquivo pessoal

Ana Tatit, por sua vez, observou que os conceitos de autonomia e responsabilidade estão presentes o tempo todo e em pequenas coisas, como confiar um prato de louça a crianças e designar a elas a tarefa de preparar as mesas para o almoço, contando quantos colegas estão presentes e quantos copos, pratos e talheres serão necessários. Elas também organizam a distribuição no espaço e, por fim, decoram as mesas com um vaso de flor, ou outro enfeite.

“Durante o almoço, os professores vão conversando com as crianças sobre o que elas estão comendo, perguntam sobre as verduras e falam sobre os nutrientes. Há diálogo e confiança o tempo todo, o que demonstra grande consideração com as crianças”, relata Ana.

Espaço das escolas

A arquitetura da escola também chamou a atenção de Ana. Projetadas para a altura dos pequenos, e com uma estética própria, ela conta que as salas não são fechadas por portas e paredes, mas por vidros.

Os materiais ficam acessíveis às crianças, desde guache até aparatos tecnológicos, o que instiga a criatividade e a liberdade de se manifestar

Além disso, todos os espaços estão conectados por uma praça central, cheia de árvores e gramado. “Os alunos podem se ver, circular, e têm um quintal onde realizam um trabalho com a natureza muito forte.”

Os materiais ficam acessíveis às crianças, desde guache e argila até aparatos tecnológicos, como projetores, filmadoras e computadores, o que instiga a criatividade, a vontade e a liberdade de se manifestar.

Para o educador Loris Malaguzzi, essa oferta acessível de materiais tem a ver com o que ele chamava de “as cem linguagens da criança”, que consiste em compreender que elas se expressam de diferentes maneiras e que os adultos têm o dever de possibilitar suas manifestações.

Renata Americano (à direita) em frente a uma das escolas de Reggio Emilia

Renata Americano (à direita) em frente a uma das escolas de Reggio Emilia

Crédito: Arquivo pessoal

Experimentação pela arte

Uma das atividades que Ana testemunhou foi uma pesquisa que as crianças fizeram sobre o arco-íris. Nesse processo, desenharam suas hipóteses, fizeram reproduções em argila e recorreram a slides para estudá-lo.

“Elas se envolvem em torno da pesquisa como um cientista-artista. E não há divisão por disciplinas, há uma aprendizagem integral. Isso acompanha o que é o pensamento de uma criança, que não divide arte de ciência de brincadeira, onde aparecem organicamente diferentes linguagens”, explica Ana.

Renata acrescenta: “Muitas escolas têm a ideia de fazer as coisas para criança, então usam desenhos estereotipados, por exemplo. Na Reggio Emilia, no entanto, trazem para as crianças o que o mundo está oferecendo e não uma versão simplificada. Isso é uma das manifestações dessa pedagogia que entende a criança como um sujeito e respeita a infância, sua riqueza e cultura”, diz.

Incentivo e acompanhamento

Ana Tatit também conta que, enquanto as crianças realizam suas tarefas, os educadores as instigam, fazendo perguntas e apoiando os processos de pesquisa. “Os professores levam a sério as hipóteses dos alunos”, diz.

“As crianças se envolvem em torno da pesquisa como um cientista-artista. Há uma aprendizagem integral”, diz Ana Tatit

Ao mesmo tempo, os docentes se dedicam a registrar o desenvolvimento das crianças e tudo que acharem relevante para acompanhar o processo.

Para isso, se utilizam de fotografias, filmagens, gravações de áudios e anotações. Semanalmente, se reúnem e, a partir dos registros, analisam os próximos passos a serem tomados com as crianças.

“Reggio Emilia é um todo que te move demais. E em todas as ações, desde um simples sair para o campo e observar as margaridas amarelas ou em interagir com pessoas que não são da escola, essa pedagogia permite que as crianças façam descobertas e aprendam de maneira integral e significativa”, diz Renata.

Reggio Emilia: escolas feitas por professores, alunos e familiares

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