Um País Chamado Grajaú: projeto une cartografia afetiva e valorização do território
Publicado dia 07/10/2021
Publicado dia 07/10/2021
No segundo semestre de 2019, as ruas do Grajaú, no extremo-sul da capital paulista, foram tomadas por estudantes do 9º ano da EMEF Padre José Pegoraro. De prancheta e câmera na mão, os adolescentes ampliaram os espaços de aprendizagem para além dos muros da escola e fizeram do território seu objeto de estudo no projeto Um País Chamado Grajaú.
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O resultado foi um mapa interativo e digital do bairro, produzido por meio da cartografia afetiva, registrando sua história, os principais movimentos político-culturais, lideranças comunitárias e organizações sociais.
“Lembro de sair da escola e, subindo a rua, o professor explicava como era nossa região antigamente, com fotos e um modelo antigo do nosso bairro, e nós fomos olhando os grafites no caminho, as casas, as pessoas. Foi muito diferente de ficar só preso na sala de aula e essa experiência me marcou: tenho uma conexão forte com os colegas e a turma de professores e, apesar de morar aqui a minha vida toda, não conhecia a história. Agora tenho carinho pelo meu bairro e sei que aqui é um lugar bom”, conta o estudante Nicolas Ragone Reiff, hoje no Ensino Médio de outra escola da rede paulista.
Esse último aspecto que Nicolas destaca é especialmente relevante: o Grajaú costuma ser retratado pela imprensa unicamente como um lugar violento e com pouca qualidade de vida. Ainda que as políticas públicas custem a alcançar o 3º maior distrito em área e o 1º em população, com 360.787 habitantes (Censo 2010), o território é potente em suas produções artísticas e culturais, com uma rica história e importantes cooperativas, movimentos sociais e de defesa do meio ambiente.
“Ao trabalhar o lugar de onde esses estudantes vieram, eles desenvolveram mais autonomia, senso de pertencimento e valorização de suas identidades, tanto individuais quanto coletivas, quebrando preconceitos em relação à periferia. Essas não são coisas que eles decoram e daqui a pouco vão esquecer, mas aprendizagens significativas que buscamos no ciclo autoral do 9º ano”, relata Thabata Soares Damasceno dos Santos, uma das várias professoras da escola envolvida no projeto.
A conexão entre a EMEF Padre José Pegoraro e o território data de sua origem: a escola é fruto de reivindicação popular, sobretudo de mães que, em busca de educação para seus filhos, acamparam em um terreno baldio para fazerem-se ouvidas. Em maio de 2001, nesse mesmo local, foi construído o primeiro prédio da escola. É por isso que o Projeto Político Pedagógico da escola preza pela educação popular, a aprendizagem no território e por meio de projetos.
Para começar as atividades, estudantes e professores das áreas de Língua Portuguesa, Geografia, Língua Inglesa, Informática, Ciências e Arte criaram cinco frentes de atuação: Meio Ambiente e Saúde, História do Bairro, Arte e Cultura, Assistência Social e Educação. Os estudantes escolheram de qual grupo gostariam de participar e, em seguida, levantaram os pontos no bairro que se relacionam com essas áreas e selecionaram os lugares que desejavam visitar.
Com o planejamento e as primeiras pesquisas feitas, os estudantes saíram em busca do que faz o território deles, um lugar único. Um dos locais visitados foi o Centro de Arte e Promoção Social (CAPS), coordenado pela filósofa, professora, poetisa e ativista cultural Maria Vilani, que também é mãe do rapper Criolo, nascido no Grajaú. Em roda, ela conversou com os estudantes sobre arte e cultura da região.
Em outra saída, foram a uma casa de acolhimento para crianças desabrigadas. “Entender a assistência social que estavam dando para essas crianças foi muito interessante porque eu nunca tinha participado de algo parecido e nem sabia como era o dia a dia dessas crianças”, conta o estudante Bruno Brum.
Também conheceram a Casa Ecoativa, um espaço de promoção da permacultura, agroecologia e práticas sustentáveis na Ilha do Bororé, onde é preciso pegar uma balsa para chegar e foram à Cooperpac, a Cooperativa de Catadores(as) Seletivos(as). “Os alunos conheceram a esteira de triagem junto com os catadores para entender a separação dos materiais recicláveis. Foram várias experiências marcantes para eles, mas também para nós, professores”, completa Thabata.
Outra visita significativa foi a que fizeram à praça do Conjunto Habitacional Brigadeiro Faria Lima, também conhecido como BNH. A pé, os 70 estudantes do 9º ano saíram da escola e foram percorrendo as ruas até lá observando os temas de suas áreas.
Vencedor do Prêmio Territórios 2019, do Instituto Tomie Ohtake, o projeto Um País Chamado Grajaú teve como produção final a criação de um site especial que reúne as várias pesquisas e produções que os estudantes fizeram ao longo do trabalho. Há um mapa afetivo com descrições dos locais visitados, fotos do bairro a partir da janela da casa dos adolescentes, uma linha do tempo do território e mais informações sobre o projeto, a escola e o bairro.
No dia anterior à apresentação do projeto para a comunidade escolar e as famílias, encontraram um problema: o mapa, criado com tanto capricho, não abria nos tablets para as pessoas navegarem. “Sugeri criar um aplicativo, porque seria mais fácil para abrir. Fui para casa, fiquei matutando essa ideia e passei a noite criando o app. No final, deu certo e nem eu acreditava que eu tinha conseguido fazer isso!”, comemora Bruno.
“Senti bastante o protagonismo que tivemos porque a gente conseguia resolver nossos próprios problemas e acho que tivemos um crescimento pessoal grande. Esse projeto é, sem dúvidas, uma parte muito relevante da minha história “, diz Bruno.
Para seu colega Nicolas, também foi importante a construção de pertencimento ao bairro: “Aprendemos a valorizar o que está em volta de nós, a reparar mais nas coisas belas da região, mas também evoluí nos aprendizados porque fizemos muitas pesquisas, perguntas, criamos repertório e novas formas de crescer na carreira estudantil”.
E a professora que, junto aos demais educadores, acompanhou e ajudou a construir todo esse processo, destaca que o trabalho entre os profissionais da educação ter sido coletivo e multidisciplinar fez toda a diferença: “Com isso conseguimos levar os estudantes a aprender fora da escola, na vida, com muito afeto. Esse carinho que temos uns pelos outros é o que moveu todo esse processo”, finaliza Thabata.