Publicado dia 05/09/2025
Instituto Etno: Comunidade de aprendizagem promove o desenvolvimento integral no território
Autoria: Ingrid Matuoka
Publicado dia 05/09/2025
Autoria: Ingrid Matuoka
🗒 Resumo: De Santo Antônio do Pinhal (SP) a Serra Grande (BA), de professores a marisqueiras, o Instituto Etno mobiliza uma rede de pessoas para contribuir com o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes e forma comunidades de aprendizagem por onde passa. Conheça sua atuação.
O que começou como uma oficina de permacultura para crianças na Serra da Mantiqueira (SP), hoje se transformou em um projeto que promove a Educação Integral no território de crianças e adolescentes a partir dos princípios da Educação Indígena para inseri-las na sociedade a partir de seus próprios sonhos e vocações.
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Esse é o trabalho do Instituto Etno, um escritório de arquitetura criado em 1999 pela arquiteta Maria Agraciada Tupinambá, que desde o princípio voltou sua atenção para a relação entre as construções e a natureza e as pessoas.
“Como indígena, me sentia sem lugar no mundo, então pensei em criar um lugar para os peixes fora d’água, para que eles possam ser quem são, com seus talentos e jeitos de existir”, conta Maria Agraciada.
Escola recebe marisqueiras da comunidade para conversar com os estudantes.
Crédito: Instituto Etno
A depender do que a comunidade e as pessoas que chegam até o Instituto demandam, Maria Agraciada articula especialistas, projetos e a rede de proteção intersetorial para fazer acontecer.
Em São Bento do Sapucaí (SP), revitalizaram bibliotecas e praças junto à juventude local. Uma vez por mês, todos se reuniam na praça para brincar juntos – de crianças a idosos. Também buscaram os mais velhos da comunidade para aprender sobre plantas medicinais e ensinaram a produzir medicamentos em casa.
“Nosso papel é acompanhá-los e dar condições para eles seguirem a caminhada deles, com essa rede de colaboração, mas cada um à sua maneira e em seu próprio tempo”, diz Maria Agraciada Tupinambá
“A fila do posto de saúde chegou a diminuir e, principalmente, as pessoas voltaram a dar valor a esse conhecimento”, conta Maria Agraciada.
A movimentação começou a atrair mais pessoas para somar. Voluntários reuniam a garotada em torno da fogueira para oficinas de literatura e cultura. Também ensinavam culinária e idiomas para as crianças ou cuidavam de seus cabelos. No total, foram cerca de 1,5 mil jovens que participaram das nossas atividades ao longo de 15 anos em São Bento do Sapucaí.
“Vimos muitos deles superarem as drogas, irem para a faculdade e para o exterior. Mas primeiro precisaram descobrir que podiam sonhar, porque quando chegavam, não tinham sonhos. Pela pedagogia da convivência positiva e afetuosa, eles iam desabrochando. E nosso papel é acompanhá-los e dar condições para eles seguirem a caminhada deles, com essa rede de colaboração, mas cada um à sua maneira e em seu próprio tempo”, explica a diretora geral do Instituto Etno.
Conforme os jovens se desenvolviam, passavam a formar os que chegavam. Eles são chamados de jovens sementes. Felipe Beraldo, que hoje tem 28 anos, chegou ao Instituto aos 11 e é uma jovem semente. “Essa experiência mudou a forma como eu consigo me enxergar e também passei a ver o mundo de uma forma bastante plural”, conta.
“Acreditamos que aprendemos o tempo inteiro, com todo mundo e em qualquer lugar, porque comunidade e Educação estão entrelaçados”, afirma Clara Luz
Junto às escolas locais, realizavam vivências audiovisuais, a partir da troca de conhecimentos entre os jovens do Instituto e da própria escola. Universidades e institutos federais também começaram a buscar a iniciativa para oferecer parcerias e laboratórios nas mais diferentes áreas do conhecimento.
“Estamos reimaginando a Educação. Acreditamos que aprendemos o tempo inteiro, com todo mundo e em qualquer lugar, porque comunidade e Educação estão entrelaçados. Nosso objetivo é dar várias referências de aprendizados aos jovens e possibilidades de ir na direção de seus sonhos”, afirma Clara Luz, diretora executiva do Instituto.
