Como conduzir um projeto investigativo articulado ao território
Publicado dia 01/09/2020
Publicado dia 01/09/2020
Durante uma aula sobre o gênero textual de relatos pessoais, uma estudante da EMEF José Inocêncio Monteiro, em Tremembé (SP), escreveu sobre o dia mais triste de sua vida: a perda da mãe em um acidente na Rodovia Floriano Rodrigues Pinheiro, que corta a cidade. O texto chamou a atenção da professora, que decidiu compartilhá-lo com a equipe pedagógica da escola. Após debaterem o tema, decidiram conduzir um projeto investigativo sobre a rodovia com todas as turmas do Ensino Fundamental I.
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“A escola fica às margens dessa rodovia e, se por um lado muitos pais de alunos já sofreram acidentes nela, por outro, ela também traz benefícios para a cidade. Somos uma comunidade profundamente impactada por essa rodovia, e os estudantes trazem isso, por isso decidimos trabalhar o tema”, conta Cássia Dias, coordenadora pedagógica da escola.
Ao longo de 2019, os estudantes visitaram a rodovia, fizeram uma passeata pedindo prudência aos motoristas, e estudaram diferentes temas relacionados a ela em várias disciplinas. O processo envolveu a escuta ativa dos estudantes, a autoavaliação formativa e contínua, e a construção de um portfólio do projeto. “O resultado é um currículo que se faz pertinente para aquele contexto e que privilegia o desenvolvimento integral dos estudantes”, afirma Julia Andrade, pesquisadora do Centro de Referências em Educação Integral (CR).
Com base na experiência da EMEF José Inocêncio Monteiro, o CR elaborou uma metodologia com exemplos práticos de como ela ocorreu, mas que podem ser adaptados a diferentes temas e realidades. Confira:
Descubra assuntos recorrentes entre os estudantes, questões do território e da comunidade, ou situações que impactam todo o país e a sociedade — eles podem se tornar tema de investigação com as turmas. Depois, compartilhe o tema com os demais professores e coordenadores pedagógicos para definir um pré-projeto, que define o assunto, sua relevância para o desenvolvimento integral e os conteúdos curriculares envolvidos.
“A comunidade escolar precisa ter uma escuta atenta para identificar temáticas significativas para toda a escola, algo que seja um problema real, e não inventado pelos professores. Isso dá sentido para a aprendizagem e permite integrar diversas as áreas do conhecimento”, explica Julia Andrade.
Definido o pré-projeto, exponha o assunto para os estudantes: explique como ele surgiu, sua relevância e quais disciplinas e conteúdos ele articula. Convide a turma a embarcar nesse projeto investigativo. Para começar, prepare maneiras de avaliar o que os estudantes já sabem sobre o tema. Esse registro pode ser feito individualmente ou com a turma toda, em uma escrita coletiva.
Na EMEF José Inocêncio, as professoras pediram para a turma desenhar a rodovia e criar um quadro investigativo: na primeira coluna, as crianças escreveram o que sabiam sobre o tema, e na segunda coluna, elas registrariam ao final do projeto o que aprenderam. Eles responderam perguntas como: “Onde a rodovia começa e termina? Quais são suas características? Como a comunidade usa? Como ela impacta sua vida e da comunidade? Como podemos nos mobilizar para diminuir acidentes”.
“O diagnóstico inicial revela não só o que eles sabem, mas também como se expressam, e quais linguagens utilizam para tanto. Indica ainda onde os estudantes estão em relação ao conhecimento das áreas, ao domínio da escrita e da argumentação, e seu repertório científico e cultural”, explica a pesquisadora Julia.
Colete os registros da etapa anterior e, em uma reunião com os demais docentes e coordenadores pedagógicos, defina os caminhos que o projeto vai percorrer, e como cada um pode colaborar.
Esse é um momento propício para firmar parcerias entre os professores de modo que o projeto se desenvolva de maneira interdisciplinar. Identifique outros atores que podem ser envolvidos, como as famílias e agentes do território e da sociedade.
“Os professores precisam ter liberdade para escolher as formas de trabalhar que são mais pertinentes e fazem mais sentido”, diz Julia Andrade.
