publicado dia 06/08/2025

Como o novo PNE pode fortalecer a Educação Integral na próxima década

Reportagem: | Edição: Tory Helena

🗒Resumo: Como o novo PNE pode fortalecer a Educação Integral? Especialistas analisam a forma como a Educação Integral está presente no novo Plano Nacional de Educação (PNE), em discussão no Congresso Nacional, e apontam ajustes necessários para garantir uma Educação de qualidade para todas as pessoas.

Em análise pelo Congresso Nacional, o Plano Nacional de Educação (PNE) define metas e objetivos para o planejamento educacional para a próxima década. Entre outros aspectos, o documento orientador tratará da expansão da Educação Integral em tempo integral para as escolas brasileiras. 

Mas como a Educação Integral, quando aplicada de forma contextualizada às necessidades do território e dos estudantes, pode garantir novas oportunidades educacionais para a comunidade escolar? 

“A Educação Integral me ajuda a desenvolver opinião própria, responsabilidade e autonomia e ainda dá a oportunidade de explorar novas áreas e descobrir gostos e preferências”, exemplifica a estudante Maria Eduarda Nogueira, de 12 anos, que adora praticar Taekwondo na Escola Municipal Polo de Educação Integrada (EMPoeint), em Belo Horizonte (MG). 

Estudantes na Escola Municipal Polo de Educação Integrada (EMPoeint) em Belo Horizonte (MG).

As áreas externas e naturais são amplamente aproveitadas para atividades escolares e de descanso na Escola Municipal Polo de Educação Integrada (EMPoeint), em Belo Horizonte (MG).

Crédito: Shirlei Lopes

Para Augusto Araújo, 13, que se dedica especialmente às aulas de violão na mesma escola, a Educação Integral contribui com a sua socialização. “Tem o conhecimento racional, mas também ajuda na questão social, porque passamos o dia com colegas e professores, aprendendo a viver em comunidade”, afirma o estudante. 

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Já a colega Rafaela Braz, 13, celebra a existência de Equipes de Responsabilidade em sua escola, em que estudantes ajudam na organização dos intervalos, da biblioteca e até de eventos da escola.

“Também gosto muito da iniciação científica”, conta a estudante, que atualmente investiga o funcionamento do corpo humano.

“Nas escolas convencionais eu só sentava e copiava o quadro”, relata Caio Maia, 15 anos. “Na Educação Integral tem mais diversidade, posso participar e decidir coisas. E para quem tem menos condições é bom porque tem mais opções de estudo, lazer e de alimentação o dia todo”, continua.

Para ele, também é especialmente importante contar com a professora tutora, que fica responsável por acompanhar de perto um pequeno grupo de estudantes ao longo do ano. “A minha tutora é muito amiga, a gente conversa sobre a vida, sobre meu futuro, onde eu posso investir mais para crescer. E se o aluno está com algum problema em casa, eles ajudam”, diz Caio.

Mesclando autonomia e protagonismo com oportunidades de convívio e de aprendizagem, os relatos dos adolescentes da escola municipal Polo de Educação Integrada (EMPoeint) materializam as possibilidades de se estudar em uma escola pública de Educação Integral em tempo integral, quando o trabalho é feito de forma contextualizada ao território e com gestão democrática. 

Como o novo PNE pode fortalecer a Educação Integral? 

A experiência da EMPoeint ilustrada pelos relatos de seus estudantes não é um caso isolado. Em mapeamento realizado por meio do edital Experiências Inspiradoras, o Ministério da Educação (MEC), em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), identificou 739 iniciativas que revelam boas práticas capazes de inspirar outras redes públicas. 

A Educação Integral é uma concepção pedagógica que compreende que a educação deve garantir o desenvolvimento dos sujeitos em todas as suas dimensões – intelectual, física, emocional, social, política e cultural e se constituir como projeto coletivo, compartilhado por crianças, jovens, famílias, educadores, gestores e comunidades locais. Ela deve acontecer na escola e para além dela, e pode se dar no tempo parcial ou integral.

Para que mais crianças e adolescentes tenham acesso a essas oportunidades, especialistas defendem que o novo Plano Nacional de Educação (PNE) assuma a concepção de Educação Integral em todo seu texto, e não apenas na meta 6, e garanta financiamento e outras condições de implementação, como a articulação entre os entes federados por meio de um Sistema Nacional de Educação (SNE), também conhecido como o “SUS da Educação”. 

O documento está em debate no Congresso Nacional, no projeto de lei (PL) 2614/2024, e em Assembleias Legislativas pelo Brasil, e deve ser aprovado ainda este ano. 

“Neste documento único e universalista, é importante não perder de vista as diversidades e diferenças que são dimensões constitutivas de nossa sociedade”, alerta Bárbara Ramalho, professora na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Para Barbara Ramalho, da UFMG,  presença da Educação Integral no novo PNE pode transformar e qualificar a Educação como um todo

“Mas foi também o PNE e a meta de tempo integral que possibilitou que, após anos de descontinuidade de políticas públicas, fosse possível retomar o projeto de Educação Integral no atual governo”, diz.

Para a professora, a presença da Educação Integral no novo PNE pode ser uma brecha para transformar e qualificar a Educação como um todo.

“Por que passamos a chamar a Educação de Integral? Já que, de partida, a Educação deveria se orientar por esse olhar integral sobre todos os alunos, o reconhecimento de suas identidades, a relação com o território e com os saberes tradicionais, a gestão democrática, entre outros aspectos que a Educação Integral traz”, avalia.

