publicado dia 17/04/2023

Na contramão de medidas repressivas, escolas abrem diálogo sobre violência extrema

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No portão da EMEF Infante Dom Henrique – Espaço de Bitita, em São Paulo (SP), José Roberto Ferreira Hangai, pai de uma estudante, começou a ouvir famílias defendendo a instalação de detectores de metais, câmeras e até a presença de policiais armados na escola para evitar novos casos de violência extrema. “A preocupação e o medo são totalmente legítimos, mas não acho que é isso que pode resolver”, diz.

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Um estudo recente mostra que esse caminho, adotado pelo Estados Unidos, país que sofre com atentados às escolas há décadas, é ineficiente. Embora o investimento em equipamentos de segurança seja o mais alto da história, o número de casos também segue atingindo recordes anuais. Os dados também revelam que o número de mortes em escolas com guardas armados é quase três vezes maior do que naquelas sem seguranças armados. 

Em experiências anteriores de escolas públicas em territórios conflagrados, o diálogo e a abertura para a comunidade e o território também se mostraram eficientes e duradouros na construção de uma cultura de paz.

Paulo Bueno, psicanalista, doutor em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e docente no Instituto Gerar, explica por que o diálogo é um meio de lidar com a violência que já aconteceu e prevenir novos casos: 

“Para conseguir sair da prisão desse tempo circular, é preciso conseguir elaborar os acontecimentos. Isso se dá pela fala”, diz Paulo Bueno.

“Os recentes ataques contra escolas constituem um trauma coletivo. Uma ruptura que marca um antes e um depois e que pode criar um aprisionamento em um circuito de medos, angústias e preocupações. Para conseguir sair da prisão desse tempo circular, é preciso conseguir elaborar os acontecimentos. Isso se dá pela fala”, afirma.

Na medida em que a escola incentiva uma cultura de diálogo sobre problemas e afetos em seu interior, mas também em casa e na rua, ela também adquire um caráter preventivo, porque permite acompanhar o desenvolvimento de cada sujeito em sua integralidade.

“É investir nas relações que despontam como conflitivas. Não é diagnosticar um potencial ataque, mas uma situação de potencial sofrimento, como uma inibição repentina e gestos de agressividade verbal e física”, explica Paulo.

Esse trabalho requer a valorização da escola pública brasileira e de todas as pessoas que dão vida a ela, sobretudo as professoras e professores. “Tivemos um governo que desvalorizava completamente essa profissão, em seguida veio a pandemia e o ensino remoto, e agora isso. Precisamos que a sociedade possa fazer essa valorização”, diz o psicanalista.

Contra medo de ataques, abertura para os sentimentos dos estudantes 

Na EMEF Espaço de Bitita, a angústia de estudantes e familiares se tornou mais intensa quando começaram a circular nas redes sociais novas ameaças de ataques. 

Para lidar com o cenário, organizaram pequenas rodas de conversa para acolher as preocupações e sentimentos diversos das 580 crianças e adolescentes que frequentam a escola. 

Depois, realizaram uma aula para explicar o que são as fake news e como funcionam os algoritmos que determinam o conteúdo que aparece no feed. Isso porque esses algoritmos analisam uma série de fatores, como as interações do usuário com outras contas, os tipos de conteúdo que ele costuma visualizar, curtir e compartilhar, além de informações demográficas e comportamentais. 

Assim, as redes mostram mais conteúdo que se assemelham ao que o usuário já assistiu, curtiu ou comentou anteriormente. Isso cria uma “bolha” em torno de seus interesses e preferências. No caso das ameaças de ataques às escolas, elas tomaram uma proporção muito maior devido à disseminação de fake news acompanhada desse efeito amplificador de repetição de conteúdos similares.  

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Na EMEF Profª Adolfina J. M. Diefenthäler, em Novo Hamburgo (RS), os professores também conversaram com os estudantes sobre como estavam se sentindo em relação aos ataques. 

“Quanto mais silenciamento a escola promove, maiores são os problemas”, aponta Andrea Zimmer.

“Conheço escolas que proibiram o tema porque não seria assunto de criança. Mas elas estão no mundo, ouvindo todo mundo falar sobre isso. Nosso papel é trazer as informações corretas e adequadas para que eles possam pensar e avaliar com autonomia. Quanto mais silenciamento a escola promove, maiores são os problemas”, defende Andrea Zimmer, gestora da unidade.

Além do acolhimento, os professores também conversaram com os estudantes sobre tudo que é violento no dia a dia da escola. “É importante para que a gente possa lidar com todas essas violências que também estão aqui dentro e não aumentá-las ou criar novas”, explica Andrea.

O apoio às famílias e aos educadores

Na EMEF Profª Adolfina, as famílias começaram a cobrar dos professores medidas para garantir a segurança das crianças e adolescentes na escola. “Os pais estão muito nervosos, sendo agressivos com os professores, achando que a escola é culpada por esses ataques”, relata Andrea. 

Em reunião com as famílias, conversaram sobre como essas violências são fruto da violência que circula por toda a sociedade e, portanto, também nas escolas. “A escola sozinha não vai salvar ninguém. Temos que fazer todos juntos, lembrando que violência não se combate com violência e erguendo muros, mas com participação coletiva e gestão democrática, caminho que trilhamos há 10 anos”, relembra Andrea.

Também abordaram a importância das famílias acompanharem de perto a vida nas redes sociais das crianças e adolescentes e deram instruções práticas de como fazer esse monitoramento. 

Na EMEF Espaço de Bitita, a escola dedicou um dia inteiro para realizar reuniões com as famílias em diferentes horários. Quase metade das famílias compareceram. “Ficamos mais tranquilos após essa conversa, porque não foi algo protocolar, mas de acolhimento e de fazer um trabalho contínuo de atenção para que essas coisas não aconteçam”, diz José Roberto.

“Nosso trabalho foi mostrar que nossa escola é de pertencimento, que os professores estão ali há mais de uma década, que atravessamos a pandemia muito juntos, com trabalho intersetorial. Que olhamos o caso a caso, muito de perto e todos os dias, porque o problema não é espontâneo, ele começa em algum lugar”, conta Carlos Eduardo Fernandes Júnior, coordenador pedagógico da escola. 

“É fazer todo dia com que ninguém se sinta abandonado”, resume Carlos Eduardo Fernandes Júnior.

O educador relata o caso de um adolescentes que ficou fechado em seu quarto sem vínculos de amizade por dois anos. Após um trabalho intenso da escola em parceria com a rede de atenção psicossocial, hoje o garoto está bem. 

“Quando temos um estudante em sofrimento, não podemos colocá-lo para fora. É colocar ele mais para dentro, é fazer todo dia com que ninguém se sinta abandonado”, defende Carlos Eduardo. 

Na relação com o território, seguem a mesma lógica de aproximação. No ano passado, os muros que rodeavam a escola e atingiam 4 metros de altura, hoje não passam de 1 metro. “O que queremos dizer é que vocês [que estão na rua] nos protegem e nós protegemos vocês”, afirma o coordenador pedagógico.

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