publicado dia 18/11/2022
O Brasil de Paulo Freire está de volta. E agora, quais caminhos trilhar na Educação?
Reportagem: Lucinha Alvarez
publicado dia 18/11/2022
Reportagem: Lucinha Alvarez
Paulo Freire (1921-1997), patrono da educação brasileira, é referência para educadoras e educadores que entendem a Educação como um direito e uma prática da liberdade. Freire propõe uma Educação baseada no diálogo e na valorização da cultura do sujeito como caminho para transformar a sociedade, de modo a torná-la mais justa e igualitária.
Em seu livro Pedagogia do Oprimido (1968), ele nos ensina que a educação não é neutra, é espaço de disputa entre projetos distintos e antagônicos: a educação bancária e a educação libertadora.
Lucinha Alvarez é fundadora do TEIA. Professora titular da FAE/UFMG. Pesquisa e atua nos seguintes temas: Educação e Movimentos Sociais, com ênfase na educação decolonial, educação popular, educação indígena e educação integral.
A prática e as propostas de Paulo Freire fizeram com que ele fosse obrigado a se exilar depois do golpe militar de 1964, mas seu exemplo e suas ideias permaneceram vivos na proposta de educação popular construída pelos Movimentos Sociais brasileiros, ao longo de tempos tão diversos.
Foram muitos anos de luta e de resistência até conseguirmos eleger, no início dos anos 2000, os governos populares do presidente Lula e Dilma. Entre 2002 e 2015, a Educação brasileira foi inundada por projetos e programas que buscaram garantir o direito à educação aos coletivos que historicamente estavam excluídos do espaço público.
Entre as várias ações, podemos destacar uma política indutora de Educação Integral, o programa Mais Educação, instituído em 2008, que trouxe, para o espaço público, a discussão acerca da educação integral no Brasil.
A ampliação das dimensões educativas da escola (com novos saberes voltados para os campos da arte, da cultura e do esporte), a incorporação de novos educadores às práticas educativas e o envolvimento da comunidade, do bairro e da cidade na educação dos sujeitos são algumas das dimensões que tensionaram a cultura escolar hegemônica brasileira, centrada apenas na transmissão de conteúdos desvinculados da realidade social.
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Com a Educação Integral, a escola se abriu para o entorno, trazendo mudanças na relação dos sujeitos com o bairro, com a cidade, entendida agora como território educativo. Fundamentada na concepção de educação libertadora de Paulo Freire e na educação democrática de Anísio Teixeira, as experiências de Educação Integral desenvolvidas em inúmeros municípios brasileiros se traduziram na possibilidade real de um vínculo entre escola e vida, entre prática social e aprendizagem escolar, garantindo o exercício de uma educação pública e participativa, sintonizada com a justiça social.
Mas a educação dominadora, tão denunciada por Paulo Freire, voltou a ganhar espaço na sociedade brasileira depois do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, em 2015.
Assim como na época do golpe de 1964, Freire foi perseguido, difamado, e suas ideias desvirtuadas. Em 2021, ano do centenário de Paulo Freire, o Brasil estava sendo dominado por um governo autoritário e truculento, que, por meio de mentiras, difamações e violências, tentava apagar, excluir e deslegitimar coletivos populares, de forma física, intelectual e moralmente. Conforme as ideias de Freire, nestes últimos anos, pudemos testemunhar a tentativa dos opressores de apagarem a força dos oprimidos, a riqueza de seu saber, a boniteza de suas práticas.
Propostas bancárias de educação foram implementadas, buscando silenciar as vozes de estudantes, professoras e professores e lideranças populares. Negaram a realidade e suas contradições e, em substituição, implantaram conteúdos sem vida, sem história.
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Fizeram tudo para impedir que os coletivos oprimidos pronunciassem sua palavra, fizessem a sua leitura de mundo e a partir dela, buscassem a transformação da realidade.
