publicado dia 20/12/2022

Educação Integral: a experiência e a potência de Lagedo do Tabocal (BA)

Reportagem:

A Educação Integral é uma concepção de Educação que entende a pessoa – seja ela criança, adolescente, jovem ou adulto – como sujeito de direitos. 

Especial Educação Integral Mais tempo na escola para que

Entre todos os direitos sociais estabelecidos pela Constituição, o direito à Educação é central para o desenvolvimento pleno do ser humano e para o processo de humanização, pois reconhece os sujeitos a partir de suas diversas dimensões: cognitiva, afetiva, corporal, ética, espiritual, estética, psicossocial, cultural e política. 

Essa concepção tem como pressuposto o caráter emancipatório da Educação, que deve ser norteada para e pela liberdade enquanto valor vital, e é exigente de uma Educação contextualizada, capaz de compreender o presente, conhecer o passado e inventar o futuro.

Além disso, neste movimento, a Educação Integral almeja desenvolver outras formas de viver no mundo, que sejam justas, humanizadoras, solidárias, participativas, amorosas, gentis e respeitosas com possibilidades de convivência em meios a conflitos sem violência, sem preconceitos e longe da barbárie. Afinal, tais práticas são estágios de ignorância que podem ser superados por uma educação omnilateral, por inteiro, integral. 

Claudia Cristina Pinto Santos é doutoranda em Educação pela UFBA e atua na coordenação do Observatório Nacional de Educação Integral e no Comitê Territorial Baiano de Educação Integral. Márcia de Freitas Cordeiro é doutora em Difusão do Conhecimento pela UFBA e atua na coordenação do Observatório Nacional de Educação Integral e no Comitê Territorial Baiano de Educação Integral. 

A Educação Integral é, dessa forma, a possibilidade de superação do modelo social no qual estamos inseridos, hoje pautado na lógica da desigualdade e da injustiça. É, pela sua essência, um caminho para a transformação social.

Nesse contexto, ainda que não exclusivamente, a escola pública, enquanto instituição de ensino e formação de sujeitos, ocupa papel preponderante para o desenvolvimento e transformação social, na articulação da ciência e da vida social.

É essa educação transformadora que desejamos construir para a escola pública brasileira. 

Frente a visível e sofrida situação de agravamento da pobreza e dos impactos do déficit de aprendizagem ampliados pelo contexto pandêmico de 2020-2021,  professores e educadores, apoiados pela gestão municipal, optamos por desenvolver uma Política Municipal de Educação Integral em Tempo Integral na cidade de Lagedo do Tabocal (BA), em conformidade com o nosso Plano Municipal de Educação. 

Como Lagedo do Tabocal (BA) construiu sua política de Educação Integral

Entendemos que desenvolver práticas participativas de Educação Integral representa o início de um caminho (que imaginamos sem volta) para a garantia de uma educação escolar com qualidade sociocultural. Além de ampliar o tempo nas escolas de quatro para oito horas diárias, a experiência envolveu estabelecer diálogos formativos permanentes entre o Observatório e Comitê Baiano de Educação Integral com o coletivo de profissionais da Educação do referido município.

Nele, potencializamos e qualificamos a oferta de alimentação escolar e cuidados com os/as alunos/as, incentivamos práticas de vivências fora do espaço escolar com busca ao estreitamento das relações entre escola e comunidade, diversificamos o currículo escolar por meio das atividades esportivas, artísticas e práticas de estudo, além de pesquisa sob a orientação da família e da escola.  

Como princípios fundantes, elegemos:a dignidade humana; a alegria e amorosidade; o cuidar de si e cuidar do outro; avanço em direção a política de educação antirracista, anti-homofóbica, antimachista, que enfrenta qualquer tipo de preconceito e desrespeito às diferenças; a articulação de saberes escolares e saberes da comunidade; a intersetorialidade e o diálogo permanente com a rede.

Mais ainda, entendemos que fortalecer a escola por meio de ampla articulação com diversos setores e seu território é condição básica para seu desenvolvimento, uma vez que a escola sozinha não consegue enfrentar os desafios que estão presentes cotidianamente em seus espaços.

Na cidade de Lagedo do Tabocal (BA), município de 9 mil habitantes situado no território de identidade do Vale do Jiquiriçá, nasceu uma experiência de Política Municipal de Educação Integral em Tempo Integral, sustentada pelo reconhecimento de que a escola pública deve estar em permanente diálogo com seu território, como um lugar de proteção social, com a garantia do direito à Educação, formação humana integral integrada, e fonte de possibilidades socioculturais e fortalecimento da democracia.

10 passos para a implantação da política de Educação Integral em Lagedo do Tabocal (BA) 

Para implantação desta política neste município, no período marcado pelo retorno das atividades presenciais, após dois anos letivos de distanciamento social, foram adotadas ações e um “passo a passo” permanente, marcado apenas pelo ponto de partida. 

Não se sabia e ainda não se sabe até onde queremos alcançar as possibilidades almejadas, mas continuamos com a ideia de manter todos e todas em constante movimento, visando que cada um/cada uma acesse e participe de uma escola viva, alegre, acolhedora e produtora de aprendizagem. À vista disso, destacamos nossa caminhada com os seguintes passos, ações preponderantes em todo processo:Quadro explicativo mostra 9 etapas para a elaboração de proposta curricular com a participação dos profissionais da Educação e escuta dos estudantes e familias1.Compromisso de Gestão O compromisso e decisão política para implantação de três escolas de Educação Integral em Tempo Integral, envolvendo aproximadamente 200 estudantes da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental, em um conjunto de 14 escolas de uma rede com 2.994 estudantes, o que representa um significativo avanço para um município economicamente com baixos recursos. A tomada de decisão pela gestão municipal é determinante para o fortalecimento da Educação, porque sem esse aporte não há sustentabilidade para as condições objetivas do trabalho pedagógico.

