publicado dia 23/05/2023
Encontro Baiano de Educação Integral debate a retomada da política no país
Reportagem: Ingrid Matuoka
publicado dia 23/05/2023
Reportagem: Ingrid Matuoka
Em 18 e 19 de maio, ocorreu o Encontro Baiano de Educação Integral. Em clima de esperança por poder retomar a agenda da educação integral e a promoção dos direitos de crianças e adolescentes, atores das políticas públicas, da sociedade civil organizada, especialistas e educadoras(es) debateram como têm trabalhado para reconstituir as políticas públicas, tão impactadas pelo desmonte por parte do Governo Federal entre 2016 e 2022.
Leia + “Um país não pode pensar em projeto democrático sem Educação Integral”, diz Jaqueline Moll
Também discutiram, a partir de um resgate histórico, as perspectivas futuras para as políticas brasileiras, bem como os caminhos para construir decisões coletivas e atuações intersetoriais e interministeriais.
“É um momento de reconstrução e união em torno de um projeto de nação que faça da democracia e da superação das desigualdades o seu centro”, definiu Pedro Pontual, Secretário-Executivo Adjunto da Casa Civil da Presidência da República.
O evento aconteceu em Caetité (BA), onde nasceu Anísio Teixeira, que dedicou toda sua vida em prol da educação integral. E foi realizado pelo Comitê Territorial Baiano de Educação Integral Integrada, em parceria com o Observatório Nacional de Educação Integral e a União dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME Bahia).
Natacha Costa, diretora executiva da Associação Cidade Escola Aprendiz, de que faz parte o programa Centro de Referências em Educação Integral, abriu a primeira mesa retomando uma carta de Anísio ao governador da Bahia.
“A jornada estendida nas escolas, quando não é atrelada à concepção de educação integral, pode aumentar as desigualdades”, disse Natacha Costa
Escrita em 1950, ela ainda guarda estreita semelhança com os desafios do contexto atual da educação, como a necessidade de superar a intensa segmentação dos tempos e do currículo da escola, bem como a massificação dos processos educativos, que descartam as particularidades e, portanto, as potências, de cada cultura e território brasileiro.
Natacha também destacou a importância de diferenciar tempo integral e educação integral. “A jornada estendida nas escolas, quando não é atrelada à concepção de educação integral, pode aumentar as desigualdades”, afirmou.
Isso porque na concepção de educação integral está prevista, por exemplo, a garantia de condições para que os estudantes permaneçam por mais tempo na escola e a atenção a todas as suas dimensões, o que contribui para as aprendizagens e a garantia de todos os seus direitos.
“Precisamos pensar na função social da escola e da educação. Ela garante a aquisição de conhecimentos e é instrumento para os outros direitos básicos das crianças e adolescentes, como alimentação, segurança e higiene. Para isso, precisa da parceria dos territórios, dos adultos de referências dessas crianças e adolescentes, dos postos de Saúde, de todo um arranjo intersetorial das políticas, como proposto pelo Mais Educação”, explicou Natacha.
Juliana Macedo, socióloga que atuou na articulação entre o Mais Educação e o Bolsa Família, explicou como funcionava esse arranjo:
O Bolsa Família acompanhava a frequência mensal dos estudantes à escola. Esses dado era cruzado com informações do então Ministério de Desenvolvidos Social, que permitiam visualizar, a respeito de cada criança e adolescente, dados completos sobre a família: situação de emprego, renda, se está recebendo o benefício, se há gestantes e realização de pré-natal, a composição da família, vacinação, acompanhamento de crescimento, entre outros.
De 2012 a 2014, o Programa Mais Educação criou uma parceria com os dados do Bolsa Família para definir critérios de adesão, a fim de garantir que a educação integral seria implementada nas escolas com 50% ou mais de estudantes socialmente vulnerabilizados que recebiam o auxílio.
“Não tinha como implementar de forma universalizada, então começamos de modo gradativo, priorizando os mais excluídos, para quem as políticas costumam chegar por último”, disse Juliana.
Atualmente, o plano do Ministério da Educação (MEC) para a educação integral está centrado no Programa Escola em Tempo Integral, lançado em 12 de maio. “Não se trata só de escola, nem só de tempo”, explicou Raquel Franzim, coordenadora geral de Educação em Tempo Integral da diretoria de Políticas e Diretrizes de Educação Básica Integral do MEC.
“Ampliar o tempo de todas as escolas é uma das estratégias, mas não é tudo”, afirmou Raquel Franzim
“Ampliar o tempo de todas as escolas é uma das estratégias, mas não é tudo. Precisamos dos espaços, dentro e fora da escola, de materiais, de currículo menos eurocêntrico, pensar as relações sociais, onde aparecem as comunidades, famílias e atores dos territórios e reestabelecer relações intersetoriais”, observou Raquel ao apresentar o programa que afirma não se tratar de uma proposta pronta, mas ainda em construção coletiva.
