publicado dia 14/12/2023

Diretor Escolar: forma de seleção pode atrair mais recursos às redes 

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🗒 Resumo: Para receber complementação de recursos por meio do Valor Aluno Ano Resultado (VAAR), o Novo Fundeb estipula cinco critérios. O primeiro deles é a forma de seleção do cargo ou função dos diretores escolares. Ao lado do coordenador pedagógico, o diretor escolar é uma figura essencial no chão da escola e na garantia de direitos dos estudantes. Confira a análise de especialistas sobre como conduzir esse processo.

O Novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) determina que a distribuição de recursos da União às redes públicas de ensino por meio do Valor Aluno Ano Resultado (VAAR) depende de cinco critérios diferentes, entre eles, a forma de seleção do cargo ou função de diretor escolar.

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No Brasil, existem três possibilidades: indicação política, concurso público e eleição e/ou consulta à comunidade escolar. “Muitas redes têm adotado somente a indicação política ou a eleição da comunidade, o que vai contra as legislações”, aponta Lara Simielli, professora do Departamento de Gestão Pública na Fundação Getúlio Vargas (EAESP/FGV) e doutora e mestre em Administração Pública e Governo pela mesma instituição.

A forma de escolher o diretor escolar é de grande importância porque o processo precisa garantir que seu perfil esteja alinhado ao fato de que hoje quem exerce a função é uma liderança comunitária central para a garantia de direitos dos estudantes. 

“Um tempo atrás a função do diretor era cuidar da questão documental e administrativa, mas hoje isso foi ampliado e é essa pessoa que faz diferença na mobilização de uma rede de proteção para que os estudantes tenham acesso à escola e permaneçam e tenham uma trajetória regular”, explica Roberta Panico, diretora executiva da Roda Educativa (antiga Comunidade Educativa Cedac)

A Lei nº 14.113/2020, que regulamenta o novo Fundo, estipula que a disponibilização dos recursos complementares não pode ocorrer quando há indicação política para o cargo ou função de diretor escolar. 

Para tanto, a seleção deve ser feita de acordo com “critérios técnicos de mérito e desempenho ou a partir de escolha realizada com a participação da comunidade escolar dentre candidatos aprovados previamente em avaliação de mérito e desempenho”.

A possibilidade de escolher o diretor apenas por critérios técnicos, de acordo com Ângelo Ricardo de Souza, professor do Departamento de Planejamento e Administração Escolar do Setor de Educação da UFPR, é inconstitucional. 

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) determina que os diretores sejam selecionados por meio de algum tipo de processo seletivo, ou seja, por requisitos de mérito e desempenho. Mas o Plano Nacional de Educação (PNE) amplia esse entendimento.

“O Plano Nacional de Educação (PNE), que é uma legislação maior em relação ao Novo Fundeb, estabelece que é preciso usar simultaneamente requisitos de mérito e desempenho e consulta à comunidade”, diz Ângelo, que também é doutorando em Educação pela PUC-SP.

Os especialistas ouvidos pelo Centro de Referências em Educação Integral são unânimes neste ponto: um único critério de seleção é insuficiente para a seleção do diretor escolar. Abaixo, detalham cada um dos métodos, destacam a importância de debater com a comunidade escolar qual é o papel dessa pessoa e apontam caminhos para realizar seleções mistas. 

A indicação política

A indicação política é a forma de seleção mais prevalente no Brasil, com 54,9% dos diretores indicados politicamente, de acordo com levantamento do grupo Dados para um Debate Democrático na Educação (D3E). O estudo utilizou informações do Sistema de Avaliação de Educação Básica (Saeb) de 2019 e do Censo Escolar 2020, além de levantamentos realizados por auditores públicos dos Tribunais de Contas Estaduais (TCE). 

“Fui diretor de escola por seis anos e na minha experiência e nas que acompanho, esse diretor se constitui como liderança local importante, que a comunidade escuta muito. Se é indicação do prefeito, ele vira um articulador político, um cabo eleitoral importante em favor do governo de plantão e isso é muito ruim. Tem que ter mais autonomia”, critica Ângelo.

“O problema da indicação política é que ela é partidária e isso não combina com Educação”, diz Roberta Panico.

“O problema da indicação política é que ela é partidária e isso não combina com Educação”, reforça Roberta, para quem também é prejudicial o fato de muitas dessas indicações não serem pautadas por critérios técnicos. “A influência do diretor tem que ser política no sentido de busca do bem comum, de participação democrática e de atendimento às prioridades da comunidade”, acrescenta.

Com a nova regra do Fundeb, a tendência é que esse método diminua. “Há um esforço grande e boas experiências no Brasil no sentido de qualificar esse processo. Mas vamos ver um grande salto a partir do momento em que isso entra como uma das condicionalidades para o Novo Fundeb”, diz Lara.

