publicado dia 12/05/2020
Uso de recursos digitais por escolas requer cuidados e proteção de dados, afirmam especialistas
Reportagem: Ingrid Matuoka
publicado dia 12/05/2020
Reportagem: Ingrid Matuoka
A suspensão das aulas como medida de distanciamento social durante a pandemia tem exigido a reorganização do trabalho de escolas e redes em todo o país. Debruçados sobre o desafio de que todos os estudantes tenham seu direito à educação assegurado, gestores e professores estão explorando cada vez mais os recursos digitais disponíveis para garantir algum contexto de aprendizagem.
São plataformas, sites, redes sociais, e aparelhos que entraram para o cotidiano educacional, demandando não apenas adaptações pedagógicas, mas também cuidado e proteção. “Precisamos preparar as redes escolares, as famílias e os estudantes para usar não só essas plataformas, mas a internet de modo geral, com responsabilidade”, diz Priscila Gonsales, diretora executiva e fundadora do Educadigital, instituição que desenvolve ações e projetos de educação aberta na cultura digital.
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Um dos pontos que requer atenção, apontam especialistas, diz respeito à violência que pode ocorrer por meio das redes, como o assédio, o cyberbullying e o acesso a conteúdos pornográficos por crianças e adolescentes. Com o aumento do tempo de uso de aparelhos eletrônicos, eles ficam mais vulneráveis a essas questões. Mas também é preciso atenção ao armazenamento e uso indevido de dados e imagens pessoais.
Marina Pita, coordenadora do coletivo Intervozes, organização da sociedade civil que trabalha pela efetivação do direito humano à comunicação, afirma que o volume e detalhamento de dados passível de armazenamento, bem como a capacidade de processamento de informações que existe hoje, e tende a evoluir, permite traçar perfis psicológicos que podem ser usados para influenciar comportamentos e escolhas, violando o direito de autodeterminação dos sujeitos.
Citando James Bamford, advogado e escritor especialista em Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos, a especialista explica que as empresas possuem alta capacidade de acompanhar a construção de pensamento das pessoas, por exemplo, por meio de coleta de dados de pesquisa, formas de navegar, palavras utilizadas e as interações feitas. “Quanto mais informações você tem sobre essa pessoa, mais fácil influenciá-la, sobretudo se forem crianças e adolescentes.”
E nessa toada de mostrar aos usuários conteúdos e produtos relacionados a buscas feitas por eles, os resultados também podem ter impactos ainda mais sérios. Para exemplificar, Marina relata que adolescentes que estavam lidando com a bulimia eram constantemente expostos a conteúdos relacionados ao tema, desestabilizando esses jovens. “O uso de dados pessoais, no modelo econômico atual, está sendo explorado para fins de lucro sem uma larga pesquisa sobre os impactos sociais que causam”, alerta.
O que é a LGPD? Ela estabelece bases legais para o tratamento de dados pessoais, tornando mais robusto o sistema de proteção do titular do dado, a quem é garantido o direito de decidir o que pode ser feito com ele, mesmo que seja um dado público. A LGPD traz, ainda, um capítulo sobre como dados de crianças e adolescentes são sensíveis e devem estar submetidos ao consentimento parental.
Para cuidar dessas questões, as gestões públicas e escolares têm um papel fundamental. A especialista do Intervozes cita a necessidade de implementar a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), prevista para entrar em vigor em agosto, e a leitura crítica e aprofundada por parte de gestores e professores dos termos de uso e privacidade das plataformas que redes e escolas indicam para os estudantes utilizarem.
Na hora de fazer essa leitura, vale prestar atenção a quais informações serão coletadas, qual a necessidade e uso delas, como se dará o armazenamento, se serão compartilhadas, e em quanto tempo esses dados serão destruídos.
Outro caminho é investir no uso de recursos educacionais com licenças abertas, que não fazem uso dos dados pessoais dos usuários. “Para todas as ferramentas e plataformas, há uma alternativa com recursos abertos. O ReLia reúne vários deles”, ressalta Priscila Gonsales, do Educadigital, lembrando que esses recursos não necessariamente são gratuitos, uma vez que para desenvolvê-los há investimentos envolvidos.
Outra parte fundamental de construir com crianças e adolescentes um uso saudável e responsável da internet, é trazer esses os temas da cidadania e segurança digital para os currículos, orientando estudantes sobre quais dados podem ser divulgados, como se comportar nas redes, como avaliar a segurança das interações com outras pessoas desconhecidas. É preciso também lembrá-los que o mundo virtual não deixa de ser real, com suas consequências e implicações, inclusive legais.
“As escolas que estão trabalhando remotamente precisam incentivar uma postura cidadã nas redes, abordando inclusive o problema das fake news, as informações falsas”, recomenda Priscila.
Já as famílias também podem ter um diálogo mais íntimo, inclusive estabelecendo combinados sobre o uso da internet. Essa relação próxima pode facilitar que adultos identifiquem se crianças ou adolescentes estão em contato com correntes que incentivam a automutilação e o suicídio ou se estão sofrendo cyberbullying.
“A maneira mais eficaz de prevenção é o diálogo”, afirma Itamar Gonçalves.
“A maneira mais eficaz de prevenção é o diálogo. E isso nos dá a oportunidade de conversar sobre todos esses temas, acolhendo a dor deles”, afirma Itamar Gonçalves, Gerente de Advocacy da Childhood Brasil.
Outra preocupação gira em torno do contato das crianças e adolescentes com possíveis abusadores, bem como o consumo de pornografia e a possibilidade de estarem expondo imagens íntimas nas redes.
“Se identificar que estão acessando esse tipo de conteúdo, é recomendado conversar e explicar que não é apropriado para a idade dela, e tentar entender se alguém está apresentando esses materiais a ela”, diz Itamar.
Já no caso de adolescentes, o especialista sugere aprofundar essa conversa, falando sobre como a representação dos corpos e do ato sexual em filmes e imagens pornográficas são distantes da realidade, para não gerar nos jovens uma frustração ou iniciação sexual inadequada. “Na pornografia tem toda uma questão cultural da violência sexual envolvida que pode ser abordada, e faz parte da educação sexual dos sujeitos”, explica Itamar.
As denúncias podem ser feitas pelo Disque 100, serviço de proteção de crianças e adolescentes com foco em violência sexual, e agora também será possível utilizar o aplicativo Diretos Humanos BR, disponível para Android e em breve para o sistema iOS. O site da Ouvidoria é outro caminho para denunciar: https://ouvidoria.mdh.gov.br/.