O tempo integral na Educação Integral 

Como o novo PNE pode fortalecer a Educação Integral na próxima década

PNE: articulação entre jornada ampliada e concepção de Educação Integral é inédita.

Crédito: Prefeitura de Curitiba

A meta 6 do novo PNE diz: “Garantir a oferta de matrículas de tempo integral na perspectiva da educação integral, com, no mínimo, sete horas diárias ou trinta e cinco horas semanais, preferencialmente em turno único em, no mínimo, 55% (cinquenta e cinco por cento) das escolas públicas, de forma a atender pelo menos 40% (quarenta por cento) dos estudantes da educação básica até o final da vigência deste PNE”.

O Plano anterior já trazia a meta de ampliar o tempo integral nas escolas brasileiras, mas é inédita a articulação da jornada ampliada à concepção de Educação Integral. “A Educação Integral também pode acontecer na jornada parcial, mas o tempo integral é muito importante”, diz Cleuza Repulho, ex-presidente da Undime e consultora educacional.

“A maioria absoluta das redes trabalha com cerca de 3 horas efetivas de atividades pedagógicas e lutam para cumprir os 200 dias letivos, então o Brasil ganharia muito em termos de qualidade e condições de melhorar a aprendizagem”, complementa Cleuza.

Ao olhar para o Plano anterior, a professora Bárbara indica um cuidado: “Em algumas Secretarias, quando se alcançou a meta de tempo integral, vimos poucos adensamentos posteriores. Então se tornou teto ao invés de piso, e esse não pode ser o tom do novo Plano”.

A importância de afirmar concepções

Ocimar Alavarse, professor na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP), chama atenção para a falta de uma definição do que o PNE entende por Educação Integral e as possíveis consequências disso. 

Em síntese, a Educação Integral prevê o desenvolvimento dos sujeitos em todas as suas dimensões – intelectual, física, emocional, social, política e cultural – e se constitui como projeto coletivo, compartilhado por crianças, jovens, famílias, educadores, gestores e comunidades locais, e acontece na escola e fora dela. O respeito à democracia, ao debate plural de ideias, à laicidade e o combate às desigualdades são premissas fundamentais da Educação Integral.

“Mas o PNE deixa em aberto uma série de definições que precisam ser mais bem delimitadas, porque a depender das Secretarias, podem defender o fundamentalismo religioso e a militarização em nome da Educação Integral, como já vimos acontecer”, alerta Ocimar.

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O especialista também retoma a experiência brasileira com a ampliação da jornada e aponta que seria importante o PNE determinar o turno único e o currículo integrado, para não dividir o currículo em turno e contraturno, com aulas expositivas separadas de oficinas de Artes e Esportes, por exemplo, ou o uso do tempo integral para aulas de reforço.

Para Ocimar Alavarse, da USP, é preciso avançar na implementação do currículo integrado e do turno único nas escolas de Educação Integral

“Devemos pensar em uma ampliação das atividades curriculares, de interdisciplinaridade, de projetos, de atividades fora da escola. E para isso também precisamos de mais intersetorialidade, para não colocar essa responsabilidade só debaixo da escola”, indica Ocimar, que destaca que o tempo integral só deve ser implementado se fizer sentido para a comunidade. “No Ensino Médio noturno, por exemplo, pode ser prejudicial”, diz.

Outro ponto de atenção diz respeito ao desenvolvimento emocional, que em alguns entendimentos deu margem às chamadas competências socioemocionais, com aulas específicas sobre o tema, quando a proposta é um trabalho integrado e contínuo no dia a dia da escola que leve em conta os afetos dos estudantes a todo momento e lide com eles de forma coletiva.

Para Ana Laura Godinho Lima, professora na FE-USP e autora do artigo “Que fazer das emoções na escola?”, as competências socioemocionais são “uma maneira restrita de pensar que tende a produzir uma normalização dos comportamentos, em vez de valorizar diferentes maneiras de estar no mundo”. Leia mais nesta reportagem.

“Em alguns casos vira resiliência para os estudantes continuarem aceitando condições de vida precárias”, complementa Ocimar, que também defende que várias das diretrizes do Plano que aparecem restritas à meta da Educação Integral em tempo integral sejam extrapoladas para o Plano todo.

“Por que a melhoria da infraestrutura das escolas só aparece embaixo da Educação Integral? O mesmo para Educação anticapacitista, em direitos humanos e para as relações étnico-raciais. Deveria ser para todo mundo”, diz Ocimar. 

A questão do financiamento para o PNE 

Consultora educacional, Cleuza Repulho destaca a importância da garantia de financiamento para a Educação Integral em tempo integral

Para que o novo PNE não siga o mesmo caminho do anterior, que enfrentou medidas de austeridade fiscal como o Teto de Gastos, e teve 90% de suas metas descumpridas, de acordo com levantamento da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, é necessário garantir condições para que a lei se efetive e monitoramento da sociedade civil para cobrar o poder público.

“É preciso ter muito bem definido quanto custa a ampliação da jornada escolar e de onde virá esse dinheiro, porque a disputa por verbas da Educação continua. E também ter claro onde esse dinheiro será investido prioritariamente. Já foi a Educação Infantil e o Ensino Médio, e hoje temos uma área esquecida que são os Anos Finais do Ensino Fundamental, com altas taxas de evasão e defasagem idade/série”, aponta Cleuza. 

“Já é um PNE histórico”: especialistas discutem a importância e os desafios do novo Plano Nacional de Educação (PNE)

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