A eleição ou consulta à comunidade escolar

A consulta à comunidade escolar é privilegiada pelos critérios do VAAR e o PNE e se difere da eleição pela comunidade, método que já foi questionado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e considerado inconstitucional em 2009. 

“Pode consultar a comunidade junto a outros métodos. O que não pode é a eleição pela comunidade, porque eleição tem poder absoluto e o eleito não pode ser contestado”, explica Ângelo sobre o entendimento do STF, que também foi pautado na LDB, e pede a existência de processo seletivo para o cargo ou função.

A consulta à comunidade pode ser “um processo pedagógico e de formação política da comunidade”, afirma Ângelo Ricardo de Souza.

Deixar a escolha somente nas mãos da comunidade escolar é infrutífero, porque embora o candidato possa conhecer melhor o contexto, costumam se destacar critérios mais pessoais e de relacionamento. 

“Nem sempre os critérios técnicos são priorizados, porque falta repertório das pessoas sobre seu papel. Quanto mais tem o aval da comunidade, melhor, mas é importante ter outros critérios junto”, adverte Roberta.

Quando não é o único método, a consulta à comunidade escolar tem o poder fundamental de promover o diálogo e a construção coletiva do papel do diretor escolar para aquele território e comunidade. “É um processo pedagógico e de formação política da comunidade”, evidencia Ângelo. 

Concurso público e critérios técnicos de mérito e desempenho 

Legislações recentes têm enfatizado a importância de olhar para os critérios técnicos. Além da LDB e do PNE, o VAAR também privilegia o método, que pode ser um concurso público, provas, ou análise de currículo e entrevistas, considerando por exemplo há quanto tempo a pessoa está na rede e na escola, se possui Licenciatura e/ou especialização em gestão escolar.

“É bem importante um diretor ter experiência de sala de aula e formação”, destaca Roberta.

“É bem importante um diretor ter experiência de sala de aula e formação, mas prova e currículo também não podem ser os únicos critérios de seleção”, aponta Roberta.

Ângelo reforça que isso se dá porque o diretor escolar não é uma função meramente técnica. “Ela existe, mas é minoritária no fazer da diretora de escola. Não há comprovação científica de que mérito e desempenho seleciona os melhores diretores. Por outro lado, um concurso público ou provas, se bem feitas, podem contribuir com o processo misto”. 

Ele aponta ser importante provas e concursos levarem em conta duas dimensões do trabalho de gestão escolar: a Pedagogia no sentido amplo, da teoria da Educação, e o funcionamento e cotidiano da gestão das escolas.

A legislação brasileira, contudo, não especifica o que seriam estes critérios técnicos. Para ajudar as redes a buscarem coerência em sua política de formação e seleção dos diretores, o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou a Base Nacional Comum de Competências do Diretor Escolar

Pautada por este documento, a comunidade escolar precisa debater o que desejam para a função ou cargo de diretor escolar. “A direção escolar é uma função político-pedagógica. É mediar conflitos, lidar com divergências, desenvolver a escuta de diferentes percepções, articular políticas públicas e tomar as melhores decisões, algo que uma prova sozinha não consegue identificar”, diz Ângelo.

Como selecionar diretores escolares? 

De saída, Lara lembra a importância do Estado garantir condições de trabalho e remuneração adequada – tanto por ser um direito, quanto para atrair bons candidatos e para que essas pessoas possam se manter nessa função ou cargo. A professora da FGV também destaca a necessidade de dar a oportunidade de formação e desenvolvimento de educadores da rede para prestar os processos seletivos.

“A literatura internacional aponta que uma única etapa não dá conta de selecionar as pessoas mais adequadas”, diz Lara Simielli.

“A todo tempo a Secretaria e a comunidade também precisam discutir quais são as competências requeridas, o perfil de diretor que desejam, para depois combinar duas etapas de processo seletivo. A literatura internacional aponta que uma única etapa não dá conta de selecionar as pessoas mais adequadas”, afirma Lara. 

No Brasil, as redes que fazem seleções mistas costumam partir de critérios técnicos. O Ceará, por exemplo, cria um banco de candidatos a diretor escolar que foram certificados com base em critérios técnicos. Depois, podem ser indicados politicamente. A rede municipal de São Paulo (SP), por sua vez, realiza uma prova para os educadores da rede. Quem atinge a nota de corte, pode ser indicado pela comunidade escolar. 

“Além de concurso e prova, essa pessoa pode apresentar um plano de gestão, um projeto para a escola, que vai permitir identificar muitas de suas competências e seu perfil. Depois, isso vai para a indicação da comunidade”, sugere Roberta.

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