Também é uma etapa em que se define quais atividades serão desenvolvidas, as metodologias, a escolha das didáticas, o foco curricular que vai ser assegurado, e o cruzamento com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU e as habilidades e competências da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
“Os professores precisam ter liberdade para escolher as formas de trabalhar que são mais pertinentes e fazem mais sentido. E, quanto mais interdisciplinar, intersetorial e integrado com a coordenação pedagógica isso for, mais potente fica, porque mais gente se envolve”, aponta Julia.
Divida com os estudantes a proposta de desenvolvimento do projeto. Mostre todas as etapas, o que será produzido em cada uma delas e o que se espera deles em cada um desses momentos. Ouça as opiniões deles e promova os ajustes necessários a partir dessa escuta. Defina com eles um cronograma, os prazos de entrega, e como será feita a avaliação de todo o processo. Também vale planejar se o projeto terá alguma culminância, como uma exposição, uma feira, um evento para compartilhar os aprendizados da turma com a comunidade.
Em um primeiro momento, pode ser que os estudantes não se sintam confortáveis ou não saibam como interagir com esse planejamento colaborativo, mas com o tempo eles vão se apropriar desta forma de trabalhar se o espaço de escuta continuar a ser garantido.
Esse é o momento em que os estudantes colocam a mão-na-massa e efetivamente desenvolvem o projeto. O professor atua como mediador do processo, garantindo as condições para que as crianças e adolescentes possam investigar, executar e aprender.
No projeto da EMEF, essa foi a etapa em que cada turma desenvolveu estudos de acordo com o currículo do ano. Eles construíram mapas e maquetes, estudaram a biografia do homem que deu nome à rodovia, leram textos relacionados ao território, conversaram com agentes de trânsito sobre segurança, visitaram a rodovia para explorá-la, produziram relatos e estudaram o rio, relevo e a relação da rodovida com o estado e o país.
Por fim, as crianças apresentaram à comunidade o que tinham aprendido em um evento na escola, e também promoveram uma passeata com cartazes feitos por elas próprias. “O objetivo era manifestar aos motoristas que nosso bairro existe, que estamos aqui, e pedir cuidado”, relata a coordenadora pedagógica Cássia.
Combine com os estudantes uma periodicidade durante o desenvolvimento do projeto para realizar autoavaliações formativas. A proposta é que, ao final de cada atividade, os estudantes sistematizem e avaliem o conhecimento que eles adquiriram até aquele ponto. O objetivo é tornar visível a eles a construção do conhecimento, evidenciando que se trata de um processo, bem como permitir que o professor identifique dúvidas e questões que precisam ser retomadas.
Uma das maneiras de fazer isso é elaborar algumas questões, dividi-las em um círculo, e pedir que as crianças coloquem bolinhas azuis se compreendem a questão, amarelas se têm dúvidas e vermelhas se não sabem. Isso oferece ao professor um mapa do conhecimento que a turma tem sobre o tema e uma oportunidade para promover debates e reflexões.
Após realizar todo o projeto e as autoavaliações contínuas, retome o quadro investigativo com os estudantes e peça que eles preencham a última coluna, registrando o que aprenderam.
Reúna todos os registros feitos em todas as etapas e compartilhe com a turma. Em seguida, conversem sobre o que sabiam e o que aprenderam, o que eles acharam de todo o processo.
A avaliação somativa costuma ocorrer ao final de um processo ou atividade educativa, com a finalidade de avaliar a aprendizagem, e é organizada por meio de notas.
Para finalizar, realize a avaliação final combinada com a turma. Nessa etapa, é possível que essa avaliação seja somativa, para compor a nota dos estudantes junto às demais.
“Temos assim um percurso que prepara os estudantes para observarem o que aprenderam, como aprenderam, como progrediram nos conhecimentos ao longo do tempo, construam sua autonomia e se preparem para uma avaliação final, que pode ou não ser somativa”, explica Julia.
Reúna todos os registros que foram feitos: desde os primeiros desenhos e o quadro investigativo, as fotos, até as autoavaliações e a avaliação final, e organize-os em um portfólio que ficará na escola.
“Ele é importante porque mostra todo o nosso caminho: o que éramos antes, o caminho que nós percorrermos, e onde chegamos, mostrando o caminho da aprendizagem dos estudantes. Ele humaniza o projeto, porque mostra os sujeitos sendo protagonistas, coletivamente, e é um documento que mostra a nossa história e faz parte da nossa identidade”, diz Cássia.
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