publicado dia 09/05/2023

Educação inclusiva: 3 perguntas para Eugênia Gonzaga

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O Senado Federal vai iniciar, na quarta-feira (10/5), um ciclo de debates sobre o papel e as condições das escolas e instituições especializadas no atendimento educacional aos estudantes com deficiência, na perspectiva de inclusão social. Entre os temas a serem discutidos, está a revogação, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Decreto 10.502/2020, que instituiu a Nova Política de Educação Especial.

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Ela contrariava os princípios basilares da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, como o incentivo ao convívio em escolas comuns entre estudantes com e sem deficiência, e terminou por ser suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF) poucos meses depois.  

Ainda assim, houve um abalo na estrutura e implementação de uma educação inclusiva para todos e todas, que pede do atual Ministério da Educação (MEC) uma retomada robusta da política original. 

Isso não significa um rompimento com as Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) e outras escolas especiais, mas um fortalecimento da parceria com as escolas comuns para que todas as crianças e adolescentes possam se desenvolver integralmente, o que só se dá em meio à convivência com a diversidade. 

“Não é preciso um monopólio sobre as crianças com deficiência”, frisa Eugênia Gonzaga, Procuradora Regional da República, em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral. Leia a conversa na íntegra: 

Centro de Referências em Educação Integral: Qual a importância da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, aprovada em 2008, e como ela beneficia a todos os estudantes, não apenas os com deficiência?

Eugênia Gonzaga: Essa política foi pensada na perspectiva da educação inclusiva, que é muito mais ampla do que acolher somente as crianças com deficiência. Diz respeito à questão racial, de gênero, religiosa, a eliminar todo tipo de conduta que possa excluir ou prejudicar qualquer estudante.

Ela também fala sobre a flexibilização do currículo, ofertar atendimento individualizado, considerar o contexto na hora de atribuir notas, por exemplo, no caso de uma criança que está passando por uma perda na família. A escola pública precisa ser esse espaço de acolhimento. Sem isso, não há aprendizagem.

É importante destacar que essa política fala de direito à Educação, como prevê a nossa Constituição Federal, para garantir um padrão de qualidade de oferta educacional para todos e o cumprimento do desenvolvimento integral dos estudantes.

CR: A partir de sua aprovação houve um crescimento das matrículas de estudantes com deficiência em escolas regulares. Hoje, cerca de 90% do público alvo da Educação Especial frequenta salas de aula comuns (Censo Escolar 2021). Qual a importância dessa conquista da política?

EG: A política como um todo foi bem vinda e aplicada pelos municípios em geral e uma percepção da sociedade de que a escola não vai mais ser aquele lugar que vai excluir as pessoas.

A resistência está especialmente no setor da educação especial, de pessoas que sempre tiveram seu nicho, ensinando essas crianças de maneira exclusiva e separada. Dizem que a escola pública comum está cheia de problemas, então que seria melhor ela ir para uma escola especial. Mas temos que resolver essa questão das escolas comuns, porque isso prejudica a todos.

“Conheço muitos municípios que fazem convênio com a APAE local para esse complemento, sem substituição do direito à educação escolar, e vejo que funciona muito bem.”, relata Eugênia Guimarães.

Também costumam argumentar que seria para o ‘bem’ dos estudantes com deficiência. Mas que bem? Não há problema algum que o Atendimento Educacional Especializado (AEE) ministre conteúdos no contraturno somente para as crianças com deficiência, porque não precisa mesmo ser para toda a turma. Porém, não é isso que pode impedir esse estudante de estar com todas as outras crianças.

A proposta é que o AEE seja complementar e dê o suporte para a criança estar na escola comum, e não como um único espaço em que ela vai ficar segregada. Conheço muitos municípios que fazem convênio com a APAE local para esse complemento, sem substituição do direito à educação escolar, e vejo que funciona muito bem.

No contraturno, dão apoio para crianças indígenas, com deficiência, em comunidades muito atingidas pelo zika vírus, e também com fonoaudiologia e fisioterapia para todos. É uma parceria muito rica que não promove segregação.

Desde os anos 60 temos documentos e convenções internacionais reverberando a importância da escola como ambiente coletivo, sem qualquer separação por raça ou gênero, porque todos se beneficiam dessa sistemática da diversidade. 

Queremos que todos possam aprender Matemática e Língua Portuguesa, por exemplo, mas existem outros tipos de aprendizagens e de benefícios de se estar na escola convivendo com essa diversidade para a formação humana integral das crianças. 

Lembro de um caso de um menino com paralisia cerebral, cego e surdo matriculado em uma escola comum. A professora percebeu que ele se interessava em especial por Matemática e, usando ferramentas adequadas, ele avançou nessa aprendizagem. Depois de alguns anos, ele venceu uma Olimpíada de Matemática junto com crianças sem deficiência.

CR: Durante o Governo Bolsonaro, essa política foi atravessada por outra, a Nova Política da Educação Especial, que acabou sendo suspensa. Com o novo governo, o que se espera do Ministério da Educação (MEC) em relação à retomada e implementação da política de 2008?

EG: A imediata implementação dessa política. No governo Temer houve uma tentativa de revisão dessa política, que foi obstada por integrantes do Ministério Público Federal e não foi alterada no âmbito do MEC.

Em 2020, no governo Bolsonaro, aprovaram outra política por decreto, que é superior à portaria, forma como a de 2008 foi aprovada. Isso já fere os princípios das políticas em direitos sociais, que devem ser construídas com a comunidade interessada. 

É para isso que existem as conferências nacionais e estaduais, os conselhos, que foi o tipo de mecanismo que o governo Bolsonaro aniquilou para impor essa política. Isso não é política, é uma imposição, que depois foi suspensa pelo ministro [do Supremo Tribunal Federal Dias] Toffoli.

“Promover a educação inclusiva não passa pelo fechamento de escolas especiais, mas por fortalecer o trabalho conjunto”, diz Eugênia

O problema é que a política anterior também ficou suspensa. Houve um balanço em sua estrutura e o atual MEC ainda não disse o que vai fazer. 

Eles precisam anunciar um diagnóstico do que aconteceu de lá para cá, com dados que possam subsidiar um plano de melhora dessa política, de adequação para o contexto atual, e de implementação.

Promover a educação inclusiva não passa pelo fechamento de escolas especiais, mas por fortalecer o trabalho conjunto, porque não é preciso um monopólio sobre as crianças com deficiência.

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