publicado dia 24/10/2023

Investir em convivência escolar promove a cultura de paz na sociedade, diz Adriano Moro

Reportagem:

🗒️ Resumo:  A morte da estudante Giovanna Bezerra Silva por um colega da EE Sapopemba, em São Paulo (SP), nesta segunda-feira (23/10), reatualiza a urgência de discutir e agir sobre a violência extrema contra escolas. 

Em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral, Adriano Moro, que é pesquisador na Fundação Carlos Chagas e no Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Moral, explicou por que medidas repressivas não funcionam e apontou a alternativa: investir em convivência escolar.

Se as violências presentes na sociedade entram pela porta da escola, dali também podem sair cidadãos capazes de lidar com as diversidades humanas de forma ética e democrática, contribuindo para a formação de uma sociedade mais pacífica. 

Leia + Especial Escola Segura: Cultivando a Cultura de Paz traz reflexões e estratégias coletivas para lidar com a violência extrema contra escolas 

Quem explica esse conceito é Adriano Moro, pesquisador na Fundação Carlos Chagas e do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Moral (GEPEM), da Unesp e Unicamp: “Temos que pautar o tema em perspectiva intersetorial […] e valorizar e investir na cultura de paz, na convivência democrática e cidadã, não apenas na cultura de segurança”. 

Leia + Atentado a tiros: Brasil registra mais um episódio de violência extrema em escola

Em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral, o especialista, que também é doutor em Educação pela Unicamp e pela Universidade de Harvard, detalhou como o trabalho a partir da convivência escolar contribui para esse fim e explicou os pontos centrais que precisam ser levados em consideração. 

Leia + Na contramão de medidas repressivas, escolas abrem diálogo sobre violência extrema

“Trazer a questão das relações étnico-raciais para o plano de convivência é central, assim como as relações de gênero e o capacitismo”, disse Adriano. Leia a entrevista completa a seguir: 

Centro de Referências em Educação Integral: Em abril deste ano, o governo federal anunciou o investimento de mais de R$ 3,1 bilhões para prevenção à violência nas escolas. Qual deve ser o foco de atuação dessa política para que ela seja efetiva?

Adriano Moro: É um assunto delicado e complexo. Em 22 anos, tivemos 37 ataques às escolas, com 35 vítimas fatais, e é muito chocante, porque não vivenciávamos essa realidade, que cresceu exponencialmente a partir de 2022. 

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do Instituto Sou da Paz, mostrou que a maioria dessas mortes foram por arma de fogo. Nos últimos quatro anos, houve um crescimento de mais de 470% de licenças para uso de armas. Isso por si só é um dado que traz uma significância direta com o aumento da incidência desse tipo de violência e sua letalidade. 

Então é preciso que a política pública invista efetivamente em serviços de inteligência e em medidas de segurança, sobretudo no desarmamento da população civil e entender que os riscos gerados por essa flexibilização de porte e posse de armas é um erro fatal. 

Além disso, temos que entender que essas violências são estruturais, estão na nossa sociedade e a escola é parte dela. Então não se trata de instalar câmeras, colocar policiais, aumentar os efetivos de segurança e os muros. Estas são medidas que não vão surtir efeito. 

Em 2021, as escolas americanas gastaram a cifra recorde de U$ 3,1 bilhões, cerca de R$ 15,6 bilhões, segundo estimativas da consultoria de mercado tecnológico OMDIA. O valor representa um crescimento de 14% no total de gastos se comparado ao ano de 2017, o dado anterior disponível. Saiba mais sobre a relação entre segurança e violência nas escolas.

Temos o exemplo dos Estados Unidos da América, que investem bilhões na segurança e não veem resultados. Desde [o atentado em] Columbine, em 1999, houve mais de 350 tiroteios nas escolas americanas.

No lugar disso, temos que pautar o tema em perspectiva intersetorial, envolvendo a Assistência Social, Saúde e a rede de atenção psicossocial, Esporte, Cultura, Lazer e valorizar e investir na cultura de paz, na convivência democrática e cidadã, não apenas na cultura de segurança.

O governo federal ainda está moroso em investir em políticas públicas especificamente para a área da convivência escolar, que é central para o enfrentamento à violência extrema contra a escola. 

Além disso, as pesquisas mostram que quando se investe na melhoria do clima, melhora até o rendimento acadêmico. Isso vale desde que não se entenda o diagnóstico e melhoria do clima e da convivência escolar como algo utilitarista para os resultados. 

CR: De que maneira um trabalho com a convivência escolar contribui para reduzir as violências e em qual perspectiva ela precisa ser materializada para cumprir seu objetivo? 

