Como garantir que todos os estudantes aprendam na reabertura das escolas?
Publicado dia 30/07/2021
Publicado dia 30/07/2021
Para garantir a aprendizagem dos estudantes, as Secretarias de Educação e escolas de todo o país têm lançado mão de estratégias variadas para dar conta das demandas e potências específicas de cada comunidade escolar e do território.
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Antes do trabalho pedagógico efetivamente, outras etapas são fundamentais para que o ensino e a aprendizagem de qualidade possam acontecer. Em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral, educadores, diretores escolares, membros e gestores de Secretarias de Educação compartilharam como têm se organizado pedagogicamente para a reabertura das escolas. Confira:
RESUMO
1 – Primeiros passos: alcançar todos os estudantes e garantir condições para uma reabertura segura
3 – Organização e planejamento do trabalho pedagógico
4 – Organização da rotina dos professores
5 – Formação continuada dos educadores
Antes de iniciar o trabalho pedagógico, é preciso alcançar todas e todos os estudantes, para que eles tenham vínculo e acesso à escola, bem como garantir que a unidade escolar tenha condições de reabrir e manter-se funcionando de forma segura. Leia mais sobre os temas nas demais reportagens da série #ReviraVolta da Escola Pergunta, clicando sobre os links.
Antes de iniciar o trabalho pedagógico, é preciso dedicar um tempo ao acolhimento das crianças, adolescentes, professores e demais funcionários, para que a transição possa acontecer de forma cuidadosa.
Saiba mais sobre o que significa promover o acolhimento na reabertura das escolas e qual é a importância de incluir os professores nesse processo.
“O acolhimento deve ser contínuo, porque todos os dias precisamos cuidar do impacto que a pandemia teve na vida das pessoas, e fazer com que a comunidade escolar se sinta segura em retornar, ouvindo o que as pessoas estão sentindo”, afirma Karla Nascimento, secretária de educação do município de Açailândia (MA).
De maneira semelhante devem ser conduzidos os processos de diagnóstico dos estudantes. “Lembrando que não é sobre aplicar provas e dar uma nota, mas evidenciar todos os indícios do que os alunos aprenderam no ensino remoto, como um conjunto de observações que podem gerar conceitos para subsidiar o planejamento pedagógico”, orienta Daniella Dias Chaves, coordenadora de projetos especiais da Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte, rede que planeja avaliações formativas para subsidiar a organização do trabalho.
Em Açailândia (MA), que reabriu suas escolas de Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos para atendimento em formato híbrido, a Secretaria de Educação firmou uma parceria com o Instituto Reúna para reorganizar o currículo. Partindo da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), estabeleceram prioridades para que os estudantes possam avançar em seu processo de aprendizagem..
Já em Belo Horizonte, a Secretaria de Educação privilegiou a volta da Educação Infantil, sobretudo das crianças de 5 anos, que têm apenas esse ano para vivenciar a escola, já que não tiveram essa oportunidade em 2020.
Para as turmas do primeiro ciclo do Ensino Fundamental, que retornaram após as crianças da Educação Infantil, a rede trabalha com uma Matriz Curricular Essencial, que une dois anos letivos em um, e com o Plano Emergencial de Alfabetização, que combina atividades remotas com intervenções presenciais, e que tem por objetivo garantir o direito dos estudantes de não somente serem alfabetizados, mas de fazerem leituras e interpretações do mundo e de contextos variados. Esse Plano também conta com uma planilha de monitoramento das aprendizagens dos estudantes, que permite realizar avaliações formativas e acompanhamento, subsidiando o plano de ação de cada estudante.
A Secretaria também ampliou o quadro de professores para garantir, neste ciclo, que cada educador tenha no máximo 10 estudantes por turma, e passou a realizar encontros com os coordenadores pedagógicos das EMEFs semanalmente para dialogar e construir o trabalho das escolas. “Nós apresentamos o projeto, mas eles têm autonomia para dar o tom final de acordo com a realidade de cada escola”, explica Daniella.
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A Secretaria de Educação de BH também organizou um grupo de professores que atuam como mediadores entre as escolas e a Secretaria. Cada educador fica responsável por um pequeno conjunto de escolas e ouve as instituições em relação às variadas demandas, como um estoque de álcool gel que está acabando ou um parquinho que precisa de reforma. “Esse formato tem dado muito certo, porque nos permite uma visão holística das escolas e mais agilidade no atendimento às demandas”, relata a coordenadora de projetos especiais de Belo Horizonte.