As redes que aderirem ao Escola em Tempo Integral vão receber um valor complementar que varia de 1,5 mil a 6,7 mil por matrícula, contando com assessoria do MEC para realizar os cálculos.
“Vamos fazer uma pactuação em torno de como usar esse recurso da forma mais qualitativa e equitativa possível, olhando para eixos de ampliar as matrículas, formar professores, fomentar materiais pedagógicos e projetos inovadores, articular escolas, territórios e comunidades e monitorar e avaliar o programa”, especificou Raquel.
Ao longo dos dois dias, os municípios de Caetité, Lagedo do Tabocal, Ribeira do Pombal, Tanque Novo, Urandi, Nova Itarana, Andaraí e Secretaria Estadual de Educação também apresentaram suas experiências com a educação integral e relataram como vêm lutando para manter a política viva e atuante, a despeito do desmonte das políticas públicas. “O MEC voltou para aprender com essas experiências que já acontecem”, reforçou Raquel ao final das apresentações.
O segundo dia do Encontro Baiano de Educação Integral começou com as discussões sobre o papel da Educação e dos territórios em fortalecer a democracia.
“A tarefa da cidade que educa e transforma é a tarefa da democracia, do enfrentamento a todos os tipos de preconceitos e violências que atravessam nossa vida social e sabemos que isso só é possível por meio de uma formação humana integral ao longo da vida”, destacou Jaqueline Moll, pesquisadora e professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
A especialista também ressaltou a importância da Educação de Jovens e Adultos (EJA), que sofreu grave desfinanciamento nos últimos anos, e da articulação das políticas de forma continuada. “Não se resolve nem o problema da aprendizagem sem articulação intersetorial”, disse.
Sobre o papel dos territórios, Marcio Tascheto, professor e pesquisador na Universidade Franciscana (UFN), explicou que o princípio basilar de uma cidade educadora é ser antifascista.
“É uma cidade que efetivamente potencializa seus processos democráticos, cria possibilidades de uma moradia digna – faz casas fazendo cidades – como diria Erminia Maricato. É uma cidade que faz escolas conectadas com suas comunidades, que constrói essa importante percepção de que a escola é a máquina de fazer democracia, como diria Anísio Teixeira, mas que vai além desse processo escolar e constitui uma mobilização ampla da própria cidade”, disse.
Juliano Matos, da Fundação Anísio Teixeira e da Cátedra da Unesco, também reforçou a correlação entre educação e democracia: “A convivência que a escola possibilita é fundamental para assegurar a prática democrática. A forma de combater o fascismo é ter na escola essa convivência e inclusão potentes”.
A escola também pode ser o centro de articulação e de fazer chegar as políticas públicas, defendeu Pedro Pontual, que também é presidente honorário do Conselho de Educação Popular da América Latina.
“Para que possa exercer essa função, [a escola] tem que se abrir para o território e para todas as pessoas. É a educação integral e seu PPP que podem fazer com que ela tenha esse papel de ser o centro da comunidade. É assim que ela adquire sua dimensão política e transformadora”, disse.
Também participaram do Encontro Baiano de Educação Integral representantes de diferentes Ministérios que dialogam com a Educação. Andrea Ewerton, do Ministério do Esporte, destacou que, conforme prevê a Constituição Federal, o esporte é um direito social, fundamental para reverter quadros de exclusão e vulnerabilidade social. Para tanto, precisa obedecer aos princípios da inclusão, da democratização do acesso e integrar o território educativo, em parceria com as escolas.
Geraldo Horta, do Ministério da Cultura, afirmou que vem trabalhando para reativar a parceria com o MEC: “Cultura e Educação caminham juntas para a nossa formação humana e vida em sociedade”. Ele também aproveitou para lembrar que estados e municípios têm acesso a 3,8 bilhões de reais, por meio da Lei Paulo Gustavo, para fortalecer ações culturais.
Já representantes do Ministério da Ciência e da Tecnologia (MCTI) afirmaram que estão construindo programas para aproximar escolas públicas de iniciativas científicas, pesquisadores e museus de Ciências.
“Precisamos incentivar futuros cientistas, interessados em carreira científica e popularizar a Ciência para não termos negacionismo e pessoas que defendem que a Terra não é redonda. A Ciência precisa acontecer nas escolas de forma perene, curricular, e que os estudantes tenham direito de experienciar conhecimento científico de alta qualidade”, afirmou Juana Nunes, diretora do Departamento de Popularização de C&T e Educação Científica do MCTI.
Carlos Wagner, coordenador de Popularização da Ciência e Tecnologia do MCTI, também anunciou que até o final do mês o Ministério vai lançar um edital com três linhas. A primeira para Estados enviarem projetos para o CNPQ, no valor de até 150 mil. A segunda para municípios apresentarem projetos de divulgação científica de até 50 mil.
A última linha destina-se a escolas que queriam apresentar seus projetos na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, que acontecerá de 14 a 20 de outubro deste ano. “São algumas maneiras de ajudar a financiar a educação integral no país”, disse Carlos.