publicado dia 23/01/2018
Sob justificativas equivocadas, governo Temer anuncia investimento no Ensino Médio integral
Reportagem: Ingrid Matuoka
publicado dia 23/01/2018
Reportagem: Ingrid Matuoka
Na última quarta-feira, 17 de janeiro, o ministro da Educação Mendonça Filho anunciou a liberação de 406 milhões de reais para o Programa de Fomento às Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral (EMTI), com a finalidade de ampliar de 516 escolas da modalidade financiadas pelo MEC, em 2017, para 967 em 2018.
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Comemorado pelo governo, o investimento ocorre, no entanto, 15 dias após o presidente Michel Temer (PMDB) aprovar a Lei Orçamentária Anual (LOA), vetando 1,5 bilhão para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) – fatos indissociáveis na opinião de Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
“A liberação dessa verba é mais uma ação de marketing do que uma priorização da educação integral“, resume o especialista. Segundo Cara, para a implementação de uma política de oferta de tempo integral estruturada, isto é, que leve em consideração tanto a ampliação de matrículas quanto a qualidade do ensino, seria necessário no mínimo 1 bilhão de reais.
“O valor destinado é muito pouco para uma política tão central no Plano Nacional de Educação (PNE)”, diz Cara, referindo-se mais especificamente à sexta meta do Plano, que prevê que até 2024, 50% das escolas e 25% das matrículas em todas as etapas de ensino sejam de tempo integral. Apesar do montante parecer alto, a verba beneficiará menos de 5% das mais de 20 mil escolas que ofertam Ensino Médio no País.
A ação faz parte de um conjunto de estratégias do governo para focar investimento em apenas uma parcela das escolas, fortalecendo uma “política de seletividade”
João Antônio Cabral de Monlevade, autor do livro Ensino Médio Integral. Sim, mas para todos, afirma que essa ação faz parte de um conjunto de estratégias do governo para focar investimento em apenas uma parcela das escolas, fortalecendo uma “política de seletividade”.
“Essa é a fonte da desigualdade que compromete qualquer política de direito à educação”, diz Monlevade.
Outro ponto de debate é que este aporte liberado pelo MEC está vinculado ao contexto da controversa Reforma do Ensino Médio, que pretende ofertar um total de 831 mil vagas em escolas de tempo integral até 2020, dentre outras medidas. Com o valor aprovado (406 milhões de reais) será possível gerar 135 mil novas matrículas, somando um total de 284 mil vagas até o final deste ano.
“O tempo integral será ofertado a no máximo 6% dos 8 milhões de estudantes de Ensino Médio das escolas públicas, quando o PNE fala de um mínimo de 25%”, critica Monlevade, que também é professor e doutor em Educação.
“É muito pouco em termos orçamentários e, no âmbito pedagógico, esse pouco vai ser mal utilizado por estar inserido na lógica do Novo Ensino Médio“, complementa Daniel Cara.
Na tentativa de mostrar que é viável outra configuração de financiamento para implementar o tempo integral em todas as escolas de Ensino Médio, João Monlevade explica que seria necessário o MEC aumentar a Complementação da União ao Fundeb em 2018, passando dos atuais 10% da Receita Total dos Fundos para 15%, e continuar o aumento para 20% em 2019, 25% em 2020 e 30% em 2021.
“Esse aumento tem base legal e não estaria sujeito ao teto de Gastos da Emenda 95, contando também com a perfeita possibilidade tributária, tanto por aumento de alíquota do IRPF dos contribuintes de altas rendas hoje beneficiados com o limite máximo de 27,5%, quanto pelo aumento de arrecadação do ITR, cuja receita em 2016 foi de irrisórios 1,6 bilhões de reais, o que significa a cobrança média de 3 reais por hectare dos proprietários rurais”, afirma Monlevade.
Para além das questões orçamentárias, durante o anúncio da liberação da verba ficou evidente outra questão que merece preocupação: a visão deturpada do governo Temer sobre educação integral, atribuindo-lhe uma função meramente assistencialista.
Em seu discurso, Michel Temer (PMDB) afirmou que “a escola em tempo integral faz com que o aluno não diversifique o seu pensamento. Ao contrário, se oriente durante todo o dia no estudo que deve fazer ao longo do período”. Depois, acrescentou ainda que “num País carente como o nosso, muitas vezes os mais pobres permanecem em tempo integral na escola e recebem também um auxílio social”.
Para além das questões orçamentárias, durante o anúncio da liberação da verba ficou evidente outra questão preocupante: a visão deturpada do governo Temer sobre educação integral
A proposta da educação integral, contudo, é totalmente oposta. Consiste em diversificar as oportunidades de aprendizagem dos estudantes, possibilitando o desenvolvimento de suas múltiplas competências e habilidades. Para isso, pressupõe a diversificação do currículo e uma educação que acontece não só dentro, mas também fora dos muros escolares por meio do estabelecimento de diversas parcerias no território.
Para Daniel Cara, a confusão entre educação em tempo integral e assistência social é flagrante e prejudicial para ambas: “a política de Educação não deve ficar preocupada com a ocupação dos jovens, mas com a formação integral deles, assim como determina a Constituição. Isso demonstra que este governo não entende de Educação”.
A ideia de uma jornada estendida, segundo a concepção de educação integral, não é afastar os jovens das ruas. Pelo contrário, uma cidade educadora preza pelo diálogo entre escolas e territórios e pelo potencial transformador que um tem sobre o outro.
“O papel fundamental da Educação Integral é buscar que todos tenham as mesmas oportunidades de acesso e com a mesma qualidade”, explica Daniel Cara. “O governo alega que essa verba é tudo que podem investir esse ano, quando o Orçamento real para a Educação, desde 2014, já se aproxima de 97 bilhões. Investirem só 400 milhões é, de fato, risível”, conclui.