Em relação ao planejamento do trabalho pedagógico, um grupo de professores da EMEF Luiz Gonzaga do Nascimento Junior, em São Paulo (SP), tem apostado no trabalho coletivo e interdisciplinar. A cada quinze dias, os educadores se reúnem e, a partir de um tema gerador, desenvolvem um roteiro de estudos integrando as várias disciplinas e o contexto dos estudantes. Parte estruturante deste trabalho são as pesquisas que o grupo lança para as famílias, alunos e os próprios colegas sobre o que é importante ensinar e aprender nesse momento.
“Trabalhar em grupo, criando alternativas e inovações, é um desafio porque isso não costuma ser experimentado na cultura escolar, mas tem sido um caminho para trabalhar as conexões entre os saberes e as potências dos territórios e entre os desejos de aprender e os saberes já constituídos”, conta Marília de Santis, diretora da escola.
Com os professores se dividindo entre atividades presenciais e remotas, a organização de rotinas ficou ainda mais importante. Em Belo Horizonte, a rede propôs que três educadores fiquem responsáveis por duas turmas e realizem 15 horas de efetivo exercício presencial ou remoto e 7h30 de planejamento por semana. Educadores com comorbidades e grávidas não voltaram para o presencial e se dedicam exclusivamente ao ensino remoto.
Já em Uberaba (MG), a Escola Municipal Adolfo Bezerra de Menezes, em consonância com as orientações da Secretaria de Educação do município, deu autonomia para os professores gerenciarem o cumprimento de suas cargas horárias no trabalho remoto, de acordo com as necessidades de cada turma.
“Por opção minha e com apoio da escola, faço parte das minhas aulas à noite para poder atender as crianças que só têm acesso ao celular da família nesse período. Assim tenho conseguido alcançar mais estudantes, o que também gerou muita união com as famílias”, relata o professor Diovane de César Resende, que leciona para turmas do 4º ano do Ensino Fundamental.
Para dar conta das transformações e desafios que o contexto atual apresenta, os professores precisam do apoio da formação continuada. Na Unidade Municipal de Educação (UME) Leonor Mendes de Barros, em Santos (SP), as reuniões pedagógicas que antes da pandemia tinham 35 minutos, passaram a ter uma duração de 2 horas, com caráter formativo, incluindo toda a comunidade escolar.
“Logo no começo do ano começamos esses encontros formativos, falando sobre o que é e qual a história da educação integral, a questão das políticas públicas, a BNCC, as metodologias de ensino e a importância do território”, conta Márcia Calçada, diretora da instituição. O PPP da escola, que está dividido em três grandes eixos: gestão democrática; inovação e investigação; avaliação e acompanhamento, também fez parte da formação. Primeiro, fizeram um diagnóstico de cada área e, depois, formularam planos de ação e de formação docente para atingir os objetivos postos no documento.
Para apoiá-los nesse desafio, Márcia também firmou parcerias. Com as escolas do bairro, dialogam sobre como funcionam seus PPPs e compartilham as angústias, desejos e caminhos encontrados para lidar com a educação em tempos de pandemia. Com a Universidade Católica de Santos (UniSantos), fazem reuniões mensais para estudos de ações na escola, como de escuta das crianças, e reflexões sobre o PPP e outras, como um debate sobre o documentário O Começo da Vida 2 – Lá Fora, que traz a importância dos territórios, da natureza e de outros espaços de aprendizagem para as crianças. “Pedimos para professores e famílias assistirem a esse filme para entenderem um pouco mais sobre o nosso projeto de desemparedamento, de educação integral, de promoção da criatividade, autonomia e escuta”, acrescenta a gestora escolar de Santos.
Em Belo Horizonte (BH), a Secretaria de Educação também apostou em parcerias para promover a formação em serviço dos professores, priorizando os que atendem as crianças de 4 a 8 anos. Assim, uma vez por semana esses educadores se encontram com representantes do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale) da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
“Cada escola tem um professor representante que participa dessas formações com o Ceale e depois volta para a escola e faz a formação dos demais professores. Todos eles também vão receber o livro Alfaletrar, da Magda Soares, e, em paralelo, também realizamos lives pelo Facebook sobre o tema”, conta Daniella.
Com as condições básicas garantidas, os educadores podem, enfim, fazer o que sabem de melhor: conduzir o trabalho pedagógico. Confira o relato de uma professora e duas gestoras escolares sobre como os processos de ensino e aprendizagem estão acontecendo.
Márcia Calçada, gestora escolar da UME Leonor Mendes de Barros, em Santos (SP), que atende crianças de 4 a 6 anos, conta sobre o uso das várias linguagens e o trabalho com projetos contextualizados para cativar os pequenos.
“Neste retorno, percebemos as crianças com muitas dificuldades de se comunicar, tímidas, com medo de correr e pular. Então nossa orientação é ficar o mínimo de tempo possível nas salas e usar os espaços externos para trabalhar as várias linguagens, do teatro, do canto e da música, do corpo, da literatura, dos artesanatos e da natureza.