A iniciativa hoje faz parte da Aliança Global de Ecoversidades, um projeto que reúne iniciativas de 50 países que criaram comunidades de aprendizagem inspiradas nos princípios da sustentabilidade e da justiça social.
A aprendizagem coletiva é central para o trabalho.
Crédito: Instituto Etno
“Nos inspiramos na Educação Indígena tradicional, no bem-viver, onde se aprende pela experiência e de forma coletiva, multigeracional e no dia a dia. Fazemos frente a uma sociedade que medicaliza o nascimento, terceiriza o cuidado com as crianças, escraviza os adultos e abandona os idosos. Não discordo que a escola e a universidade são importantes, quando de qualidade e humanizadas, mas meu olhar está voltado para a transformação da sociedade não indo contra o sistema, mas criando um outro, com uma rede de colaboração afetiva”, diz Maria Agraciada.
Em 2019, o Instituto Etno muda para Serra Grande, na Bahia. Os primeiros passos são miúdos, de quem chega em um novo território com cuidado. “Não propusemos nenhum projeto. A primeira coisa que fizemos foi conversar com as lideranças da terceira idade daqui. E elas nos pediram ajuda com as ervas medicinais, então começamos a voluntariar para elas nessa produção”, conta Maria Agraciada.
Conforme conheciam mais a população e o território, ampliaram suas ações de articulação entre projetos e instituições do poder público para promover direitos. E as histórias de desenvolvimento integral e superação voltaram a se repetir.
“Abrimos um teatro em parceria com o circo e uma menina virou escritora de peça teatral. Ela criou a Cinderela Negra e rodou vários lugares com esse espetáculo. Também teve um menino que se afastou do tráfico e do trabalho escravo e foi se descobrindo e teve acesso a outras oportunidades”, celebra Maria.
Em Serra Grande, a aproximação com o Colégio Estadual do Campo de Serra Grande se fortalece. “Eu realizo uma oficina de audiovisual nessa escola e também em uma aldeia Tupinambá da região”, conta Stela da Costa, 30 anos, que é uma jovem semente e faz parte do Instituto desde os 23.
“É fundamental promover o diálogo entre nossos anciãos e a juventude, para valorizar esses sujeitos que têm tanto conhecimento e o nosso território”, diz Leandro Bezerra
Nas oficinas que realiza, ela conta que busca levar seus aprendizados para os estudantes. “Foi através do Instituto que me conectei com a Educação inovadora, conseguindo perceber que podemos fazer diferente, podemos andar na paralela do que está estruturado dentro de nós e da sociedade, e fazer acontecer de forma diversificada, amorosa e afetiva. Vejo que assim o jovem se solta e se permite ser”, afirma.
Junto à escola, também apoiaram a realização de projetos de valorização de saberes e sábios e sábias locais, como as marisqueiras e jangadeiros, que fazem parte da cultural regional e da família de muitos estudantes.
As turmas pesquisaram sobre os ofícios, sua importância e tradições. Depois, receberam as marisqueiras, que têm por volta de 80 anos de idade, para uma roda de conversa. “Os alunos prepararam todo o espaço para receber as marisqueiras. Quiseram deixar tudo bem aconchegante, com chá e lanche. Quando elas vieram, ficaram tensas, tímidas e receosas, porque nunca foram chamadas para falar de suas experiências. Mas no final, estávamos todos em casa e conversando abertamente”, conta Juciara de Queiroz Souza, professora que conduziu o projeto.
Oficina de fotografia leva crianças e adolescentes para observar e registrar o território da escola.
Crédito: Instituto Etno
Leandro Bezerra, diretor da escola, reforça a importância da ação: “É fundamental promover o diálogo entre nossos anciãos e a juventude, para valorizar esses sujeitos que têm tanto conhecimento e o nosso território”.
Para Maria Agraciada, a via é de mão dupla, e fortalece toda a comunidade. “Os jovens se envolvem mais quando o assunto é próximo a eles e se tornam mais pertencentes a esse lugar. Enquanto os mestres são mais valorizados e passam a enxergar mais seu próprio valor. Isso cria uma liga comunitária e, através dela, conseguimos trazer outros recursos para expandir os caminhos dos jovens para onde eles quiserem”, diz.