Como colocar em prática a educação antirracista na sua escola
Publicado dia 11/02/2021
Publicado dia 11/02/2021
Juliana de Paula Costa hoje é pedagoga especializada em relações raciais. Mas ela já esteve do outro lado, como estudante. E em seu cotidiano escolar, viveu muitas situações de racismo, e viu seu irmão passar pelo mesmo, episódios que se repetem para tantas outras crianças negras brasileiras. “A partir do contato com meus alunos, e alunos negros, fui significando minha própria infância, minha vida de estudante, e abri caminho para buscar uma prática antirracista, não só do ponto de vista teórico, mas também a partir do meu corpo e da minha subjetividade enquanto pessoa negra.”, relata a educadora.
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Ao longo de sua atuação como professora do Ensino Fundamental, dedicada a estudar as relações sociais e a aplicar a lei nº. 10.639, que instituiu a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira em todas as escolas, Juliana foi construindo uma prática pedagógica antirracista. Ao mesmo tempo, começou a perceber que seu trabalho precisava se expandir para além de sua sala de aula a fim de promover a transformação na mesma medida em que é urgente e necessária.
É com esse intuito que funda o Pisar Nesse Chão Devagarinho, ao lado de Arianda Patrícia, também educadora. Juntas, elas promovem cursos e rodas de conversa com a temática racial, brincadeiras para as crianças, consultorias para escolas ou organizações que tenham interesse em aprofundar esse olhar. Também realizam formação de professores e, aos poucos, formam uma rede de pesquisadores, pensadores e educadores dedicados ao tema, que fazem chegar, cada vez mais longe, a educação antirracista.
“O trabalho para as relações raciais serve para incluir, para que os negros se sintam melhores na escola. Mas é igualmente importante para que crianças e jovens brancos cresçam com uma consciência racial e não reproduzam violências. É um trabalho para as relações, feito por todos e todas de qualquer identidade racial, e não é destinado a um grupo ou outro, embora isso afete a cada um de forma específica.”, elucida a especialista.
Em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral, Juliana compartilhou os fundamentos práticos para implementar uma educação antirracista, que podem ajudar escolas e educadores e educadoras a trilharem esse caminho, observando as especificidades das turmas e do território.
Para começar, é preciso que qualquer educador, independentemente de sua raça/etnia, reflita sobre seu lugar de fala. Esse conceito às vezes ganha uma conotação errada, como se fosse uma tentativa de calar alguém.
Quer saber mais sobre lugar de fala? O Politize publicou uma definição do tema, com base no livro O que é lugar de fala?, de Djamila Ribeiro.
Na verdade, a proposta é avaliar a sua posição nas relações de poder da sociedade, observando marcadores sociais como raça, gênero, classe, geração e sexualidade. Isso porque determinadas visões de mundo são influenciadas por esses pontos, e é preciso estar consciente disso, para entender suas limitações e potências, e estar aberto para ouvir e a lançar luz sobre a opinião e a experiência de pessoas que estão em outras posições. É assim que as conversas entre todos podem ser construídas de forma justa.
“Ter consciência da própria identidade vai fazer com que o olhar do educador seja implicado em todo o processo que precisa ser desenvolvido para uma educação antirracista, porque este é um trabalho de relação, não é apenas um conteúdo”, explica Juliana.
Racismo não é coisa do passado, circunscrito à época colonial brasileira. É uma questão que, embora tenha raízes antigas, é atual e está constantemente em reformulação. “É preciso assumir que o racismo existe, que permeia todas as nossas relações e conseguir falar abertamente sobre isso”, orienta a educadora.
Esse conceito é denominado letramento racial, e foi desenvolvido pela antropóloga afro-americana France Winddance Twine e trazido para o Brasil pela psicóloga e pesquisadora Lia Vainer Schuman.
Segundo Lia, o letramento racial envolve reconhecer, refletir e desconstruir formas de pensar e agir que foram naturalizadas, e que fazem parte de uma questão estrutural e institucional. Envolve entender como o racismo foi construído e assumir e reconhecer como ele ganha novas formas hoje. Só assim é possível caminharmos em direção a uma equidade sustentável em nossa sociedade.
Agora é o momento de professores e professoras se debruçarem sobre o currículo e o planejamento da semana, do mês e do semestre, e definir de que maneira a questão racial pode permeá-los. Serão necessárias adaptações e didáticas diferentes de acordo com a faixa etária da turma, mas o caminho é trazer o antirracismo de forma sistemática e perene. “Educação antirracista não é algo acessório à prática, mas deve ser integrada e ela”, diz Juliana.
Quer saber mais sobre as contribuições de cientistas negros? Conheça o trabalho do pesquisador Carlos Eduardo Dias Machado, que estuda o tema, e 9 invenções de países africanos para abordar em sala de aula.
A especialista explica que este é um caminho múltiplo e singular, porque pode ocorrer de diversas formas e depende do perfil da turma e do contexto em que a escola está inserida. Assim, é possível incentivar uma consciência racial por meio de atividades de arte, músicas, de beber nas fontes das matrizes negras, de rodas de conversa, mas não só. Pode estar em olhar para o livro didático de Ciências, por exemplo, e se não houver nenhuma referência a cientistas negros e negras, propor para a turma uma investigação, um debate, uma pesquisa. “Mas não é necessário abrir um momento específico, como se fosse uma disciplina extra, mas integrar às disciplinas”, recomenda a professora.
E nesse trabalho, vale olhar também para outras etnias não-brancas, como os indígenas e os asiáticos, para que eles também possam trilhar o caminho de valorizar as próprias origens, e possam se ver representados nas dimensões intelectuais, históricas e estéticas.
Outra dimensão importante de se considerar na revisão do currículo é o território que circunda a escola. “É fundamental ressignificar os espaços na cidade que são marginalizados, mas que têm muita produção cultural negra. É valorizar os coletivos, é a escola ser um lugar de acolhimento, que fortaleça a comunidade e as trocas culturais”, orienta a especialista.
Não fomos acostumados a pensar as relações entre as pessoas pela chave do racismo. Existem várias violências que são naturalizadas e passam despercebidas se não tivermos olhos atentos e treinados para reconhecê-las.
Daí a importância de um educador ter acesso a uma formação complementar sobre o tema, para que ele tenha consciência e letramento racial, e possa identificar e agir sobre conflitos raciais que possam aparecer.
“O conflito apareceu? Então não vamos abafar. Vamos levar um tempo para observar, refletir, conversar com calma, cuidar muito bem da pessoa que sofreu na interação, mas lembrar de cuidar também da criança, adolescente, ou mesmo o educador, que possa ter gerado esse conflito. É entender esse momento não como um espaço de julgamento e retaliação, mas de aprendizado e reparação”, diz Juliana.
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