publicado dia 15/07/2019
A matemática como instrumento de promoção da igualdade
Reportagem: Ingrid Matuoka
publicado dia 15/07/2019
Reportagem: Ingrid Matuoka
Não é só no ensino e aprendizagem das disciplinas de humanas que cabem os valores do respeito à diversidade. A matemática também desempenha um papel relevante na formação integral dos sujeitos e pode ser um instrumento de promoção da igualdade.
Isso porque o ensino da disciplina pode apresentar muitos desvios. É comum que educadores tenham menos expectativas em relação à aprendizagem de matemática por parte de meninas, estudantes negros e com deficiência, por exemplo.
“É comum acontecer, até de maneira inconsciente. Não é que o professor faça isso de propósito, mas não se dá conta. Então é preciso estar atento”, explica Tereza Perez, diretora da Comunidade Educativa CEDAC.
Confira a entrevista com a especialista, que também é professora de matemática:
Centro de Referências em Educação Integral: De que maneira a aprendizagem da matemática colabora para o desenvolvimento integral dos alunos?
Tereza Perez: Fazer matemática não é só resolver exercícios. É uma maneira de expressar pensamentos, seja por meio da linguagem convencional da matemática, ou de textos, desenhos e materiais.
A matemática também trabalha a memória e a metacognição. Isto é, primeiro o aluno registra o modo de pensar dele no papel, e depois analisa esse pensamento quando vai corrigir o exercício sozinho, ou com colegas e o professor. Isso leva a outra qualidade de reflexão.
Além disso, quando os estudantes realizam um trabalho em duplas ou grupo, as crianças aprendem a dialogar, a trabalhar em conjunto para resolver um problema, a respeitar que cada um tem um jeito diferente de pensar, e também que podem chegar a soluções iguais por caminhos diferentes.
CR: E como o ensino da matemática pode colaborar com a promoção de igualdade?
TP: Existe uma noção de que os meninos são mais de exatas e meninas de humanas. E por vezes isso leva o professor a privilegiar o desempenho de um em detrimento do outro. É comum acontecer, até de maneira inconsciente. Não é que o professor faça isso de propósito, mas não se dá conta.
Então é preciso estar atento, e compreender que não é o sexo que determina a sua aptidão ou competência. Também temos que trazer à tona, na matemática e em todas as áreas, a questão de professores terem expectativas de aprendizagem menores quando os alunos negros, sejam eles meninos ou meninas.
Essa baixa expectativa é comunicada ao aluno às vezes de maneira direta, mas também de maneiras mais sutis. É o branco que você chama para responder a pergunta, que usa de exemplo, que você tira a dúvida. E isso muitas vezes acontece até com professores negros.
E se recorrentemente eu comunico para esse aluno que ele não é capaz, é nisso que ele passa a acreditar. E não pode, isso é crime. E isso ocorre de maneira muito similar com crianças com deficiência também.
Para além disso, também é importante assegurar que todas os estudantes estejam tranquilos para falar o que pensam e buscarem soluções. A matemática é reconhecida com terror, então se alguém é bom, é porque é inteligente. E se não é bom, é burro.
Esses jargões são ruins porque vão cristalizando, e fica mais difícil assegurar que as crianças possam se expor. Ter liberdade para se colocar também faz parte do desenvolvimento do sujeito no mundo.
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CR: O que é o ensino contextualizado da matemática? E como ele pode colaborar para a formação integral dos estudantes?
TP: Vivemos em um contexto matemático. Se as crianças conseguirem enxergar isso, então elas estarão aprendendo. Trabalhar a matemática no contexto é ter uma situação que, de fato seja instigante, e que o aluno precise fazer diferentes cálculos e recorrer a variados raciocínios. Isso acontece, por exemplo, em projetos de construção e planejamento de festas, artes, e para fazer comidas. Aí, sim, o educador gerou um contexto significativo para pensar matematicamente.
Também é possível e desejável trabalhar a matemática nela mesma. Os jogos, como o Quem dirá 20, são interessantes para potencializar a reflexão sobre determinado campo matemático, e ir avançando no grau de complexidade aos poucos.
Você já ouviu falar em Etnomatemática? Ela compreende e valoriza existência da matemática vivenciada na prática por artesãos, pescadores, pedreiros, costureiras, comerciantes ambulantes, entre outros, em sua própria leitura de mundo. É um instrumento poderoso para aproximar e valorizar outras culturas e saberes. Também pode ser utilizada, por exemplo, como uma das ferramentas para se combater o racismo nas escolas.