publicado dia 29/03/2023

“Precisamos de programas nacionais de convivência escolar”, diz Miriam Abramovay sobre ataque em escola

Reportagem:

Quando acontece um ataque em escola – episódio caracterizado pela violência extrema contra professoras, estudantes e funcionários no ambiente escolar – medidas como a presença policial, catracas e câmeras costumam ser as primeiras a serem discutidas. Experiências internacionais, porém, avisam que políticas repressivas não são eficazes ou suficientes para enfrentar a complexa violência dentro dos muros da escola.

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Em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral, Miriam Abramovay, coordenadora do Programa de Estudos e Políticas sobre Juventude, Educação e Gênero: violências e convivência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), explicou como a escola se torna palco dessas violências, por quais motivos as medidas repressivas não funcionam e as alternativas a elas. 

Estudantes prestam homenagem à vítima de ataque em escola

Homenagem à professora Elizabeth Tenreiro, de 71 anos, vítima do ataque em escola de São Paulo (SP) no último dia 27 de março. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Crédito: Fernando Frazão / Agência Brasil

“Começa com grande pesquisa sobre o tema, depois falar sobre a questão da supremacia, fortalecer os grêmios, retomar as disciplinas das humanidades, criar uma política pública de convivência e realizar diagnósticos e formação nas Secretarias de Educação, e junto aos professores e todos os profissionais da Educação”, explica a especialista, que é parte do Coletivo Articulador do Centro de Referências em Educação Integral. 

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Centro de Referências em Educação Integral: Nesta semana, assistimos a mais um ataque em escola pública brasileira, na E.E. Thomazia Montoro, em São Paulo (SP). O episódio de violência extrema ecoa outros casos ocorridos em Realengo (RJ), Suzano (SP) e Aracruz (ES). Na sua opinião, o que explica essa escalada e por que a escola – e não outro espaço qualquer – tem sido palco dessas violências? 

Miriam Abramovay: A escola é o principal espaço social das crianças, adolescentes e jovens. Ela pode ser o espaço de socialização, de criar amizades, de ter relação com o saber e com os professores. Mas ela também pode significar o espaço da não atenção, de problemas com os professores e relações sociais tensas com os colegas. De precariedade da estrutura física, da comida e dos banheiros. São detalhes importantes para a relação positiva ou negativa com a escola. Sem falar na violência institucional que algumas praticam em seu cotidiano.

Mas nesses últimos 4 anos, sobretudo, vivemos tempos difíceis. Por um lado, os discursos de ódio sendo autorizados em toda parte, e a questão da propaganda das armas, inclusive as brancas. Por outro, a perseguição a professores que abordam questões de direitos humanos. Teve também o isolamento social, que afastou as crianças e adolescentes do espaço de debate que é a escola.

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O que sobrou para alguns adolescentes e jovens isolados da sociedade, que sofrem violências na escola e fora dela, foi o acolhimento que encontraram em grupos extremistas na internet.

Protesto contra violência e ataque em escola de SP

Professores de São Paulo protestam contra a violência nas escolas em frente à Secretaria de Educação, após o ataque na E.E. Thomazia Montoro. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Crédito: Fernando Frazão / Agência Brasil

CR: Quando esses casos de ataque em escola acontecem, é comum surgirem medidas repressivas, como a presença da polícia no ambiente escolar. Por que essa estratégia não é adequada? 

MA: Sempre se tenta judicializar a violência nas escolas. Existe uma percepção muito adultocêntrica de que a polícia resolve todos os problemas. Mas colocar a polícia na escola só a enfraquece. Ela é um lugar de proteção e deve ser protegida também, mas não é caso de polícia.

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As experiências internacionais mostram que quando a polícia está dentro da escola, as violências só aumentam. Os estudantes assumem que a escola não pode fazer nada e então eles podem fazer tudo. E é uma medida repressiva, que não pode estar ligada à educação. A polícia tem que estar nas ruas para que não morram jovens negros, para que não aconteça o feminicídio.

CR: O que precisaria ser feito, idealmente, para combater a violência extrema e ataques em escolas em diferentes esferas do poder público? Por parte das escolas, como a Educação Integral pode apoiar?

MA: Precisamos de programas nacionais de convivência escolar, que partam de um diagnóstico da questão da violência nas escolas. Esse diagnóstico vai possibilitar pensar em políticas públicas mais efetivas a nível federal, estadual e municipal. Todas essas esferas têm que trabalhar em conjunto em torno desse tema. 

Assim, as escolas vão produzir seus próprios diagnósticos e as Secretarias de Educação também precisam formar e discutir esse tema com os professores. As redes sociais, por sua vez, precisam de maior controle ​​para combater os fóruns de propagação de discurso de ódio.

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Já em relação ao trabalho pedagógico, a Educação Integral dá a oportunidade, em termos de tempo e de conteúdo, de discutir cotidianamente o extremismo da direita, as violências, as redes, as fake news e as masculinidades, já que as vítimas costumam ser meninas e mulheres, e os agressores são meninos e homens. E não precisa de uma disciplina específica sobre violência nas escolas, porque isso tem que fazer parte de todas elas.

Também é preciso discutir com as crianças e adolescentes o que é a rede social, como surge o extremismo, por que existe crime de ódio, por que esses estudantes muitas vezes usam símbolos nazistas e fascistas, o que são as masculinidades e a masculinidade tóxica, e como tudo isso leva a essa radicalização.

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A Educação Integral também olha para os sujeitos inteiros, o que significa dar espaços para que as crianças e adolescentes se expressem. Mas, muitas vezes, a escola é um espaço fechado para a expressão para eles. O que acontece com cada um não é discutido cotidianamente, e deveria. Isso não passa necessariamente por ter um psicólogo na escola, mas por criar espaços de diálogo para eles entenderem que o que eles sentem não é só deles, para que possam trocar e se fortalecer.

Em resumo, a escola precisa trabalhar Direitos Humanos. No âmbito da transição governamental para a gestão Lula-Alckmin, o Daniel Cara, um dos coordenadores do Grupo Temático de Educação, elaborou o relatório “O extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a ação governamental“. O documento traz ponto por ponto do que precisa ser feito.

Destaco alguns: começa com grande pesquisa sobre o tema, depois falar sobre a questão da supremacia, fortalecer os grêmios, retomar as disciplinas das humanidades, criar uma política pública de convivência e realizar diagnósticos e formação nas Secretarias de Educação, e junto aos professores e todos os profissionais da Educação. 

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