publicado dia 13/01/2023

Como a escola pode ajudar a combater o racismo religioso 

Reportagem:

Nesta quarta-feira 11, após a cerimônia de posse da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, e da ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº 14.532/2023, que tipifica como crime de racismo a injúria racial, prevê pena em caso de racismo religioso e recreativo e para o praticado por funcionário público, bem como para os casos que acontecem em contextos de atividade esportiva ou artística.

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De acordo com a nova legislação, agora é considerada injúria racial qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida, e que usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, procedência ou religião.

Em relação a este último ponto, só em 2021, o antigo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos registrou 645 casos de violação da liberdade de crença e religião no Brasil, a maior parcela relacionada a religiões de matriz africana, como o Candomblé e a Umbanda.

Nas escolas, 4,2% dos estudantes de 13 a 17 anos disseram ter sido vítimas de humilhação na instituição escolar por causa de sua religião – é a quarta principal razão de discriminações feitas pelos colegas, atrás apenas da aparência do corpo, do rosto e da cor/raça, e à frente de orientação sexual e região de origem. Os dados são da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, publicada em 2016 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral, a coordenadora-geral da Comissão de Liberdade Religiosa da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP), Cristiane Natachi do Rosário, explicou como o racismo religioso, que permeia toda a sociedade, adentra as escolas, bem como o papel da educação em seu enfrentamento. 

“A consolidação de uma educação laica pressupõe a discussão no campo das relações étnicos-raciais e migratórias para desconstruir estereótipos acerca da diversidade de oralidades, escritas, vestes, crenças, cultos, entre outras manifestações culturais. Há a necessidade de um trabalho amplo entre instituições de ensino, poder público e famílias, pois o combate ao racismo deve ser construído por todos”, disse Cristiane. Confira a entrevista completa a seguir: 

Centro de Referências em Educação Integral: Como o racismo religioso se expressa nos ambientes escolares? A quem ele mais afeta?  

Cristiane Natachi do Rosário: O racismo religioso em ambiente escolar atinge a todos, desde professores até alunos, de acordo com suas crenças. As instituições educacionais não podem ser proselitistas, contudo, há uma defesa de acordo com visões de mundo e com base na crença religiosa em que não se tem abertura para a diversidade, bem como o não exercício de crença.

Nas religiões de matrizes africanas, todos iniciados passam por períodos em que há um cuidado específico e, dentro do ambiente escolar, é difícil o entendimento desta necessidade, gerando, assim, atos de intolerância quanto aos fios de conta, aos cabelos raspados, a roupas brancas. O mesmo ocorre com crianças judias, quando necessitam usar o seu quipá, ou do hijab usados pelas mulçumanas.

“A falta de conhecimento histórico e de orientação pedagógica transportam o racismo religioso para dentro das instituições”, diz Cristiane Natachi do Rosário

A falta de conhecimento histórico e de orientação pedagógica transportam o racismo religioso para dentro das instituições, dando abertura para piadas, segregação e demonização do praticante de determinada religião.

Nenhuma criança tem consciência de atos racistas, contudo, há uma reprodução desses atos diante da vivência e educação familiar. Legalmente, o Brasil é um Estado laico, mas a falta de conhecimento histórico sobre a diversidade de culturas e religiosidades faz com que muitas instituições educacionais sejam tendenciosas à prática cotidiana baseada em crenças cristãs, como festas natalinas, Semana Santa, Páscoa, Dia das Crianças vinculado ao Dia de Nossa Senhora Aparecida – datas que costumam estar inseridas nas festividades escolares.

Essa tendência cristã funciona como uma regra civilizatória, em que tudo o que não condiz com suas normativas deve ser invisibilizado ou aniquilado, de modo a classificar religiões afro-brasileiras, que são as mais atacadas, como feitiçarias ou cultuadores de demônios, fortalecendo ainda mais os discursos de ódio que, por vezes, são reproduzidos em instituições educacionais.

CR: Que prejuízos ele traz para as pessoas envolvidas?  

CNR: Os prejuízos são diversos para quem sofre com o racismo religioso no ambiente escolar. Os estudantes são colocados em uma posição de vulnerabilização, sem que consigam se inserir em determinados grupos por medo de serem excluídos ou são alvo de piadas. 

O profissional da educação que tenha ainda hoje uma formação e concepções eurocêntricas não conseguirá estimular o diálogo entre as diversas culturas e tradições com a finalidade de ampliar conhecimentos.

Os prejuízos para a educação e para a sociedade são imensuráveis, pois seus reflexos são sentidos em todas as esferas.  

CR: Por que há subnotificação de casos de racismo religioso nas escolas brasileiras?

CNR: Temos poucos dados sobre racismo religioso nas escolas por falta de orientação às famílias das vítimas que, com medo de represálias, não levam até as autoridades os casos, crendo que ficarão sem ajuda e proteção, causando-lhes problemas maiores.

Em contrapartida, há casos em que são notificados de forma adversa ao racismo religioso, não dando o devido tratamento e punição ao crime cometido, ou seja, falta preparo para os profissionais para o recebimento da denúncia e qualificação correta para tomar as devidas providências.  

CR: Como a educação pode apoiar o enfrentamento do racismo religioso? 

CNR: A educação é a chave para o enfrentamento do racismo em toda a sua amplitude. Temos duas leis promulgadas que não têm fiscalização de sua aplicação nessas instituições: a Lei 10639/2003 e a 11645/2008, que mudam a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e inserem a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Africana, Afrobrasileira e Indígena nos currículos escolares e determina o 20 de novembro como o Dia Nacional da Consciência Negra. 

Estas leis ajudam a mudar o paradigma de concepções escravocratas imbuídas em nossas histórias. A consolidação de uma educação laica pressupõe a discussão no campo das relações étnicos-raciais e migratórias para desconstruir estereótipos acerca da diversidade de oralidades, escritas, vestes, crenças, cultos, entre outras manifestações culturais. Há a necessidade de um trabalho amplo entre instituições de ensino, poder público e famílias, pois o combate ao racismo deve ser construído por todos.

Como denunciar racismo religioso?

Se o crime estiver acontecendo naquele momento, a vítima pode chamar a Polícia Militar por meio do Disque 190. Se o crime já ocorreu, procure a autoridade policial mais próxima e registre a ocorrência. 

A cartilha do Ministério da Justiça e cartilhas de Ministérios Públicos estaduais destacam que, se o agente policial registrar a denúncia como um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), a vítima pode insistir que o crime não é de menor potencial ofensivo e que deve ser investigado por meio de inquérito.

Quando não há apenas uma vítima, ou seja, quando o crime atinge toda a coletividade de pessoas negras ou indígenas, por exemplo, é possível procurar o Ministério Público e fazer uma denúncia.

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