publicado dia 18/09/2019

As diferenças entre escola militar, cívico-militar e pública

Reportagem:

No Brasil, existem essencialmente três modelos de escolas: as públicas, as militares, as cívico-militares, além das particulares. Elas diferem entre si principalmente em relação ao financiamento, forma de ingresso, gestão e na proposta didático-pedagógica. 

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Atendendo 81,3% das crianças e adolescentes, as públicas estão em maior quantidade e a concepção dessas escolas, tal qual conhecemos hoje, tem origem em 1932, com a publicação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova

Laica e gratuita, a escolas públicas devem atender a todos, independentemente de raça, condição financeira ou religião. Se houver qualquer desvio em relação a estes princípios, a população pode cobrar do poder público seu cumprimento.

Apesar dos avanços em democratizar o acesso e melhorar a qualidade das relações de ensino-aprendizagem, as escolas públicas padecem por falta de investimentos, responsabilidade principalmente de estados e municípios. Essa escassez de recursos reverbera na infraestrutura dos prédios, e nas condições que os professores têm para dar aula e que os alunos têm para aprender.  

“Muitos professores não ganham sequer o piso do magistério, que é de 2.500 reais. Se não tem o professor no pilar de ensino-aprendizagem, isso significa que não tem aprendizagem”, diz Andressa Pellanda, coordenadora executiva da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Escola militar

Ao todo são 13 escolas militares no Brasil, fundadas sobretudo entre os anos 1950 e 1970. Elas atendem do 6º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio, e têm autonomia para montar seus próprios currículos e sua estrutura pedagógica, podendo contar com militares no quadro de professores.

A maior parte dos alunos são filhos de militares. Oferecer essas escolas é uma forma de tornar a carreira mais atraente e de atender às especificidades e exigências dessa formação para a vida militar. Os civis interessados em ingressar nas instituições são submetidos a uma prova, que seleciona os alunos que obtiverem as notas mais altas.

As escolas militares contam com recursos do Ministério da Educação e do Ministério da Defesa. Os professores recebem salário que passam de 10 mil reais, e os colégios possuem diferentes laboratórios, como de química e robótica, quadras poliesportiva e piscina. 

Para os cofres públicos, cada aluno de colégio militar custa três vezes mais do que um estudantes de uma escola pública regular.

As famílias também podem contribuir com um valor mensal que varia entre 100 e 300 reais, e devem pagar pelo fardamentos dos alunos, que custa em torno de 600 reais. 

O resultado desse investimento, valorização dos educadores e infraestrutura é um melhor desempenho nas avaliações nacionais. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), por exemplo, aponta que o Ensino Fundamental II dos colégios militares têm uma nota de 6,5. O das escolas estaduais é 4,1. 

Escola cívico-militar

No Brasil, já existem 203 escolas cívico-militares financiadas por Secretarias Estaduais de Segurança Pública e Secretarias Estaduais de Educação.

Denominam-se escolas militarizadas aquelas que inicialmente eram geridas pela Secretaria de Educação e, posteriormente, passaram para a gestão da Polícia Militar, tornando-se cívico-militares. 

E no início do mês, o governo Bolsonaro anunciou o Plano Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM), que pretende implementar o modelo em 216 escolas até 2023, começando em 2020. O governo federal investirá cerca de 1 milhão por escola para o pagamento dos militares, melhoria da infraestrutura das unidades e materiais escolares.

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Nestas escolas, policiais militares e civis partilham a administração. De acordo com o novo modelo proposto por Bolsonaro, os militares atuarão como monitores para auxiliar na gestão educacional e administrativa. Os professores serão civis, responsáveis pela gestão da organização didático-pedagógica, bem como da financeira. 

A demanda é por escolas militares ou por escolas de qualidade?

O debate sobre os diferentes modelos de escola ressurgiu ao longo deste último ano durante as sucessivas declarações de apoio de Jair Bolsonaro à expansão de escolas militares e cívico-militares, sobretudo após o anúncio do PECIM. O programa recebeu apoio de parte da população.

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Para Andressa Pellanda, essa demanda está muito mais ligada à necessidade de escolas de melhor qualidade do que por escolas militarizadas. Ela argumenta que se esse dinheiro fosse investido nas escolas públicas, seria possível melhorar a infraestrutura, reduzir o número de alunos por sala, aumentar os salários dos professores e a capacidade de atrair os melhores educadores e, consequentemente, melhorar a qualidade da educação.

Isso porque há uma relação direta entre investimentos e qualidade, como mostra a tabela abaixo. Quanto mais recursos, maior é a nota obtida no Ideb, um dos principais indicadores de qualidade educacional do Brasil. O estudo foi desenvolvido por Thiago Alves, professor na Faculdade de Administração, Ciências Contábeis e Ciências Econômicas da Universidade Federal de Goiás (UFG) e sua equipe.

Valor Aluno/Ano x IDEB 2017

Escola militar

Elaborado com SimCAQ, com dados do Siope/FNDE, Finbra/STN 2017 e indicadores educacionais/INEP 2017

Crédito: Thiago Alves (UFG)

Um dos motivos de Bolsonaro para apoiar o PECIM é que essas escolas supostamente reduziriam a violência. No entanto, as experiências de escolas que conseguiram driblar a violência apontam para outro caminho.

“Escola sem violência tem muro baixo, políticas de diálogo, fortalece a participação da comunidade, que abrem aos finais de semana, o oposto ao que está se receitando”, diz José Marcelino de Rezende Pinto, professor da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em financiamento da educação.

O educador aponta ainda outro problema criado por escolas como a militar e a cívico-militar: elas não são para todos. “Essas escolas criam vários mecanismos de seleção e, portanto, de exclusão”, alerta.

Apesar destes pontos, criou-se um cenário favorável para a implementação do PECIM. A partir da EC 95, que congelou os investimentos em educação por 20 anos, e os sucessivos cortes de recursos para a área impostos pelo MEC, muitos estados e municípios se veem sem saída. Assim, o MEC, ao oferecer às redes cerca de 1 milhão de reais para a implementação de cada escola cívico-militar, força essa política.

“Vários gestores estão enforcados com financiamento. É o único caminho que se dá para ter recursos”, afirma Andressa. 

Publicado às 15h50 e atualizado às 19h10

Desvalorização da escola pública opera pela militarização e privatização da educação

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