publicado dia 02/03/2023
Novo Bolsa Família: entenda a importância da retomada da intersetorialidade para a redução das desigualdades no Brasil
Reportagem: Ingrid Matuoka e Tory Helena
publicado dia 02/03/2023
Reportagem: Ingrid Matuoka e Tory Helena
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva oficializou, nesta quarta-feira (02/03), a volta do Programa Bolsa Família (PBF), política de transferência de renda criada em 2003 e que havia sido alterada durante a gestão de Jair Bolsonaro.
Ao lado da recriação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), ocorrida na semana passada, as ações demonstram a volta da agenda de combate à fome e erradicação da pobreza para o centro da prioridade do governo federal, além da importância da articulação intersetorial para a garantia de direitos.
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Entre as mudanças anunciadas durante a cerimônia ocorrida no Palácio do Planalto, a reformulação do programa de transferência de renda para famílias em vulnerabilidade social contará novamente com condicionalidades, uma marca histórica do PBF.
São elas: matrícula e frequência das crianças e adolescentes na escola, acompanhamento pré-natal para as gestantes e a vacinação em dia, estabelecida de acordo com o Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde.
As chamadas condicionalidades do Bolsa Família são compromissos assumidos pelas famílias beneficiárias nas áreas da Saúde, Educação e Assistência Social para receber o benefício. O objetivo é assegurar que os beneficiários acessem políticas sociais básicas. No novo desenho da política de transferência de renda, são elegíveis para o benefício famílias com renda de até R$218 reais por pessoa.
“Precisaremos dessa política até que todas as crianças sejam tratadas de maneira igual, com as mesmas condições de acesso a serviços, instrumentos e direitos, independentemente de sua origem social e territorial. Só assim poderemos garantir seu amplo desenvolvimento”, afirmou, em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral, Juliana Matoso Macedo, ex-coordenadora geral no Programa Bolsa Família.
Representante do Colegiado Nacional de Gestores de Assistência Social, Elias de Sousa Oliveira ressaltou a importância do pacto federativo e das políticas articuladas intersetorialmente.
Qual será o valor do benefício? Serão concedidos, no mínimo, R$ 600 por família, além de R$ 150 para crianças de até 6 anos. Haverá também acréscimo de R$50 para pessoas entre 7 e 18 anos.
Quem pode participar do Bolsa Família? O programa foca nas famílias em situação de vulnerabilidade econômica e social. É preciso atender critérios de elegibilidade, como apresentar renda per capita classificada como situação de pobreza ou de extrema pobreza, ter os dados atualizados no Cadastro Único e não ter informações divergentes entre as declaradas no cadastro e em outras bases de dados federais. A seleção considera a estimativa de pobreza, a quantidade de famílias atendidas em cada município e o limite orçamentário.
Quanto será investido e quantos serão beneficiados? A expectativa do governo é atingir ao menos 21 milhões de famílias em vulnerabilidade social. Os recursos para o programa somam R$ 13 bilhões. Com a nova legislação, terão acesso ao programa todas as famílias que têm renda de até R$ 218 por pessoa.
“É fundamental que o Bolsa Família seja intersetorial. A renda é indispensável, em especial num país tão desigual. Mas a renda deve ser acompanhada de um conjunto de serviços, como assistência social, educação, moradia, entre outros direitos fundamentais”, defendeu durante a cerimônia. “Condicionalidade significa direitos e serviços integrados”, explicou.
Todas as famílias incluídas no desenho do programa receberão um valor mínimo de R$ 600. Além disso, serão criados dois benefícios complementares, pensados para atender de forma mais adequada o tamanho e as características de cada família. O primeiro determina um valor adicional de R$ 150 para cada criança de até seis anos de idade na composição familiar. Um segundo, chamado Benefício Variável Familiar, prevê um adicional de R$ 50 para cada integrante da família com idade entre sete e 18 anos incompletos e para gestantes.
Pesquisas mostram que, além dos impactos diretos no combate à fome, as políticas de transferência de renda com condicionantes, como o Bolsa Família, auxiliam também na redução das desigualdades em outros setores, como o na cobertura das políticas de Saúde, como a vacinação.
Ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, pasta responsável pela gestão do Bolsa Família, Wellington Dias lembrou ainda que, no campo da Educação, o Bolsa Família ajudou a ampliar a matrícula e a escolaridade dos mais pobres nas últimas duas décadas. “O Bolsa Família não é só transferência de renda, é uma política para uma vida melhor. Conseguimos tirar o Brasil do Mapa da Fome e é isso que queremos de volta”, resumiu.
Já o presidente Lula lembrou a importância da fiscalização do programa pela sociedade, de modo que o benefício chegue para aqueles que mais precisam. Além disso, afirmou que a política de transferência de renda não é uma fórmula mágica para resolver todos os problemas do Brasil e que ela precisa ser acompanhada de outras iniciativas, como a geração de empregos.
O Bolsa Família vai voltar a realizar um acompanhamento mensal e nominal da matrícula e frequência de crianças e adolescentes de famílias beneficiárias, uma das condicionalidades estipuladas para receber os recursos.
“Estudos realizados na época mostraram que, entre estudantes de mesmo perfil, havia maior evasão dos que não estavam sendo acompanhados pelo PBF”, relembrou Juliana, que também é especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG) e doutoranda em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB).
No contexto atual, o acompanhamento do acesso e permanência dos estudantes ganha importância central, já que ao menos 1 milhão de estudantes estão fora da escola.
“A ação mais urgente hoje é essa. Tínhamos todas as condições de ter esse diagnóstico agora e de, durante a pandemia, ter usado os arranjos e instrumentos construídos nas últimas décadas para acompanhar nominalmente os estudantes e promover ações estratégicas emergenciais para suas famílias, o que não foi feito”, criticou Juliana.
Além dessa condicionalidade, entre 2012 a 2014, o PBF criou uma parceria com o Programa Mais Educação para definir critérios de adesão, a fim de garantir que a educação integral seria prioritariamente implementada nas escolas com estudantes socialmente vulnerabilizados, até que pudesse ser universalizada. Das quase 60 mil escolas que aderiram ao programa, 35 mil tinham a maior parte dos estudantes como beneficiários do Bolsa Família.
“A parceria constituía em identificar escolas onde havia mais crianças em situação de pobreza e extrema pobreza, a fim de canalizar as políticas públicas nessas escolas, em grande articulação também com as áreas de Saúde, Esporte e Cultura”, disse Juliana.
O governo Lula vem reafirmando, desde a transição de governo, que vai priorizar o tempo integral na educação brasileira. O resgate do histórico das políticas públicas brasileiras pode apoiar nesse desenho e implementação, a fim de garantir que elas sejam, efetivamente, capazes de incluir a todos.
“Já temos arranjos e instrumentos robustos para enfrentar as desigualdades históricas do Brasil e para promover essa educação integral, até que não seja mais preciso falar em educação integral, só em educação, porque esses direitos já estarão dados”, pontuou Juliana.
Além da volta do Bolsa Família, o governo Lula também recriou o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), órgão desmontado na gestão anterior.
Criado em 1993, o Consea é um importante espaço institucional para a participação e o controle social na formulação, no monitoramento e na avaliação de políticas públicas de segurança alimentar e nutricional. Um terço dos representantes são governamentais e dois terços, da sociedade civil organizada.
“A educação integral também tem importante papel em garantir mais esse direito, o de uma alimentação saudável, ainda mais agora que voltamos a falar de fome. No Mais Educação, as escolas recebiam um valor a mais, por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), e ofereciam um almoço e dois lanches”, ressaltou Juliana.
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