A Escola sem Partido foi uma dessas tentativas. Sabemos, como Paulo Freire, que não houve, não há nem nunca haverá uma educação neutra. A escola sempre toma partido, escolhe um lado. E sabemos muito bem de que lado está esta escola sem partido. Está do mesmo lado de quem propõe que a educação pública seja tratada como caso de polícia, implantando as escolas cívico-militares. Para os filhos dos pobres, a educação bancária sempre foi sinônimo de domesticação de corpos e mentes, mesmo que para isso seja necessária a violência.
Mas a opressão não foi aceita passivamente, como um destino inexorável, pelos coletivos oprimidos. Houve resistência, houve luta; uma luta que não começou nos dias atuais, uma resistência que vem de gerações anteriores, trazida pelo canto dos povos indígenas, pelas rezas e tradições dos povos quilombolas, pela luta pela terra dos camponeses, pela força da ancestralidade que chega e toma conta dos terreiros, dos quilombos, das aldeias, das matas e das comunidades das periferias das grandes cidades.
Neste processo, o exemplo e as ideias de Paulo Freire continuaram vivas. Paulo Freire continuou vivo. Vivo na luta de oprimidas e oprimidos, vivo na resistência dos povos indígenas, dos quilombolas, das mulheres, dos povos do campo, das pessoas LGBTQI+, vivo na solidariedade comunitária das periferias das grandes cidades, vivo na força que vem da ancestralidade e teima em continuar (re)existindo.
Paulo Freire sempre dizia que a indignação e a amorosidade eram sentimentos mobilizadores, capazes de nos fazer denunciar as opressões e anunciar outros mundos possíveis. Sonhos são projetos pelos quais se luta, bem nos lembra Freire. Sonhamos e lutamos, coletivamente, por um projeto democrático de sociedade. E vencemos!
No dia 30 de outubro de 2022, a democracia foi vitoriosa no Brasil, com a eleição do presidente Lula. A esperança venceu o medo, o amor venceu o ódio, o projeto de educação libertadora de Paulo Freire venceu o projeto neoliberal de Educação. Temos muito o que celebrar mas sabemos também que esta vitória é apenas um passo para a garantia de um Brasil democrático.
Ainda há muita luta a ser travada, tanto no campo das políticas públicas como das práticas sociais. Mas que caminhos percorrer? Como retomar a trilha da democracia não só formalmente mas como uma democracia viva, imbricada na prática cotidiana da sociedade brasileira?
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Retomar algumas ideias de Paulo Freire e algumas práticas de Educação Integral pode ser um caminho. Transformar as escolas em espaço de cultura viva, abrir as escolas para o bairro e para a cidade. Possibilitar um diálogo e uma articulação entre Educação Superior, Educação Básica, Educação Infantil, Educação de Jovens e Adultos (EJA). Combater racismos, machismos, homofobia, preconceitos. Aprender com a pedagogia do oprimido.
Escutar estudantes, famílias. Reconhecer e valorizar a diversidade. Viver a educação dialógica, que é o caminho para a liberdade. Transformar cada sala de aula em um círculo de cultura. Acolher os mestres e os saberes populares que existem esparramados pelo mundo. Entender a força que a escola pode ter se deixar de ser uma redoma de vidro e se abrir, com humildade, aos saberes da experiência feita. Aprender com a sabedoria de quem se fez mestre a partir da vida e da prática social. Retomar a educação popular como eixo de uma Educação Integral.
Mas construir uma Educação integral e emancipatória só será possível se refutarmos o discurso de neutralidade na Educação e abrirmos canais de participação e de debate com toda a sociedade, retomando os espaços dos fóruns, das assembleias, das conferências nacionais de Educação.
Atuar democraticamente é condição necessária para a construção de políticas públicas democráticas. Conquistamos, nesta eleição, o direito de viver em uma democracia. Vamos exercitá-lo! É tempo de esperançar!
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