2. Mapeamento de Demandas – No universo de 14 unidades escolares, a escolha pela implantação em três escolas se deu em função dos seguintes aspectos: estrutura física das escolas; espaços dos equipamentos públicos e privados que convergem para fortalecimento da educação; vulnerabilidade social; aceitação da equipe docente e demais profissionais da educação em cada escola.

3. Levantamento de Custos – O levantamento de custos foi condição para tomada de decisão, pois a proposta requeria maiores investimentos na contratação de mais funcionários/as, oferta de três refeições diárias aos/as alunos/as, adequação de espaços e aquisição de equipamentos e utensílios. Dado o desmonte das políticas públicas imposta pelo Governo Federal entre 2019 e 2022 e a retirada dos investimentos em educação, os municípios tiveram que assumir suas propostas com recursos próprios. Todavia, com o amadurecimento das discussões, houve a compreensão da importância do investimento como elemento que supera a concepção simplista de “aumento de gastos”.

4. Territórios Educativos e Intersetorialidade Como princípio fundante da Educação Integral, foi necessário identificar e mapear os espaços que oportunizam in loco o desenvolvimento de práticas participativas para esta concepção de educação. Dessa forma, foi fundamental o reconhecimento da relação cúmplice entre o espaço escolar e seu entorno, devido a oportunidade para influenciar a implantação e desenvolvimento de uma proposta curricular aberta aos diversos setores da sociedade e para fortalecimento da escola na comunidade.

5. Formação dos Profissionais da Educação Como ação decisiva para avanço da proposta é fundamental que a própria unidade escolar externalize que educação deseja promover e qual sujeito pensa em formar, portanto, faz-se indispensável implementar um ritmo de estudos, pesquisa e construção de entendimento sobre o que vislumbramos por educação integral em tempo integral. Neste sentido, foi imprescindível envolver professores e professoras, coordenadores/as, técnicos/as, trabalhadores/as dos serviços gerais, merendeiras, porteiros/as, enfim, todos/as que fazem parte do espaço escolar. Sendo assim, foram criados “Diálogos Pedagógicos”, como uma proposta sustentada por uma sequência de encontros formativos com a rede de ensino em parceria com professores e professoras, mestres e doutores/as, vinculados a diferentes universidades públicas, ao Comitê Territorial Baiano de Educação Integral e ao Observatório Nacional de Educação Integral, que possibilitaram nossa participação em diversos espaços de discussão e troca de experiências.

6. Ampliação de Tempos e Espaços – Ampliar as oportunidades educativas com aposta no processo de estudo, pesquisa e acesso aos diversos saberes, a ampliação de tempos e espaços, representam outra condição fundamental para a efetivação da proposta.

7. Articulação com as famílias e a comunidade escolar – Fazer a escuta sensível, apresentar proposta, colher sugestões de todos e todas responsáveis, sujeitos que participam do cotidiano escolar, é condição básica para caminharmos com apoio, compreensão e parceria rumo ao Projeto Político Pedagógico vivo, essencialmente participativo. Os constantes encontros visam avaliar e melhorar a cada dia a prerrogativa básica do direito à Educação.

8. Recomposição e desenvolvimento da aprendizagem – Inegável que as preocupações com o cenário pós-pandemia mobilizaram o debate sobre como efetivamente contribuir para o desenvolvimento da aprendizagem, o agravamento no déficit de aprendizagem é fator inquestionável. Assim, buscamos assegurar: acompanhamento por equipe multidisciplinar nas escolas, ofertar atividades centradas na Orientação de Estudos, Atividades Esportivas e Expressões Artísticas, no âmbito da proposta curricular. Olhar para as escolas com maior situação de vulnerabilidade foi determinante.

9. Construção coletiva de Proposta Curricular – Inspirada no Programa Mais Educação, a proposta curricular busca ampliar oportunidades de aprendizagens, enriquecer o currículo em curso, potencializar ações educativas, recompor aprendizagens, além das contribuições vivenciadas a partir do desenho do Programa Mais Educação. São demandas que exigem articular diversos pontos de vista, evitando a todo custo que seja elaborada por um único sujeito ou um grupo de sujeitos externos. É necessário nascer do coletivo que vive a escola e seu território, com levantamento de diagnóstico e de escuta em tempo constante. Construir coletivamente com a escola é medida que permite, a partir da nossa realidade, fazer a diferença que se deseja.

10. Envolvimento, compromisso e fortalecimento do conjunto dos profissionais da educação – Contar com uma equipe engajada e comprometida com a proposta é o elemento mais importante desse processo. Tal engajamento promove a criação e recriação cotidiana do fazer pedagógico e mantém a equipe engajada com diálogos, formação e reconhecimento constante. Além disso, é positiva a participação dos Educadores Sociais, enquanto profissionais capazes de oxigenar e diversificar a rede, inovar as práticas pedagógicas e articular os saberes populares aos saberes escolarizados.

Com bases nestes 10 passos e ações coletivamente construídas, o município de Lagedo do Tabocal (BA) tem (re)construído sua Educação e transformado sua realidade com uma formação focada na humanização de seus citadinos. 

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