publicado dia 09/05/2019
Gestão de Weintraub no MEC põe em risco qualidade da educação, apontam especialistas
Reportagem: Ingrid Matuoka
publicado dia 09/05/2019
Reportagem: Ingrid Matuoka
Desde que assumiu a presidência, Jair Bolsonaro (PSL) tem reconfigurado o Ministério da Educação (MEC). Em lugar de técnicos ou políticos influentes no campo, tem priorizado nomeações que agradam seus aliados: o ex-ministro Ricardo Vélez foi indicado por Olavo de Carvalho, e Abraham Weintraub é alinhado ao mercado financeiro. Segundo especialistas, essa nova composição do MEC, que se estende para outros cargos da pasta, indica uma mudança nos rumos do projeto educacional brasileiro.
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Gilda Cardoso, professora do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), explica que essas nomeações, bem como a maior aproximação dos militares, indicam um redirecionamento do MEC em relação às políticas educacionais construídas até este momento.
A especialista divide estes novos propósitos do MEC em duas frentes principais: o embate ideológico e cultural, e a redução de investimentos públicos na educação — segundo Gilda, o novo ministro, Abraham Weintraub, alia ambos.
O Fundeb – Fundo de Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação é um fundo de cerca de R$ 156,4 bilhões que beneficia, aproximadamente, 40 milhões de matrículas da educação básica pública (da creche ao ensino médio). A vigência do modelo atual, construído por meio de forte participação social, se encerra em 2020.
“Isso fica evidente, por exemplo, quando o ministro nada diz sobre o Fundeb, cujo fim iminente preocupa a todos, mas gera polêmicas afirmando que os alunos podem filmar aulas. Não é disso que o Brasil precisa agora. Temos que nos unir pela educação porque ela é uma das áreas mais estratégicas para o desenvolvimento do país, e isso pode ser feito por meio do cumprimento do Plano Nacional de Educação (PNE)”, afirma.
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Cesar Callegari, sociólogo e ex-secretário de educação básica do MEC, concorda: “O Ministério não tem e nem pretende ter um projeto estruturante para educação brasileira. A proposta da pasta é se transformar em vetor da guerra ideológica que o governo Bolsonaro implementa”.
Ele avalia que a revisão dos livros didáticos a que estão sendo submetidas as editoras é um exemplo de como esse objetivo vem ganhando forma na nova gestão do Ministério. “As editoras estão sendo forçadas a revisar no sentido de obedecer a visão de mundo do atual governo”.
Durante a primeira reunião da Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado Federal, nesta nesta terça-feira 7, Weintraub defendeu o corte de 7,4 bilhões de investimentos em educação, afirmando que “está todo mundo no país apertando o cinto”. “É sacrossanto o orçamento?”, perguntou o ministro.
Já em relação aos aspectos da economia, Callegari pontua que faltam propostas para o Fundeb, e há clara intenção de encerrar todas as vinculações de orçamento institucionais, bem como patrocinar a educação domiciliar, as escolas charter, e os vouchers.
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“Instrumentalizar o MEC como equipamento de guerra cultural é uma questão central deste governo”, complementa Salomão Ximenes, professor em Políticas Públicas da Universidade Federal do ABC (UFABC). Ele também explica que o novo ministro da educação possui um alinhamento orgânico com a Emenda Constitucional 95, que impôs um teto de investimentos em Educação, e com o mercado financeiro interessado na privatização da educação.
Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, alerta para a agenda que o ministro deseja construir ao lado de institutos e fundações empresariais, que visa estabelecer um projeto de 20 anos para a educação, partindo de uma escolha de metas do PNE para determinar o que deve ou não ser cumprido.
“O Poder Executivo não pode ter outra agenda que não seja a instituída, que é a do PNE, e nem pode tratar a lei como se fosse um cardápio. Isso afronta o estado democrático de direito”, destaca Daniel.
De acordo com Salomão, o desmonte do PNE é corroborado não só pela EC 95, mas pelo entendimento do atual governo de que é preciso cortar ainda mais recursos, e escolher as metas do PNE que lhe servem. “O Plano tem o mérito de ter sido construído a partir do diálogo entre opiniões muito divergentes, mas isso deu margem para que ele não seja coerente. Com os cortes, o PNE perde centralidade, mas nada impede que a nova gestão use parte dele para legitimar uma política privatizante, pautada pelo produtivismo”, critica o professor.
Callegari, que compõe o conselho de governança do Todos pela Educação, uma das organizações que tem dialogado com o MEC, acredita que neste momento seria mais produtivo apoiar as secretarias estaduais e municipais, conselhos e assembleias. Em sua opinião, “o MEC é deliberadamente hostil, então cabe ao Todos um papel de solidariedade e ação afirmativa a outros níveis do processo educacional que não o governo federal.”
Já em relação a outro tema central da educação para os próximos anos, que é o Fundeb, Salomão pontua que só renovar o Fundo exatamente como ele é hoje já seria uma perda, mas sequer isso está assegurado. “Essa disputa pode ser interessante, porque tem mobilizado gestores públicos, secretários, prefeitos e governadores em prol de uma proposta mais interessante. É uma oportunidade de aprimorá-lo, mas para isso será preciso derrotar o governo federal, o Ministério da Educação e o da Economia”, ressalta.