publicado dia 06/12/2023
De onde vem a educação domiciliar e quais são as alternativas a ela?
Reportagem: Da Redação
publicado dia 06/12/2023
Reportagem: Da Redação
🗒️ Resumo: A tentativa de implementar e regulamentar no Brasil a educação domiciliar (homeschooling) voltou ao Congresso Nacional. Os professores Daniel Cara e Jamil Cury analisam as raízes da proposta, seus impactos para os estudantes e a sociedade, e propõem alternativas.
Tramita no Congresso Nacional o PL 1338/2022 que visa implementar e regulamentar no Brasil a educação domiciliar, também conhecida como homeschooling. Apresentado originalmente em 2012, a Câmara dos Deputados aprovou o PL 3179/12 no ano passado. Agora, o projeto está sendo analisado no Senado, por meio de audiências públicas na Comissão de Educação e Cultura.
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No caso da aprovação da educação domiciliar, crianças e adolescentes poderão estudar em casa se pelo menos um dos pais ou responsáveis tiver escolaridade de nível superior ou em educação profissional tecnológica em curso reconhecido pelo Ministério da Educação (MEC). Para tanto, o adulto deverá matricular o estudante em uma instituições de ensino, comprovar a formação e apresentar certidões criminais da Justiça federal, estadual ou distrital. Às escolas caberá a função de acompanhar e avaliar o aprendizado dos estudantes.
De acordo com a Associação Nacional de Ensino Domiciliar (ANED), havia 7,5 mil famílias educadoras no Brasil em 2018, o que representa cerca de 15 mil estudantes entre 4 e 17 anos – um total de 0,03% do total de estudantes do país. A legislação atual estipula que todas as crianças a partir dos 4 anos de idade devem estar matriculadas obrigatoriamente em um estabelecimento de ensino no Brasil. Para ensinar em casa, essas famílias conseguiram autorização por meio da Justiça.
A quantidade de sujeitos impactados pela política pública elencada como uma das prioridades do governo de Jair Bolsonaro (2018-2022) chama a atenção, bem como o fato do tema voltar à discussão em meio aos enormes desafios, internos e externos, que escolas e redes de Educação enfrentam para dar conta de retomar as atividades presenciais e promover o desenvolvimento dos estudantes durante a pandemia. Entre os entraves, educadores e educadoras lidam com o aumento da fome e da exclusão escolar.
Para Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), doutor em Educação pela mesma universidade e ex-dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, isso se deve ao pano de fundo histórico que movimenta o PL.
Em entrevista em vídeo ao Centro de Referências em Educação Integral em agosto de 2022, ao lado de Carlos Roberto Jamil Cury, educador há mais de 54 anos e professor no departamento de Educação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), que foi membro do Conselho Nacional de Educação, presidente da CAPES e vice-presidente da SBPC, Daniel discorreu sobre o tema. Assista à conversa na íntegra:
O especialista explicou que as propostas de educação domiciliar no mundo fazem parte de um contexto que envolve outras iniciativas, como o Escola Sem Partido e a militarização das instituições de ensino, tendo à frente os Estados Unidos da América e o Reino Unido. “Eles buscavam retomar teses ultraconservadoras nesses dois países […] e essas estratégias não foram tão bem sucedidas”, relatou.
Para Daniel, a educação domiciliar, mas também todo esse contexto, é uma tentativa de polarização que se assemelha a uma caraterística fascista de opor a escola e a sociedade à casa e à família, bem como de usar a Educação como terreno para uma guerra social e cultural.
“O objetivo da educação domiciliar é fazer com que na sociedade, no debate público, persista a ideia de que a sociedade e a escola e os demais espaços sociais são profanos e que a família deve ser concretamente a referência social de todas as pessoas. Isso aprisiona as possibilidades de vida de todas crianças e jovens que são acometidos por famílias que defendem a educação domiciliar”, afirmou o docente da USP.
Retomando a história do direito à Educação no Brasil, o professor Jamil lembrou que desde os anos 20 o debate público e as legislações reafirmaram a insuficiência da família em propiciar as condições para que crianças, adolescentes e jovens se tornem cidadãos participativos e conscientes de seus direitos e deveres.
Agora, esses projetos vêm na contramão deste entendimento que vinha sendo consolidado. “Fazendo uma ponte com 2018, o Governo Federal traz consigo todas estas propostas, consideradas para o grupo que o elegeu como prioritárias, e que desqualificam a escola pública e o professor público”, disse Jamil.
Uma parte dos argumentos que alguns defensores da educação domiciliar trazem pode abrir caminhos para o diálogo entre famílias e escolas que, juntas, têm a oportunidade de encontrar soluções e cobrar o poder público por melhorias. Isso porque estas famílias apontam, muito justificadamente, a precariedade das condições de infraestrutura, de falta de professores e da violência que por vezes acomete os espaços escolares. Há, contudo, outras saídas para além de retirar os filhos da escola que beneficiam a todos e todas.
“Na educação pública, a gestão sempre tem que ser democrática, das escolas até os espaços de tomada de decisão. É coragem de enfrentar as questões, de ter conversas olho no olho, de debater e ouvir […] essa é a postura radical do educador, daquele que constrói junto, não para alguém. Então precisamos mostrar que é possível encontrar uma alternativa”, convocou Daniel.
Realizar esse trabalho que propõe Daniel demandaria, portanto, formação pedagógica. “Temos que repensar a questão de onde estão sendo formados os professores […] e reconstruir a Educação, porque houve de fato um desmonte. Isso significa levar adiante as metas do Plano Nacional de Educação (PNE)”, disse Jamil.
Durante a conversa, os especialistas também conversaram sobre a viabilidade técnica e financeira do PL que, se aprovado, entra em vigor em 90 dias, e questões envolvendo a inclusão e a ampliação das desigualdades. Assista ao debate na íntegra.
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