publicado dia 05/11/2024
Qual a diferença entre bullying e racismo?
Reportagem: Ingrid Matuoka | Edição: Tory Helena
publicado dia 05/11/2024
Reportagem: Ingrid Matuoka | Edição: Tory Helena
🗒 Resumo: Quando olhamos mais de perto violências nomeadas como bullying, é possível perceber que algumas delas se tratam de outra coisa: racismo. Nesta reportagem, especialistas explicam as diferenças entre bullying e racismo e como combater a violência racial na escola.
O termo bullying vem sendo utilizado nas escolas para definir muitos dos conflitos que acontecem entre crianças e adolescentes. Sua definição, a partir da Lei nº 13.185/2015, é a de uma “intimidação sistemática”, e foi fundamental para começar a endereçar estes casos. Mas é preciso avançar.
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De origem inglesa, o termo “bully” se refere a “valentão”, enquanto o sufixo “-ing” indica continuidade. É assim definido um conjunto de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação, e ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas ou materiais.
Elas são realizadas individualmente ou em grupo contra uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, mas sempre entre crianças e adolescentes. Quando envolve adultos, trata-se de assédio moral.
Há também o bullying que acontece no ambiente virtual, conhecido como cyberbullying. Ambos passaram a ser considerados crimes no Brasil em janeiro deste ano, a partir da Lei nº 14.811/2024.
“O bullying gera processos de exclusão e pode causar danos psicológicos e emocionais significativos. Em alguns casos, há até danos físicos”, explica Thales Vieira, fundador e co-diretor executivo do Observatório da Branquitude.
Definir o bullying e prever discussões, formações e procedimentos para enfrentá-lo foi um passo fundamental para a construção de um clima escolar melhor e mais inclusivo para todos. Contudo, o termo abarca outras violências que, quando olhadas mais de perto, têm suas próprias características e, portanto, consequências e formas de combater.
“Tratar tudo como bullying pode ser uma forma de apagar ou tratar de forma superficial questões profundas da sociedade brasileira e desse sofrimento, como o racismo, a lgbtfobia, a gordofobia e outras questões desse tipo, que se manifestam dentro e fora da escola”, alerta Thales.
Mais especificamente em relação ao racismo, a advogada e pesquisadora Rosana Rufino explica que a dificuldade em nomear uma violência como racista, e acabar chamando de forma simplificada de bullying, é também fruto do próprio racismo.
“Destacar que são violências distintas não diminui as mazelas do bullying, que é uma violência mais fácil de perceber porque é considerada anormal. Já o racismo foi naturalizado em todas as estruturas da sociedade brasileira. A própria escola reproduz esse racismo e não é à toa que o número de exclusão escolar é maior entre negros e negras”, afirma Rosana, que também é coordenadora do Movimento Elo – Incluir e Transformar.
A dificuldade em identificar o racismo também tem a ver com o mito da democracia racial, um processo intencional de negação do racismo. “É o que gera uma ideia de que o racismo existe fora, em outro lugar, mas não aqui e não em si”, diz Thales.
Na definição da educadora Nilma Lino Gomes, o racismo é um comportamento ou ação resultante da aversão ou ódio contra pessoas que possuem um pertencimento racial visível, como cor da pele, tipo de cabelo, etc.
Também é expresso por meio de um conjunto de ideias e imagens que criam e perpetuam a noção errônea de que há raças e culturas superiores e inferiores. Daí deriva a vontade e tentativa de impor essas ideias, valores e crenças como únicas e verdadeiras. No Brasil, racismo é crime.
“Se uma menina é xingada por causa de seu cabelo, é toda uma população que é violentada, desumanizada, não é só aquela pessoa”, diz Ednéia Gonçalves
“Todo racismo é uma forma de produzir um apagamento do outro, que pode ser simbólica ou efetiva, mas é esse movimento duplo de tornar o outro inferior e afirmar superioridade sobre o outro”, reforça Thales.
Ednéia Gonçalves, educadora, socióloga e coordenadora executiva adjunta da Ação Educativa, destaca o caráter coletivo dessa violência: “Se uma menina é xingada por causa de seu cabelo, é toda uma população que é violentada, desumanizada, não é só aquela pessoa”.
Nas escolas, suas manifestações são múltiplas. De acordo com a pesquisa “Percepções do racismo no Brasil”, do Projeto SETA e Instituto Peregum, 38% das pessoas que afirmaram já terem sofrido racismo apontam as instituições de ensino como locais onde essa violência ocorreu.
“O racismo na escola está em toda parte, como na segregação na sala de aula, na falta de representação no currículo e de pessoas negras em posição de destaque na escola, além dos casos que acontecem entre as pessoas”, define Rosana.
Para começar o enfrentamento ao racismo, é preciso primeiro identificá-lo. “O preparo e formação dos profissionais da escola para isso é fundamental. Eles precisam discutir o racismo na sociedade brasileira, entender as desigualdades históricas e estruturais, que se refletem em desigualdades econômicas e educacionais hoje”, orienta Rosana.
Essa formação também apoia a transformação da escola como um todo. No currículo, por exemplo, seria passar a incluir as várias contribuições dos povos negros para o Brasil e o mundo, no passado e no presente, trazer autores, cientistas, artistas e outras pessoas negras de referência para o cotidiano escolar, e evidenciar as lutas e resistências à escravização.
“É oferecer a possibilidades das crianças e adolescentes lerem e interagirem com o mundo de forma antirracista”, sintetiza Thales, que reforça a necessidade de implementar a Lei nº 10.639/03 e 11.645/08, que instituíram a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura africana, afrobrasileira e indígena em todas as escolas do país.
Apesar da legislação, 7 em cada 10 municípios brasileiros não têm ações de combate ao racismo nas escolas. É o que indica a pesquisa do Geledés Instituto da Mulher Negra e Instituto Alana “Lei 10.639/03: a atuação das Secretarias Municipais de Educação no ensino de história e cultura africana e afro-brasileira”.
“Escola é lugar de produzir Educação. Se expulsar os alunos e achar que resolveu, a escola falhou, porque só gerou exclusão”, afirma Thales Vieira
“Precisamos fortalecer o indivíduo para que ele se perceba como portador de direitos, de igualdade e de possibilidade de reivindicação de respeito”, afirma Ednéia.
A transformação destes aspectos da escola trazem como consequência endereçar e abordar o racismo o tempo todo, como forma de prevenção, e não apenas quando acontece um caso na escola.
Se acontecer, protocolos de atuação previamente estabelecidos podem ajudar na condução do caso. “Cada escola precisa construir as suas formas de lidar, mas isso tem que ser pactuado com todos os atores. Sem a família, estudantes e gestão envolvidos, dificilmente haverá um encaminhamento real”, aponta Thales.
Tal encaminhamento precisa ir na direção da reeducação, não do punitivismo. “Temos que mobilizar todo o coletivo da comunidade escolar para reeducá-los e tratar como vítima toda a população negra”, explicita Ednéia.
“Escola é lugar de produzir Educação. Se expulsar os alunos e achar que resolveu, a escola falhou, porque só gerou exclusão”, complementa Thales.
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