AM: A ênfase deve estar em quanto cada um, e a escola inteira, se sente seguro, pertencente e valorizado na escola e percebe senso de justiça nas relações. Outro foco é o trabalho cooperativo e dialógico entre todos os atores escolares. Os estudantes precisam participar da construção de soluções de conflitos que acontecem no dia a dia, de forma coletiva e cooperativa.

Algumas formas de fazer isso são as assembleias de estudantes, professores e comunidade, a gestão democrática que faz emergir lideranças distribuídas, as rodas de conversa e de acolhimento, sobretudo nesses momentos sensíveis que as escolas estão passando, porque todas as escolas são afetadas quando acontece um ataque desses. 

O poder público e a sociedade também precisam fazer valer o papel social da escola em formar uma sociedade mais igualitária e justa, em ser palco de formação humanizada, de construção de relações sociais éticas, inclusivas e democráticas, para que cada estudante possa interagir com quem é diferente dele.

Projeto da Fundação Carlos Chagas inicia a construção de instrumentos de medida para avaliar a convivência nas escolas públicas de São Paulo.

Josep Maria Puig [educador espanhol referência em Educação Moral] olha para a convivência escolar em três dimensões: institucional, curricular e pessoal. É olhar para cada sujeito e entender como ele se relaciona com as outras pessoas. Isso passa a ser objeto de reflexão e conhecimento, porque os alunos precisam compartilhar e estudar sobre a convivência, levando isso para o currículo escolar.

Já a dimensão institucional diz respeito à participação democrática: envolver e ouvir a todos, em uma abordagem construtiva nas diferentes possibilidades de resolução de conflitos. Também, de criar um plano de convivência que seja da escola, não da rede.

É esse documento que vai operacionalizar as ações para que de fato essa convivência escolar se torne pacífica, inclusiva, democrática e ética. Construído por todos, ele vai orientar, organizar e concretizar as ações e o funcionamento da instituição no que diz respeito às relações interpessoais e à convivência ética.

CR: Em um país desigual e violento como o Brasil, porque é fundamental que as escolas olhem para o combate ao racismo, a lgbtqiap+fobia, o machismo e o capacitismo nesse plano de convivência? 

AM: Trazer a questão das relações étnico-raciais para o plano de convivência é central, assim como as relações de gênero e o capacitismo. Como elas operam na escola? Como as crianças pretas se sentem aqui? É preciso fundamental que essas reflexões ocorram na unidade escolar e com a participação de todos.

O diagnóstico do clima e da convivência na escola: elementos para uma liderança colaborativa e democrática.

Nisso, essas pessoas vão se perguntar que futuro querem para elas, em que tipo de sociedade querem viver. E aí temos que tipo de formação a escola precisa ter, como vai se dar essa convivência na escola hoje. 

Por essa via, as escolas conseguem alcançar vários efeitos fundamentais: pertencimento, valorização das crianças, expectativa respeitosa em relação ao seu aprendizado e trazer o aluno como protagonista. 

CR: Dos 11 ataques às escolas cometidos em 2023 por estudantes e ex-estudantes, quatro ocorreram no Estado de São Paulo. Contudo, o governador Tarcísio de Freitas vetou o projeto que garante psicólogos e assistentes sociais nas escolas estaduais e, ao longo deste ano, reduziu recursos destinados aos três principais programas de suporte à saúde mental da comunidade escolar: o Placon, Psicólogos na Educação e o projeto de Mediação Escolar. Ainda que o cuidado com a saúde mental seja apenas uma das dimensões da solução, como vê essa medida e qual a importância desses programas? 

AM: O problema da descontinuidade das iniciativas é algo que vislumbramos sempre. É preciso ampliar os investimentos na intersetorialidade, em psicólogos nas escolas, assistentes sociais, porque precisamos da atuação de todos juntos.

A escola é um ambiente complexo, bem como esse problema da violência extrema. Os psicólogos não vão dar conta de tudo, mas a ação deles é fundamental. Então precisamos investir fortemente nessa rede intersetorial. 

Se não olharmos para a escola como o ambiente complexo que ele é e quanto as relações interpessoais são fundamentais nesse espaço, vamos continuar patinando em resolver essas situações de violência extrema contra escolas.

Atentado a tiros: Brasil registra mais um episódio de violência extrema em escola

As plataformas da Cidade Escola Aprendiz utilizam cookies e tecnologias semelhantes, como explicado em nossa Política de Privacidade, para recomendar conteúdo e publicidade.
Ao navegar por nosso conteúdo, o usuário aceita tais condições.