publicado dia 14/10/2024
A importância do descanso na escola de tempo integral
Reportagem: Ingrid Matuoka | Edição: Tory Helena
publicado dia 14/10/2024
Reportagem: Ingrid Matuoka | Edição: Tory Helena
🗒️ Resumo: Nas escolas de tempo integral, como organizar o trabalho pedagógico de forma a levar em conta o descanso, o ócio, o lazer e a fruição para os estudantes? Especialistas detalham como pensar a gestão do descanso nas escolas de tempo integral à luz da concepção de Educação Integral.
Por todo o Brasil, se alarga o tempo que as crianças e adolescentes passam nas escolas. As mudanças são fomentadas por incentivo de políticas locais ou do programa federal Escola em Tempo Integral, que visa criar 3,2 milhões de matrículas em tempo integral até 2026.
Leia + Conheça o Especial Educação Integral: mais tempo na escola para quê?
Assim, os estudantes passariam das atuais 4 horas de permanência na escola para, no mínimo, 7 horas diárias ou 35 horas semanais. Embora bem-vinda, a ampliação do tempo na escola exige reorganização e cuidado para não sobrecarregar as crianças e adolescentes.
As pesquisas de Julia Dietrich, consultora em políticas educacionais e doutoranda na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), mostraram que a faixa de 6 a 7 horas diárias é ideal para a proficiência dos estudantes em Linguagens e Matemática. No entanto, a ampliação do tempo diário de 4 para 5 horas já traz ganhos expressivos.
“Isso varia de acordo com o contexto de cada escola, porque o tempo é altamente modulado por outros fatores endógenos e exógenos. Mais tempo em uma escola com baixo nível de infraestrutura e sem retroalimentação da prática pedagógica prejudica a proficiência. Se tem baixo contexto de violência, qualifica a proficiência. Em todos os cenários, é a ação docente que é fundamental”, explica a especialista, que também faz parte do grupo de pesquisa Direito à Educação, Economia e Políticas Educacionais da USP.
Isso torna as políticas públicas de valorização e contratação dos educadores ainda mais essenciais, a fim de que eles possam permanecer integralmente na escola, com horários dedicados ao planejamento individual e coletivo, além de participar de formações continuadas.
Com essas condições garantidas, a reorganização do tempo escolar deve vir acompanhada da concepção de Educação Integral para garantir direitos e promover o desenvolvimento integral dos estudantes.
“Na escola, o tempo tem que estar a serviço da intencionalidade dos docentes”, explica Julia Dietrich
“O tempo é estruturante, é o grande elemento organizador do currículo e das práticas pedagógicas, porque ele vai ditar na prática como se implementa o currículo e constrói as práticas pedagógicas. Na escola, o tempo tem que estar a serviço da intencionalidade dos docentes”, explica Julia.
Isso significa repensar toda a escola, inclusive o currículo e o trabalho pedagógico, para não criar uma escola cindida entre aulas e oficinas ou apenas mais do mesmo no tempo expandido.
O intuito é um currículo integrado, em que as áreas do conhecimento dialoguem entre si e com o território, por meio de metodologias ativas a serem realizadas dentro e fora da escola, em diferentes agrupamentos entre os estudantes, e a partir de temas de interesse das crianças e adolescentes e urgentes para o nosso tempo.
Mais do que isso, é fundamental garantir momentos para o ócio, o lazer e o deleite das crianças e adolescentes. Idealmente, o descanso deve ser integrado ao trabalho pedagógico.
“Não pode ser uma agenda tão intensa que atrapalhe a construção de estudantes independentes e capazes de produzir suas brincadeiras e o mundo imaginário, porque todo o horário do seu dia é guiado por algum tipo de instrução dos adultos”, diz Felipe Beijamini, pesquisador associado da Rede Nacional de Ciência para Educação (Rede CpE).
A gestora da Escola Municipal Polo de Educação Integrada (EMPoeint), de Belo Horizonte (MG), compartilha que esse é um desafio que ela e sua equipe vêm enfrentando.
“Temos uma ideia fabril de que os estudantes têm que produzir o tempo todo na escola e nossa proposta pedagógica não pode caminhar nesse sentido frenético e acelerado”, diz Shirlei Lopes.
Na Educação Infantil o respeito ao tempo das crianças costuma ser mais evidente. Além de momentos dedicados à brincadeira, socialização e descanso, o próprio trabalho pedagógico tende a levar em conta um ritmo que não seja desgastante.
“Conforme se afasta desta etapa, a cobrança aumenta, mas o corpo desses estudantes continua pedindo tempo que não seja de produção acadêmica. Temos que pensar em atividades e propostas que permitam outras aprendizagens e mais socialização entre os estudantes”, afirma Shirlei.
“Temos uma ideia fabril de que os estudantes têm que produzir o tempo todo na escola e nossa proposta pedagógica não pode caminhar nesse sentido frenético e acelerado”, diz Shirlei Lopes.
As vivências educativas no território e meio à natureza podem ser grandes aliadas das escolas para repensar esse trabalho pedagógico. “As experiências que os territórios convocam são fundamentais para que esse ócio e a fruição possam acontecer, mas tem que ter intencionalidade”, defende Julia.
O mesmo vale se a proposta for abrir horários livres na agenda dos estudantes.
“A escola compete com uma sociedade ultra dinamizada que coloca aparelho celular na mão de crianças e adolescentes com vídeos que duram no máximo 1 minuto. Como garantir que ele de fato vá ser crítico o suficiente para não responder aos condicionamentos da vida contemporânea? Como garantir que o estudante esteja disponível para viver esse tempo de ócio, do lazer e da fruição como pedagógico?”, questiona a especialista.
O tempo de sono das crianças e adolescentes também impacta seu desenvolvimento integral e precisa ser considerado por escolas e famílias.
“O sono traz um intervalo para o sistema nervoso se ocupar em ativar nossas experiências diurnas para consolidar nossas memórias, então organiza o aprendizado que ocorreu. Também consolida informações do sistema imune e regula o metabolismo”, explica Felipe, que também é professor na Universidade Federal da Fronteira do Sul e pesquisador em cronobiologia e sono.
O especialista afirma que, resguardadas as individualidades de cada um, crianças de até dois anos podem precisar de 11 a 16 horas de sono, e as de até 5 anos, de 10 a 12 horas, todas elas com uma ou duas sonecas ao longo do dia.
“A escola precisa respeitar a biologia das crianças e adolescentes”, afirma Felipe Beijamini
A partir dos 6 anos, dormir à tarde costuma deixar de ser necessário e o sono se concentra no período noturno por uma duração de 10 a 12 horas. Na adolescência, esse tempo cai para 9 e 10 horas – mas para eles há uma particularidade.
“Os adolescentes, em diferentes condições sociais e culturais, tendem a dormir mais tarde e acordar mais tarde. Os dados dos últimos 15 anos indicam um horário médio de dormir às 23 horas e acordar às 6 para ir às escola. Com isso, dormem apenas 7 horas e entram em privação de sono”, indica Felipe.
Por isso, iniciar o período letivo dos adolescentes matriculados no 9º ano do Ensino Fundamental no e Ensino Médio a partir das 8 horas da manhã pode ser recomendado. “A escola precisa respeitar a biologia das crianças e adolescentes. E os estudos mostram melhora no humor dos adolescentes e não faz com que eles passem a dormir ainda mais tarde”, diz o pesquisador.