Também temos vários projetos acontecendo, todos eles contextualizados à realidade das crianças. Um deles são atividades para mapear o território. Usando fotos, desenhos e outras linguagens, as crianças vão identificando o que tem no entorno da escola, como a praia. Outro de nossos projetos é o de alimentação saudável. Na escola, presencialmente, elas experimentam muitos alimentos diferentes e as professoras aproveitam isso para trabalhar sequências didáticas sobre o tema. Também trabalhamos com a sustentabilidade, então as crianças criam brinquedos a partir da sucata enquanto vão conversando sobre isso.
Combinando todos esses estímulos, o que deixou de ser vivido vai poder ser recuperado, e com mais ânimo e vontade agora, levando em consideração também as outras coisas que as crianças aprenderam em casa nesse período, com o convívio com a família, na televisão e nas brincadeiras em casa”.
Interdisciplinaridade, engajamento com a comunidade e educação inclusiva: o relato de Tânia Maria Uehara Alves, professora de Geografia na EMEF Professor Paulo Gonçalo dos Santos, em São Paulo (SP).
“A partir do material padronizado que a Secretaria de Educação oferece, as Trilhas de Aprendizagem, um grupo de professores de diferentes disciplinas se uniu para pensar como conectar o conteúdo à realidade dos estudantes. Então em uma aula sobre o continente africano, trabalhamos em Geografia o relevo, em Educação Física o esporte e principalmente a corrida, trazendo as questões sociais envolvidas, como o fato de que no Quênia algumas comunidades têm a tradição de correr descalços e em grupo desde pequenos. Em Ciências falamos sobre a oxigenação e a capacidade pulmonar de acordo com a altitude dos países. Em História, falamos das imigrações e da colonização, puxado por uma pergunta de um aluno sobre por que muitas das seleções europeias são compostas por negros.
Também aproveitamos as Trilhas para estudar o bairro deles. Em uma discussão sobre onde estão os agricultores da cidade, conversamos muito sobre o uso de agrotóxicos e o desafio dos estudantes era montar um seminário para apresentar para as famílias. O engajamento foi grande, mobilizou muito os pais, que depois em uma conversa começaram a questionar como poderiam comprar produtos orgânicos. Então nós fomos em busca do que tinha na região e fizemos contato com o Centro Frei Tito, que faz compras comunitárias de orgânicos de assentamentos da região metropolitana e fornecem cesta básica e de orgânicos para a comunidade do entorno. Uma das lideranças do Centro também conversou com as famílias sobre os produtos orgânicos e a possibilidade de produzi-los em casa.
Outra demanda que encontramos foram estudantes com deficiência que não estavam conseguindo acompanhar as atividades. Eu, junto aos professores de Matemática e Artes, começamos a produzir livros personalizados para cada um deles. Com o Pedro, por exemplo, nós fizemos um primeiro livro sobre “Quem é Pedro”, com a foto dele e da família, pequenos escritos de nomes e do que gosta de fazer. Depois, teve o “Pedro Cozinheiro”, com receitas de suas comidas favoritas, e um sobre paisagens mostrando onde ele mora. Outro dia a mãe do Pedro me contou que ele já está lendo mensagens no WhatsApp. Aos poucos vou percebendo essas mães menos aflitas, se sentindo menos sozinhas”.
A experiência da EMEF Luiz Gonzaga do Nascimento Junior, em São Paulo (SP), em relacionar os estudos às demandas do bairro, narrado pela gestora escolar Marília de Santis.
“Temos trabalhado com um roteiro interdisciplinar de estudo a cada 15 dias. Os temas abordados partem dos materiais oficiais da Secretaria de Educação e são atrelados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU) e às questões levantadas pelos movimentos sociais do bairro de Heliópolis, onde fica a escola.
Nós contamos com muito apoio das pesquisas que o observatório De Olho Na Quebrada produz. Eles são um coletivo de jovens que mapearam a realidade do bairro na pandemia e os resultados servem de base para os nossos roteiros, por exemplo, sobre saúde emocional, segurança alimentar, o quadro da pandemia aqui no bairro e o acesso à internet contextualizam os conhecimentos das diferentes disciplinas”.
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Realizado pelo Centro de Referências em Educação Integral, em parceria com diversas instituições, a campanha #Reviravolta da Escola articula ações que buscam discutir as aprendizagens vividas em 2020, assim como os caminhos possíveis para se recriar a escola necessária para o mundo pós-pandemia.
Leia os demais conteúdos no site especial da #Reviravolta da Escola.