publicado dia 02/04/2018

“O que os alunos fazem com os erros é o que determina seu desenvolvimento”

Reportagem:

“Como você deseja que seus alunos sejam ao sair da escola, especialmente quando eles se depararem com dificuldades, frustrações, decepções e incertezas?”, questionou Guy Claxton, educador inglês na Universidade de Winchester, da área de Ciência da Aprendizagem, durante a 4ª Conferência de Educação da St. Paul’s School, que ocorreu em março, na cidade de São Paulo, e reuniu especialistas de diversas partes do mundo para discutir a necessidade de promover um ambiente feliz, seguro e estimulante para que ocorra a aprendizagem dos alunos.

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Se a resposta envolve o desejo de ver jovens generosos, criativos, capazes de aprender com os erros e solucionar problemas, então uma educação que só visa fazer os alunos  decorarem informações não é o caminho, alerta Guy.

Já uma educação integral possibilita unir um ensino profundo e acadêmico às habilidades que o século XXI exige. “O caminho para isso é instigá-los a sentir prazer em descobrir por si próprios as respostas para suas dúvidas”, acrescenta o educador, explicando que só assim os alunos adquirem autonomia e a percepção de quais maneiras facilitam sua aprendizagem – se é testando na prática, lendo, observando, trabalhando em grupo, ou de outros modos.

Aprendizagem em três níveis

Guy Claxton organiza a aprendizagem em três níveis. Há a compreensão, composta pelos atos de informar, testar, corrigir, contar. Outro nível é o que ele chama de competência, aí inclusos o fazer, treinar, praticar. E, por fim, o ser, que deriva de um processo longo do cultivo de pequenas atitudes aliadas a esses outros dois estágios. Este último, explica, é o mais profundo e mais duradouro e também aquele que será mais exigido dos alunos no mercado de trabalho e na vida.

Ainda sobre cada tipo de aprendizagem, o educador deu exemplos de como incentivá-las. Em uma aula, depois de ler um texto sobre determinado período histórico, por exemplo, o primeiro nível consistiria em conversar sobre o que aconteceu naquela época, o que os alunos extraíram do texto e compreenderam daqueles fatos, recontando a história em suas próprias palavras. Por meio dessas práticas, estariam exercendo sua compreensão do tema.

É preciso mostrar para os estudantes que existem dois momentos durante a aprendizagem: o tempo de aprender e o tempo de performar

É possível que depois desse momento ocorra um debate, no qual alunos possam questionar quem escreveu a história, sob qual ponto de vista e com quais interesses. Até mesmo por quem e como essa história foi descoberta, o que pode ser contestado dela, o que o texto não está dizendo, quais valores estão presentes, que outras perspectivas podem existir. Em outras palavras, que a informação inicial seja examinada a ponto de transforma-se em uma competência.

“Na era do consumismo exacerbado, das notícias falsas (fake news) e do ódio, saber questionar, duvidar e colocar as informações em perspectiva é fundamental. Nesse processo de debate, as crianças também aprendem que as discordâncias são comuns e saudáveis, e que ao se deparar com o diferente precisamos da generosidade e da empatia”.

Outro ponto que facilita que ocorra um nível mais profundo de aprendizagem é compreender os erros como parte de aprender. “Nossas crianças vão se deparar com inúmeras dificuldades na vida e vão errar. O que elas fazem com esse erro é o que vai determinar seu desenvolvimento”.

Tempo de aprender, tempo de performar

Ele sugere, portanto, evidenciar constantemente para os estudantes que existem dois momentos durante a aprendizagem: o tempo de aprender e o tempo de performar.

No tempo de performar, o objetivo é a excelência, é não cometer erros, é explicar ou fazer algo da melhor maneira possível, e tem duração menor. Já o de aprender é mais lento, e toma mais tempo. Fazem parte dele os erros, as tentativas, o debate, o coletivo, leituras e pesquisas, e demais processos.

A ocorrência exacerbada de erros diz mais sobre uma necessidade de adaptação do método de ensino-aprendizagem

A forma de comunicar que há um erro no trabalho dos alunos também pode reforçar a noção de que errar é aprender. Por isso, Guy recomenda que as correções e críticas sejam sempre construtivas e acolhedoras, e não passem a mensagem que se a criança errou é porque falhou ou não estava prestando atenção, e pior, que há algo de errado com ela. Pelo contrário, a ocorrência exacerbada de erros diz mais sobre uma necessidade de adaptação do método de ensino-aprendizagem.

“É preciso estimular que as crianças experimentem ao invés de que elas obtenham a melhor nota, porque para a aprendizagem o processo importa mais do que o resultado. Para isso, o custo de errar tem que ser baixo, ao contrário do que exigem as notas, provas e médias finais, quando o erro é sempre indesejável”, analisa Guy, ressaltando que quando há pouco espaço para o erro, há também pouco espaço para pensar.

Em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral, Guy Claxton afirmou que os professores têm um papel chave em transformar a relação de ensino-aprendizagem, inspirando, inclusive, políticas públicas.

“Os políticos estão sempre atrás, não à frente. À frente estão os professores, fazendo transformações pelas bordas. E essas mudanças não precisam ser gigantescas, elas estão nos detalhes, como na disposição de carteiras pela sala e na maneira de falar com os alunos”.

*Colaborou Julia Pinheiro Andrade

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